Daí a pouco, de luvas pretas, muito amarela, saiu.
Ao dobrar a esquina da rua, em frente do estanque, parou indecisa. Até ao médico era um estirão!. . E estava, que lhe tremiam as pernas!. . Mas também, largar três tostões para trem!. .
—
Psiu, psiu! — fez do lado uma voz doce.
Era a estanqueira, com o seu longo vestido de luto tingido, o seu sorriso desconsolado.
Que era feito da Sra. Juliana? A dar o seu passeio, hem?
Gabou-lhe a sombrinha preta de cabo de osso. De muito gosto — disse.
—
E como ia de saúde?
Mal. Dera-lhe a pontada. Ia ao médico...
Mas a estanqueira não tinha fé nos médicos. Era dinheiro deitado à rua. .
Citou a doença do seu homem, os gastos, um ror de moedas. E para quê? Para o ver penar e morrer como se nada fosse! Era um dinheiro que sempre chorava!
E suspirou. Enfim, fosse feita a vontade de Deus! E lá por casa do senhor engenheiro?
—
Tudo sem novidade.
—
Ó Sra. Juliana, quem é aquele rapaz que vai agora por lá todos os dias?
Juliana respondeu logo:
—
É o primo da senhora.
—
Dão-se muito!. .
—
Parece.
Tossiu, e com um cumprimentozinho:
—
Pois, muito boas tardes, Sra. Helena. E foi resmungando:
—
Ora, fica-te a chuchar no dedo, lesma!
Juliana detestava a vizinhança; sabia que a escarneciam, que a imitavam, que lhe chamavam a "Tripa Velha"!. . Pois também dela não tinham de saber nada!
Podiam rebentar de curiosidade! Vinham de carrinho! Boa! Tudo o que visse ou que lhe cheirasse havia de ficar guardadinho, lá dentro. — "Para uma ocasião" — pensava com rancor, sacudindo os quadris.
A estanqueira ficou à porta, despeitada. E o Paula dos móveis, que as vira conversar, veio logo, deslizando sutilmente nas suas chinelas de tapete:
—
Então a Tripa Velha escorregou-se? Ai! Não se lhe tira nada! O Paula enterrou as mãos nos bolsos, com tédio:
—
Aquilo, a do Engenheiro besunta-lhe as mãos... É ela quem abre a portita de noite. .
—
Tanto não direi! Credo! Paula fitou-a com superioridade:
—
A Sra. Helena está ai ao seu balcão. . Mas eu é que as conheço, as mulheres da alta sociedade! Conheço-as nas pontas dos dedos. É uma cambada!
Citou logo nomes, alguns ilustres; tinham amantes inumeráveis: até trintanários. Algumas fumavam, outras entortavam-se. E pior! E pior!
—
E passeiam por ai, muito repimpadas de carrinho, à barba da gente de bem!
—
Falta de religião! — suspirou a estanqueira. O Paula encolheu os ombros:
—
A religião é que é, Sra. Helena! Com os padres é que é! E agitando furioso o punho fechado:
—
Com os padres é uma choldra viva!
—