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Não — disse da alcova.

Despiu-se; e, prostrada, adormeceu profundamente.

Juliana em cima não dormia. A dor passara-lhe — e agitava-se sobre o enxergão, "com o diabo da espertina"! Como tantas outras noites, nas últimas semanas. Porque desde que apanhara a carta no sarcófago vivia numa febre; mas a alegria era tão aguda, a esperança tão larga que a sustentavam, lhe davam saúde! Deus enfim tinha-se lembrado dela! Desde que Basílio começara a vir a casa, tivera logo um palpite, uma coisa que lhe dizia que tinha chegado enfim a sua vez! A primeira satisfação fora naquela noite em que achara, depois de

Basílio sair às dez horas, a travessinha de Luísa caída ao pé do sofá. Mas que explosão de felicidade, quando, depois de tanta espionagem, de tanta canseira, apanhou enfim a carta no sarcófago! Correu ao sótão, leu-a avidamente, e quando viu a importância da "coisa" arrasaram-se-lhe os olhos de lágrimas; arremessou a sua alma perversa para as alturas, bradando em si, num triunfo:

Bendito seja Deus! Bendito seja Deus!

E que havia de fazer aquilo? — foi então a sua inquietação. Ora pensava na vender a Luísa por uma forte soma. . Mas onde tinha ela o dinheiro? Não; o melhor era esperar a volta de Jorge, e com ameaças de a publicar, extorquir-lhe um ror de libras por meio de outra pessoa, já se vê, e ela à capa! E em certos dias em que a figura, as toaletes, as passeatas de Luísa a irritavam mais, vinham-lhe venetas de sair para a rua, chamar os vizinhos, ler o papel, pô-la mais rasa que a lama, vingar-se da cabra!

Foi a tia Vitória que a calmou, e a dirigiu. Disse-lhe logo que para a armadilha ser completa era necessário uma carta do janota. Começara então o lento trabalho de lha apanhar! Fora preciso muita finura, muita chave experimentada, duas feitas por moldes de cera, paciência de gato, habilidades de ratoneiro! Mas pilhou-a, e que carta! Tinha-a lido com a tia Vitória — que rira, rira!.. Sobretudo o bilhete em que Basílio lhe dizia: "Hoje não posso ir, mas espero-te amanhã às duas; mando-te essa rosinha, e peço-te que faças o que fizeste à outra, trazê-la no seio, porque é tão bom quando vens assim, sentir-te o peitinho perfumado!. . " A tia Vitória, sufocada, a quis mostrar à sua velha amiga, a Pedra, a Pedra gorda, que estava na saleta.

A Pedra torceu-se! Os seus enormes seios, pendentes como odres mal cheios tinham sacudidelas furiosas de hilaridade. E com as mãos nas ilhargas, rubra, roncando, com o seu vozeirão de trombone:

Essa é das boas, tia Vitória! Essa é de mestre. Não, isso merece ir para os papéis. Ai os bêbedos! Raios do diabo!

A tia Vitória, então, disse muito seriamente a Juliana:

Bem; agora tens a faca e o queijo! Com isso já podes falar do alto. E

esperar a ocasião. Muito bons modos, cara prazenteira, sorrisos a fartar para ela não desconfiar, e o olho alerta. Tens o rato seguro, deixa-o dar ao rabo!

E desde esse dia Juliana saboreava com delicias, com gula, muito consigo —

aquele gozo de a ter "na mão", a Luisinha, a senhora, a patroa, a Piorrinha!

Via-a aperaltar-se, ir ao homem, cantarolar, comer bem — e pensava com uma voluptuosidade felina: "Anda, folga, folga, que eu cá ta tenho armada!"

Aquilo dava-lhe um orgulho perverso. Sentia-se vagamente senhora da casa.

Tinha ali fechada na mão a felicidade, o bom nome, a honra, a paz dos patrões! Que desforra!

E o futuro, estava certo! Aquilo era dinheiro, o pão da velhice. Ah! Tinha-lhe chegado o seu dia! Todos os dias rezava uma salve-rainha de graças a Nossa Senhora, mãe dos homens!

Mas agora, depois daquela cena com Luísa — não podia ficar de braços cruzados, com as cartas na algibeira. Devia sair de casa, pôr-se em campo, fazer alguma coisa. O quê? A tia Vitória é que havia de dizer..

Logo pela manhã às sete horas, sem tomar o seu café, sem falar a Joana, desceu devagar, saiu.

A tia Vitória não estava em casa. Gente na saleta esperava. O Sr. Gouveia, com a borla do barretinho muito arrebitada, escrevinhava, dobrado, cuspilhando o seu catarro. Juliana deu os bons-dias em redor, e sentou-se a um canto, direita com a sua sombrinha nos joelhos.

Conversava-se; e uma mulher de trinta anos, picada das bexigas, que estava sentada no canapé, depois de ter dado um sorriso a Juliana, continuou, voltada para uma gordita com um xale de quadrados vermelhos:

Pois não imagina, Sra. Ana, não faz ideia! É uma desgraça! É todas as noites como um carro. As vezes até acordo com o barulho que ele faz a falar só, a tropeçar na escada. . Eu, do que tenho mais medo, é que o demónio adormeça com a luz e haja um rogo. Ah! É de todo!

Quem? — perguntou um rapazola bonito, com uma blusa de trintanário, que falava de pé a um criado alto, de suíças e gravata branca enxovalhada.

O Cunha, o filho do meu patrão. É uma desgraça!

Piteireiro, hem? — disse o rapazola, enrolando o cigarro.

Um horror! Eu pela manhã nem posso entrar no quarto, que é um cheiro. A mãe, coitadinha, chora, rala-se; o rapaz já esteve para ser posto fora do emprego. Ai! Não estou nada contente, nada contente!

Pois olhe que por lá também há desgosto grande — disse, baixando a voz, a do xale de quadrados.

Os dois homens aproximaram-se.

O senhor — continuou ela com gestos aterrados — é um desaforo com a cunhada!. . A senhora sabe, e aquilo são questões de dia e de noite! As duas irmãs andam numa bulha pegada. O homem toma as dores da rapariga; a mulher põe-se aos gritos. . Ai! Aquilo vem a acabar mal!

E então se a gente tem lá o seu descuido — disse o da gravata branca com indignação — é aqui del rei, e daqui e dali!

Lá a sua gente é sossegada, Sr. João — observou a picada das bexigas.

É boa gente. As raparigas namoradeiras.. Proveito das criadas, apanham o seu vestido, a sua placa. . Mas os velhotes é uma santa gente, a verdade é a verdade! E come-se bem!

E voltando-se para o trintanário, batendo-lhe no ombro, com uma voz que o admirava e que o invejava:

Mas isto sim! Isto é que é levá-la! O rapazola sorriu com satisfação:

Are sens