A malucar cá por dentro, Sra. Joana! — respondia com satisfação.
Parecia perder a inveja; ouviu mesmo falar com tranquilidade do vestido de seda que estreou num dia de festa, em Setembro, a Gertrudes do doutor.
Disse apenas:
—
Também um dia hei de estrear vestidos, e dos bons! Dos da modista!
Já outras vezes revelara por palavras vagas a ideia de uma abundância próxima. Joana até lhe dissera:
—
A Sra. Juliana espera alguma herança?
—
Talvez! — respondeu secamente.
E cada dia detestava mais Luísa. Quando pela manhã a via arrebicar-se, perfumar-se com água-de-colónia, mirar-se ao toucador cantarolando, saía do quarto porque lhe vinham venetas de ódio, tinha medo de estourar! Odiava-a pelas toaletes, pelo ar alegre, pela roupa branca, pelo homem que ia ver, por todos os seus regalos de senhora. "A cabra!" Quando ela saía ia espreitar, vê-la subir a rua, e fechando a vidraça com um risinho rancoroso:
—
Diverte-te, piorrinha, diverte-te, que o meu dia há de chegar! Oh, se há de!
Luísa com efeito divertia-se. Saía todos os dias às duas horas. Na rua já se dizia que a do Engenheiro tinha o seu São Miguel.
Apenas ela dobrava a esquina o conciliábulo juntava-se logo a cochichar.
Tinham a certeza que se ia encontrar com o peralta. Onde seria? — era a grande curiosidade da carvoeira.
—
No hotel — murmurava o Paula. — Que nos hotéis é escândalo bravio.
Ou talvez — acrescentava com tédio — nalguma dessas pocilgas da Baixa!
A estanqueira lamentava-a: uma senhora que era tão apropositada!
—
Vaca solta lambe-se toda, Sra. Helena! — rosnava o Paula. — São todas o mesmo!
—
Menos isso! — protestava a estanqueira. — Que eu sempre fui uma mulher honesta!
—
E ela? — reclamava a carvoeira — ninguém tinha que lhe dizer!
—
Falo da alta sociedade, das fidalgas, das que arrastam sedas! É uma cambada. Eu é que o sei! — E acrescentava gravemente: — No povo há mais moralidade. O povo é outra raça! — E com as mãos enterradas nos bolsos, as pernas muito abertas, ficava absorto, com a cabeça baixa, o olhar cravado no chão. — Se é! — murmurava. — Se é! — Como se estivesse positivamente achando as pedrinhas da calçada menos numerosas que as virtudes do povo!
Sebastião que tinha estado na quinta de Almada quase duas semanas, ficou aterrado quando, ao voltar, a Joana lhe deu as grandes "novidades": que a Luisinha agora saía todos os dias às duas horas, que o primo não voltara; a Gertrudes é que lho dissera; não se falava na rua noutra coisa. .
—
Então a pobre senhora nem sequer pode ir às lojas, aos seus arranjos!
— exclamou Sebastião. — A Gertrudes é uma desavergonhada, e nem sei como a tia Joana consente que ela ponha aqui os pés. Vir com esses mexericos!. .
—
Cruzes! Olha o destempero! — replicou muito escandalizada tia Joana.
— Oh, menino, realmente. . A pobre mulher disse o que ouviu na rua! Que ela até a defende; até ela é que a defende! Até se esteve a queixar que se fala!
Que se fala! Boa! — E a tia Joana saiu, resmungando: — Olha o destempero, credo!
Sebastião chamou-a, aplacou-a:
—
Mas quem fala, tia Joana?
—