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Quem?

A Luísa.

Passava com efeito, por fora do Passeio, toda vestida de preto, só. —

Respondeu à cortesia dos dois homens com um sorriso, adeusinhos da mão, um pouco corada.

E Sebastião imóvel, seguindo-a devotamente com os olhos:

Se aquilo não respira mesmo honestidade! Vai às lojas.. Santa rapariga!

Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E estava muito nervosa: não dominar, desde pela manhã, um medo indefinido que lhe fizera pôr um véu

muito espesso, e bater o coração ao encontrar Sebastião. Mas ao mesmo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estremecimentozinho de prazer. — Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excecionais! Havia tudo — a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio!

Como seria? Era os lados de Arroios, adiante do Largo de Santa Bárbara; lembrava-se vagamente que havia ali uma correnteza de casas velhas. .

Desejaria antes que fosse numa quinta, com árvoredos murmurosos e relvas fofas; passeariam as mãos enlaçadas, num silêncio poético; e depois o som da água que cai nas bacias de pedra daria um ritmo lânguido aos sonhos amorosos. . Mas era num terceiro andar — quem sabe como seria dentro?

Lembrava-lhe um romance de Paulo Féval em que o herói, poeta e duque, forra de cetins e tapeçarias o interior de uma choça; encontra ali a sua amante; os que passam, vendo aquele casebre arruinado, dão um pensamento compassivo à miséria que decerto o habita — enquanto dentro, muito secretamente, as flores se esfolham nos vasos de Sèvres e os pés nus pisam gobelins veneráveis! Conhecia o gosto de Basílio — e o Paraíso decerto era como no romance de Paulo Féval.

Mas no Largo de Camões reparou que o sujeito de pêra comprida, o do Passeio, a vinha seguindo, com uma obstinação de galo; tomou logo um cupê.

E ao descer o Chiado, sentia uma sensação deliciosa em ser assim levada rapidamente para o seu amante, e mesmo olhava com certo desdém os que passavam,

no movimento da vida trivial — enquanto ela ia para uma hora tão romanesca da vida amorosa! Todavia à maneira que se aproximava vinha-lhe uma timidez, uma contração de acanhamento, como um plebeu que tem de subir, entre alabardeiros solenes, a escadaria de um palácio. Imaginava Basílio esperando-a estendido num divã de seda; e quase receava que a sua simplicidade burguesa, pouco experiente, não achasse palavras bastante finas ou carícias bastante exaltadas. Ele devia ter conhecido mulheres tão belas, tão ricas, tão educadas no amor! Desejava chegar num cupê seu, com rendas de centos de mil réis, e ditos tão espirituosos como um livro. .

A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada, com uma portinha pequena.

Logo à entrada um cheiro mole e salobre enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e a humidade fizera nódoas. No patamar da sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás de uma portinha, ao lado, sentia-se o ranger de um berço, o chorar doloroso de uma criança.

Mas Basílio desceu logo, com o charuto na boca, dizendo baixo:

Tão tarde! Sobe! Pensei que não vinhas. O que foi?

A escada era tão esguia, que não podiam subir juntos. E Basílio, caminhando adiante, de esguelha:

Estou aqui desde a uma hora, filha! Imaginei que te tinhas esquecido da rua..

Empurrou uma cancela, fê-la entrar num quarto pequeno, forrado de papel às listras azuis e brancas.

Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com uma colcha amarelada, feita de remendos juntos de chitas diferentes; e os lençóis grossos, de um branco encardido e mal lavado, estavam impudicamente entreabertos...

Fez-se escarlate, sentou-se, calada, embaraçada. E os seus olhos muito abertos, iam-se fixando — nos riscos ignóbeis da cabeça dos fósforos, ao pé da cama; na esteira esfiada, comida, com uma nódoa de tinta entornada; nas bambinelas da janela, de uma fazenda vermelha, onde se viam passagens; numa litografia, onde uma figura, coberta de uma túnica azul flutuante, espalhava flores voando. . Sobretudo uma larga fotografia, por cima do velho canapé de palhinha, fascinava-a: era um indivíduo atarracado, de aspeto hílare e alvar, com a barba em colar, o feitio de um piloto ao domingo; sentado, de calças brancas, com as pernas muito afastadas, pousava uma das mãos sobre um joelho, e a outra muito estendida assentava sobre uma coluna truncada; e por baixo do caixilho, como sobre a pedra de um túmulo, pendia de um prego de cabeça amarela, uma coroa de perpétuas!

Foi o que se pode arranjar — disse-lhe Basílio. — E foi um acaso; é muito retirado, é muito discreto. . Não é muito luxuoso. .

Não — fez ela, baixo. — Levantou-se, foi à janela, ergueu uma ponta da cortininha de cassa fixada à vidraça; em frente eram casas pobres; um sapateiro grisalho, batia a sola a uma porta; à entrada de uma lojita balouçava-se um ramo de carqueja ao pé de um maço de cigarros pendentes de um barbante; e, a uma janela, uma rapariga esguedelhada embalava tristemente no colo uma criança doente que tinha crostas grossas de chagas na sua cabecinha cor de melão.

Luísa mordia os beiços; sentia-se entristecer. Então nós de dedos bateram discretamente à porta. Ela assustou-se, desceu rapidamente o véu. Basílio foi abrir. Uma voz adocicada, cheia de ss melífluos, ciciou baixo. Luísa ouviu vagamente: — Sossegadinhos, suas chavezinhas..

Bem, bem! — disse Basílio apressado, batendo com a porta.

Quem é?

É a patroa.

O céu pusera-se a enegrecer; já a espaços grossas gotas de chuva se esmagavam nas pedras da rua; e um tom crepuscular fazia o quarto mais melancólico.

Are sens

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