Luísa, sobressaltada, tinha tapado a folha de papel com a mão.
—
Que espere.
E continuou:
. . Que tristeza que fosse a carta e que não fosses tu que ali estivesses! Estou pasmada demim mesma, como em tão pouco tempo te apossaste do meu coração, mas a verdade é quenunca deixei de te amar. Não me julgues por isto leviana, nem penses mal de mim, porqueeu desejo a tua estima, mas é que nunca deixei de te amar e ao tornar a ver-te, depoisdaquela estúpida viagem para tão longe, não tu superior ao sentimento que me impelia parati, meu adorado Basílio. Era mais forte que eu, meu Basílio. Ontem, quando aquelamaldita criada me veio dizer que tu te vinhas despedir, Basílio, fiquei como morta; mas
quando vi que não, nem eu sei, adorei-te! E se tu me tivesses pedido a vida dava-ta, porquete amo, que eu mesma, me estranho. . Mas para que foi aquela mentira, e para que viestetu? Mau! Tinha vontade de te dizer adeus para sempre, mas não posso, meu adoradoBasílio! É superior a mim. Sempre te amei, e agora que sou tua, que te pertenço corpo ealma, pareço-me que te amo mais, se é possível. .
—
Onde está ela? Onde está ela? — disse uma voz na sala.
Luísa ergueu-se, com um salto, lívida. Era Jorge! Amarrotou convulsivamente a carta, quis escondê-la no bolso, — o roupão não tinha bolso! E desvairada, sem reflexão, arremessou-a para o sarcófago. Ficou de pé, esperando, as duas mãos apoiadas à mesa, a vida suspensa.
O reposteiro ergueu-se — e reconheceu logo o chapéu de veludo azul de D.
Felicidade.
—
Aqui metida, sua brejeira! Que estavas tu aqui a fazer? Que tens tu, filha, estás como a cal..
Luísa deixou-se cair no fauteuill, branca e fria; disse com um sorriso cansado:
—
Estava a escrever, deu-me uma tontura. .
—
Ai! Tonturas, eu! — acudiu logo D. Felicidade. — É uma desgraça, a cada momento a agarrar-me aos móveis; até tenho medo de andar só. Falta de purgas!
—
Vamos para o quarto! — disse logo Luísa. — Estamos melhor no quarto.
Ao erguer-se, as pernas tremiam-lhe.
Atravessaram a sala; Juliana começava a arrumar. Luísa ao passar, viu na pedra da consola, debaixo do espelho oval, uma pouca de cinza; era da véspera, do charuto dele! Sacudiu-a — e ao erguer os olhos, ficou pasmada de se ver tão pálida.
A costureira vestida de preto, com um chapéu de fitas roxas, esperava sentada à beira da poltrona, com um olhar infeliz e o seu embrulho nos joelhos; vinha provar o corpete de um vestido composto; assentou, pregou, alinhavou, falando baixo, com uma humildade triste e uma tossinha seca; e apenas ela saiu, leve, com o seu andar de sombra, o xale tinto muito cingido às omoplatas magras — D. Felicidade começou logo a falar dele, do Conselheiro. Tinha-o encontrado no Moinho de Vento. Pois, senhores, nem lhe viera falar! Fizera-lhe uma cortesia muito seca, por demais, e tique-taque por ali fora, que se diria que ia fugido! Que te parece? Ai! Aquelas indiferenças matavam-na. E não as compreendia, não realmente não as compreendia...
—
Porque enfim — exclamava — eu bem me conheço, não sou nenhuma criança, mas também não sou nenhum caco! Pois não é verdade?
—
Certamente — disse Luísa distraída. Lembrava-lhe a carta.
—
Olha que aqui onde me vês com os meus quarenta, decotada, ainda valho. O que são ombros e colo é do melhor!
—
Luísa ia erguer-se. Mas D. Felicidade repetiu:
—
Do melhor! Tomaram-no muitas novas!
—
Creio bem — concordou Luísa, sorrindo vagamente.
—
E ele também não é nenhum rapazinho novo..
—
Não. .
—