—
Temos dado um delicioso passeio!
Foram ao comprido do Rossio, até ao fim. Voltaram, atravessaram-no em diagonal. E pelo lado do Arco do Bandeira, aproximaram-se para a Rua do Ouro.
Luísa olhava em redor, aflita; procurava uma ideia, uma ocasião, um acontecimento — e o Conselheiro, grave ao seu lado, dissertava. A vista do Teatro de D. Maria levara-o para as questões da arte dramática; tinha achado que a peça do Ernestinho era talvez demasiado forte. De resto só gostava de comédias. Não que se não entusiasmasse com as belezas de um Frei Luís de Sousa!, mas a sua saúde não lhe permitia as agitações fortes. Assim por exemplo...
Mas Luísa tivera uma ideia, e imediatamente:
Ah! Esquecia-me! Tenho de ir ao Vitry. Vou fazer chumbar um dente.
O Conselheiro, interrompido, fitou-a. E Luísa, estendendo-lhe a mão, com a voz rápida:
—
Adeus, apareça, hem? — E precipitou-se para o portal do Vitry.
Subiu até ao primeiro andar, correndo, com os vestidos apanhados; parou, arquejando; esperou: desceu devagar, espreitou à porta. . A figura do Conselheiro afastava-se direita, digna, para os lados das secretarias.
Chamou um trem.
—
A quanto puder! — exclamou.
A carruagem entrou quase a galope na ruazinha do Paraíso. Figuras pasmadas apareceram à janela. Subiu, palpitante. A porta estava fechada — e logo a cancela do lado abriu-se, e a voz doce da patroa segredou:
—
Já saiu. Há de haver meia hora.
Desceu. Deu a sua morada ao cocheiro, e atirando-se para o fundo do cupê, rompeu num choro histórico. Correu os estores para se esconder; arrancou o véu, rasgou uma luva, sentindo em si violências inesperadas. Então veio-lhe um desejo frenético de ver Basílio! Bateu nos vidros desesperadamente, gritou:
—
Ao Hotel Central!
Porque estava num daqueles momentos em que os temperamentos sensíveis têm impulsos indomáveis; há uma delícia colérica em espedaçar os deveres e as conveniências; e a alma procura sofregamente o mal com estremecimentos de sensualidade!
A parelha estacou, resvalando à porta do hotel. O Sr. Basílio de Brito não estava, o senhor Visconde Reinaldo, sim.
—
Bem, para casa, para onde eu disse!
O cocheiro bateu. E Luísa, sacudida por uma irritabilidade febril, insultava o Conselheiro, o estafermo, o imbecil! Maldizia a vida que lhos fizera conhecer,
a ele e a todos os amigos da casa! Vinha-lhe uma vontade acre de mandar o casamento ao diabo, de fazer o que lhe viesse à cabeça!. .
À porta não tinha troco para o cocheiro. — Espere! — disse, subindo furiosa.
— Eu lhe mandarei pagar!
"Que bicha!, pensou o cocheiro.
Foi Joana que veio abrir; e quase recuou, vendo-a tão vermelha, tão excitada.
Luísa foi direita ao quarto: o cuco cantava três horas. Estava tudo desarrumado; vasos de plantas no chão, o toucador coberto com um lençol velho, roupa suja pelas cadeiras. E Juliana, com um lenço amarrado na cabeça, varria tranquilamente, cantarolando.
—
Então você ainda não arrumou o quarto! — gritou Luísa.
Juliana estremeceu àquela cólera inesperada.
—
Estava agora, minha senhora!
—
Que estava agora vejo eu! — rompeu Luísa. — São três horas da tarde e ainda o quarto neste estado!
Tinha atirado o chapéu, a sombrinha.
—
Como a senhora costuma vir sempre mais tarde.. — disse Juliana. e os seus beiços faziam-se brancos.
—
Que lhe importa a que horas eu venho? Que tem você com isso? A sua obrigação é arrumar logo que eu me levante. E não querendo, rua, fazem-selhe as contas!
Juliana fez-se escarlate e cravando em Luísa os olhos injetados:
—
Olhe, sabe que mais? Não estou para a aturar! E arremessou violentamente a vassoura.
—
Saia! — berrou Luísa. — Saia imediatamente! Nem mais um momento em casa!
Juliana pôs-se diante dela, e com palmadas convulsivas no peito a voz rouca:
—
Hei de sair se eu quiser! Se eu quiser!