É, sim, por quê?
O Cunha fez: "Ah! Ah!" com uma grande satisfação.
—
Bem dizia eu! — exclamou. — Bem dizia eu! E aquela teimosa que não!
Que não!. .
E então explicou com uma tagarelice súbita, e cansaços de voz:
—
O meu quarto é para a rua, e todos os dias, como eu estou quase sempre pela janela para espairecer. . tenho visto aquele rapaz, a modo estrangeirado, entrar para lá... todos os dias! "Este é o Basílio de Brito!" disse eu. Mas a minha mulher que não! Que não!. . Que diabo, homem! Eu tinha quase a certeza. . Não conheço eu outra coisa!. . Até ele esteve para casar com a D. Luísa. Oh! Eu sei essa história na ponta dos dedos... Morava ela na Rua da Madalena!
Sebastião disse vagamente:
—
Pois é, é o Brito...
—
Bem dizia eu!
Ficou um momento imóvel, fitando o chão, e refazendo uma voz dolente:
—
Pois, vou-me arrastando até casa.
Suspirou. E arregalando os olhos:
—
Quem me dera a sua saúde, Sebastião!
E dizendo adeus, com um gesto da mão calçada de luva de casimira escura, afastou-se, curvado, rente do muro, conchegando com o braço ao ventre, o seu largo paletó cor de pinhão.
Sebastião entrou preocupado. Todo o mundo começava a reparar, hem!
Pudera! Um rapaz novo, janota, vir todos os dias de trem, estar duas, três horas! Uma vizinhança tão chegada, tão maligna!. .
Ao começo da tarde saiu. Teve vontade de procurar Luísa; mas sem saber porquê, sentia um grande acanhamento; como que receava encontrá-la diferente ou com outra expressão.. E subia a rua devagar, sob o seu guarda-sol, hesitando, quando um cupê que descia a trote largo veio parar à porta de Luísa.
Um sujeito saltou rapidamente, atirou o charuto, entrou. Era alto, com um bigode levantado, trazia uma flor, no peito; devia ser o primo Basílio, pensou.
O cocheiro limpou o suor da testa, e, cruzando as pernas, pôs-se a enrolar o cigarro.
Ao ruído do trem o Paula postou-se logo à porta, de boné carregado, as mãos enterradas no bolso, com olhares de revés; a carvoeira em frente, imunda, disforme de obesidade e de prenhez, veio embasbacar com um pasmo lorpa na face oleosa; a criada do doutor abriu precipitadamente a vidraça. Então o Paula atravessou rapidamente a rua faiscante de sol, entrou no estanque; daí a um momento apareceu à porta, com a estanqueira, de carão viúvo; e cochichavam, cravavam olhares pérfidos nas varandas de Luísa, no cupê! O
Paula, dali, arrastando as chinelas de tapete, foi segredar com a carvoeira; provocou-lhe uma risada que lhe sacudia a massa do seio; e foi enfim estacar à
sua porta entre um retrato de D. João VI e duas velhas cadeiras de couro, assobiando com júbilo. No silêncio da rua ouvia-se num piano, a compasso de estudo, a Oração de uma virgem.
Sebastião ao passar olhou maquinalmente para as janelas de Luísa.
—
Rico calor, Sr. Sebastião! — observou o Paula curvando-se. — E um regalo estar à fresca!
Luísa e Basílio estavam muito tranquilos, muito felizes na sala, com as portadas meio cerradas, numa penumbra doce. Luísa tinha aparecido de roupão branco, muito fresca, com um bom cheiro de água de alfazema.
—
Eu venho assim mesmo — disse ela. — Não faço cerimónias.
Mas assim é que ela estava linda! Assim é que a queria sempre! — exclamou Basílio muito contente, como se aquele roupão de manhã fosse já uma promessa da sua nudez.
Vinha muito tranquilo, afetava um tom de parente. Não a inquietou com palavras veementes, nem com gestos desejosos; falou-lhe do calor, de uma zarzuela que vira na véspera, de velhos amigos que encontrara, e disse-lhe apenas que tinha sonhado com ela.
O quê? Que estavam longe, numa terra distante, que devia ser a Itália, tantas as estátuas que havia nas praças, tantas as fontes sonoras que cantavam nas bacias de mármore; era num jardim antigo, sobre um terraço clássico; flores
raras transbordavam de vasos florentinos; pousando sobre as balaustradas esculpidas, pavões abriam as caudas; e ela arrastava devagar sobre as lajes quadradas a cauda longa do seu vestido de veludo azul. De resto, dizia, era um terraço como de São Donato, a vila do Príncipe Demidoff — porque lembrava sempre as suas intimidades ilustres, e não se descuidava de fazer reluzir a glória das suas viagens.
E ela, tinha sonhado?
Luísa corou. — Não, tinha tido muito medo da trovoada. Tinha ouvido a trovoada, ele?