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Ah! Não! É horroroso, é horroroso! — dizia só, falando alto. — E

necessário acabar!

Resolveu não receber Basílio, escrever-lhe, pedir-lhe que não voltasse, que partisse! Meditava mesmo as palavras; seria seca e fria, não diria "meu querido primo", mas simplesmente "primo Basílio".

E que faria ele, quando recebesse a carta? Choraria, coitado!

Imaginava-o só, no seu quarto de hotel, infeliz e pálido; e daqui, pelos declives da sensibilidade, passava à recordação da sua pessoa, da sua voz convincente, das turbações do seu olhar dominante; e a memória demorava-se naquelas lembranças com uma sensação de felicidade, como a mão se esquece acariciando a plumagem doce de um pássaro raro. Sacudia a cabeça com impaciência, como se aquelas imaginações fossem os ferrões de insetos importunos; esforçava-se por pensar só em Jorge; mas as ideias más voltavam, mordiam-na; e achava-se desgraçada, sem saber o que queria, com vontades confusas de estar com Jorge, de consultar Leopoldina, de fugir para longe, ao acaso. Jesus, que infeliz que era! — E do fundo da sua natureza de preguiçosa vinha-lhe uma indefinida indignação contra Jorge, contra Basílio, contra os sentimentos, contra os deveres, contra tudo o que a fazia agitar-se e sofrer.

Que a não secassem, Santo Deus!

Depois de jantar, à janela da sala, ficou a reler a carta de Jorge. Pôs-se a recordar de propósito tudo o que a encantava nele, do seu corpo e das suas qualidades. E juntava ao acaso argumentos, uns de honra, outros de sentimento, para o amar, para o respeitar. Tudo era por ele estar fora, na

província! Se ele ali estivesse ao pé dela! Mas tão longe, e demorar-se tanto! E

ao mesmo tempo, contra a sua vontade, a certeza daquela ausência dava-lhe uma sensação de liberdade; a ideia de se poder mover à vontade nos desejos, nas curiosidades, enchia-lhe o peito de um contentamento largo, como uma lufada de independência.

Mas enfim, vamos, de que lhe servia estar livre, só? — E de repente tudo o que poderia fazer, sentir, possuir, lhe apareceria numa perspetiva longa que fulgurava; aquilo era como uma porta, subitamente aberta e fechada, que deixa entrever, num relance, alguma coisa de indefinido, de maravilhoso, que palpita e faísca — Oh! Estava doida, decerto!

Escureceu. Foi para a sala, abriu a janela; a noite estava quente e espessa, com um ar de eletricidade e de trovoada. Respirava mal; olhava para o céu, desejando alguma coisa fortemente, sem saber o quê.

O moço do padeiro embaixo, como sempre, tocava o fado; aqueles sons entravam-lhe agora na alma, com a brandura de um bafo quente e a melancolia de um gemido.

Encostou a cabeça à mão como uma lassidão. Mil pensamentozinhos corriam-lhe no cérebro como os pontos de luz que correm num papel que se queimou; lembrava-lhe sua mãe, o chapéu novo que lhe mandara M me François, o tempo que faria em Sintra, a doçura das noites quentes sob a escuridão das ramagens. .

Fechou a janela, espreguiçou-se; e sentada na poltrona, no seu quarto, ficou ali, numa imobilidade, pensando em Jorge, em lhe escrever, em lhe pedir que viesse. Mas bem depressa aquele cismar começou a quebrar-se a cada momento como uma tela que se esgaça em rasgões largos, e por trás aparecia logo como uma intensidade luminosa e forte a ideia do primo Basílio.

As viagens, os mares atravessados tinham-no tornado mais trigueiro; a melancolia da separação dera-lhe cabelos brancos. Tinha sofrido por ela! — E

no fim onde estava o mal? Ele jurara-lhe que aquele amor era casto, passando-se todo na alma. Tinha vindo de Paris, o pobre rapaz, assim lho jurara, a ver, uma semana, quinze dias. E havia de dizer-lhe: "Não voltes; vai-te"?

Quando a senhora quiser o chá. . — disse da porta do quarto Juliana.

Luísa deu um suspiro alto como acordando. Não; que trouxesse a lamparina, mais tarde.

Eram dez horas. Juliana foi tomar o seu chá à cozinha. O lume ia-se apagando, o candeeiro de petróleo estendia nos cobres dos tachos reflexos avermelhados.

Hoje houve coisa, Sra. Joana — disse Juliana sentando-se. — Está toda no ar! E é cada suspiro! Ali houve-a e grossa.

Joana, do outro lado, com os cotovelos na mesa e a face sobre os punhos, pestanejava de sono.

A Sra. Juliana, também, deita tudo para o mal — disse.

É que era necessário ser tola, Sra. Joana!

Calou-se, cheirou o açúcar; era um dos seus despeitos; gostava dele bem refinado — e aquele açúcar mascavado e grosso, que punha no chá um gosto de formigas, exasperava-a.

Este é pior que o do mês passado! Para uma pobre de Cristo tudo é bom! — rosnou muito amargamente.

E depois de uma pausa repetiu:

É que era necessário ser tola, Sra. Joana!

A cozinheira disse preguiçosamente:

Cada um sabe de si..

E Deus de todos — suspirou Juliana.

E ficaram caladas.

Luísa tocou a campainha embaixo.

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