Tu sabes — continuou D. Felicidade, devagar, com pausas — que a minha criada, a Josefa, está para casar com o galego.. O homem é de ao pé de
Tui, e diz que na terra dele há uma mulher que tem virtude para fazer casamentos que é uma coisa milagrosa... Diz que é o mais que há... Em deitando a sorte a um o homem entra-lhe uma tal paixão que se arranja logo o casamento e é a maior felicidade.
Luísa tranquilizada, sorriu.
—
Escuta — acudiu D. Felicidade —, não te ponhas já com as tuas coisas..
No seu tom grave havia um respeito supersticioso.
—
Diz que tem feito milagres. Homens que tinham desamparado raparigas, outros que não faziam caso delas, maridos que tinham amigas; enfim toda a sorte de ingratidão.. na mulher deitando o encanto, os homens começam a esmorecer, a arrepender-se, a apaixonar-se, e estão pelo beiço... A rapariga contou-me isso. Eu lembrei-me logo. .
—
De deitar uma sorte ao Conselheiro! — exclamou Luísa.
—
Que te parece?
Luísa deu uma risada sonora. Mas D. Felicidade quase se escandalizou.
Contou outros casos: um fidalgo que desonrara uma lavadeira; um homem que abandonou a mulher e os filhos, fugira com uma bêbeda.. Em todos a sorte operara de um modo fulminante, produzindo um amor súbito e fogoso pela pessoa desprezada. Apareciam logo rendidos, se estavam perto; se
estavam longe, voltavam, ávidos, a pé, a cavalo, na mala-posta, apressando-se, ardendo. . E entregavam-se, mansos e humildes como escravos acorrentados...
—
Mas o galego — continuava ela muito excitada — diz que para ir à terra, falar à mulher, levar o retrato do Conselheiro, é necessário o retrato dele, o meu, é necessário o meu; ir falar, voltar — quer sete moedas!. .
—
Oh! D. Felicidade! — fez Luísa repreensivamente.
—
Não me digas, não venhas com as tuas! Olha que eu sei de casos...
E erguendo-se:
—
Mas são sete moedas! Sete moedas! — exclamou, arregalando os olhos.
Juliana apareceu à porta, e muito baixinho, com um sorriso:
—
A senhora faz favor?
Chamou-a para o corredor, em segredo:
—
Esta carta. Que vem do hotel.
Luísa fez-se escarlate.
—
Credo, mulher! Não é necessário fazer mistérios!
Mas não entrou no quarto, abriu-a logo no corredor; era a lápis, escrita à pressa:
" Meu amor" — dizia Basílio — " por um feliz acaso descobri o que precisávamos, um ninho discreto para nos vermos...
E indicava a rua, o número, os sinais, o caminho mais perto.
. .Quando vens, meu amor? Vem amanhã. Batizei a casa com o nome de Paraíso; paramim, minha adorada, é com efeito o Paraíso. Eu espero-te lá desde o meio-dia; logo que teaviste, desço.
Aquela precipitação amorosa em arranjar o ninho — provando uma paixão impaciente, toda ocupada dela — produziu-lhe uma dilatação doce do orgulho; ao mesmo tempo que aquele Paraíso secreto, como num romance, lhe dava a esperança de felicidades excecionais; e todas as suas inquietações, os sustos da carta perdida se dissiparam de repente sob uma sensação cálida, como flocos de névoa sob o sol que se levanta.
Voltou ao quarto, com o olhar risonho.
—