Foram subindo, e Luísa pensava: — "Vai para casa; larga-me ao Loreto."
Na Rua de São Roque espreitou o relógio de uma confeitaria: era meia hora depois do meio-dia! Já Basílio esperava!
Apressou o passo, ao Loreto parou. O Conselheiro olhou-a, sorrindo, esperando.
—
Ah! Pensei que ia para casa, Conselheiro!
—
Já agora quero acompanhá-la, se a vossa Excelência mo permite.
Decerto não sou indiscreto?
—
Ora essa! De modo nenhum.
Uma carruagem da Companhia passava, seguida de um correio a trote.
O Conselheiro, com um movimento ansioso, tirou profundamente o chapéu.
—
É o presidente do conselho. Não viu? Fez-me um sinal de dentro. —
Começou logo o seu elogio: era o nosso primeiro parlamentar; vastíssimo talento, uma linguagem muito castigada! — E ia decerto falar das coisas públicas, mas Luísa atravessou para os Mártires, erguendo um pouco o vestido por causa de uns restos de lama. Parou à porta da igreja, e sorrindo:
—
Vou aqui fazer uma devoçãozinha. Não o quero fazer esperar. Adeus, Conselheiro, apareça. — fechou a sombrinha, estendeu-lhe a mão.
—
Ora essa, minha rica senhora! Esperarei, se vir que não se demora muito. Esperarei, não tenho pressa. — E com respeito: — Muito louvável esse zelo!
Luísa entrou na igreja desesperada. Ficou de pé debaixo do coro, calculando:
— "Demoro-me aqui, ele cansa-se de esperar e vai-se!" Por cima reluziam vagamente os pingentes de cristal dos lustres. Havia uma luz velada, igual, um pouco fosca. E as arquiteturas caiadas, a madeira muito lavada do soalho, as balaustradas laterais de pedra davam uma tonalidade clara e alvadia, onde destacavam os dourados da capela, os frontais roxos dos púlpitos, ao fundo dois reposteiros de um roxo mais escuro, e sob o dossel cor de violeta os ouros do trono. Um silêncio fresco e alto repousava. Diante do batistério um rapaz de joelhos, com um balde de zinco ao pé, esfregava o chão com uma rodilha, discretamente; dorsos de beatas, encapotados ou cobertos de xales tingidos, curvavam-se, aqui e além, diante de um altar; e um velho, de jaqueta de saragoça, prostrado no meio da igreja, rosnava rezas numa melopeia lúgubre; via-se a sua cabeça calva, as tachas enormes dos sapatos, e a cada momento, dobrando-se, batia no peito com desespero.
Luísa subiu ao altar-mor. Basílio impacientava-se, decerto, pobre rapaz!
Perguntou então, timidamente, as horas a um sacristão que passava. O
homem ergueu a sua face cor de cidra para uma janela na cúpula, e olhando Luísa de lado:
—
Vai indo para as duas.
Para as duas! Era capaz de não esperar, Basílio! Veio-lhe um receio de perder a sua manhã amorosa, um desejo áspero de se achar no Paraíso, nos braços dele! E olhava vagamente os santos, as virgens trespassadas de espadas, os Cristos chagados — cheia de impaciências voluptuosas, revendo o quarto, a caminha de ferro, o pequeno bigode de Basílio!... Mas demorou-se, queria
"fatigar o Conselheiro, deixá-lo ir". Quando pensou que ele teria partido, saiu devagarinho. — Viu-o logo à porta, direito, com as mãos atrás das costas, lendo a pauta dos jurados.
Começou imediatamente a louvar a sua devoção. Não entrara porque não quisera perturbar o seu recolhimento. Mas aprovava-a muito! A falta de religião era a causa de toda a imoralidade que grassava. .
—
E além disso é de boa educação. Vossa Excelência há de reparar que toda a nobreza cumpre..
Calou-se; aprumava a estatura, todo satisfeito de descer o Chiado com aquela linda senhora, tão olhada. Mesmo, ao passar por um grupo, curvou-se para ela misteriosamente; disse-lhe ao ouvido, sorrindo:
—
Está um dia apreciável!
E ofereceu-lhe bolos à porta do Baltresqui. Luísa recusou.
—
Sinto. Todavia acho muito sensata a regularidade nas comidas.
A sua voz vinha agora a Luísa com a impertinência de um zumbido; apesar de não fazer calor, abafava, picava-lhe o sangue no corpo; tinha vontade de deitar a correr, de repente; e todavia caminhava devagar, infeliz, como sonâmbula, cheia de necessidade de chorar.
Sem razão, ao acaso, entrou no Valente. Era hora e meia! Depois de hesitar pediu gravatas de fular a um caixeiro louro e jovial.
—
Brancas? De cor? De riscas? Com pintinhas?
—
Sim, verei, sortidas.
Não lhe agradavam. Desdobrava-as, sacudia-as, punha-as de lado; e olhava em roda vagamente, pálida. . O caixeiro perguntou-lhe se estava incomodada: ofereceu-lhe água, qualquer coisa. .
Não era nada; o ar é que lhe fazia bem; voltaria. Saiu. O Conselheiro, muito solícito, prontificou-se a acompanhá-la a uma boa farmácia tomar água de flor de laranja. . Desciam então a Rua Nova do Carmo, e o Conselheiro ia afirmando que o caixeiro fora muito polido; não se admirava, porque no comércio havia filhos de boas famílias; citou exemplos.
Mas vendo-a calada:
—
Ainda sofre?
—
Não, estou bem.