Ora! São mais as vozes do que as nozes!
—
Vá lá, mostra lá — disse o da gravata branca tocando-lhe com o cotovelo —, mostra
lá!
O rapaz fez-se rogado, e depois de gingar da cintura, arregaçando a blusa, tirou do bolso do colete de riscadinho um relógio de ouro.
—
Muito bonito! Rica prenda! — disseram as duas mulheres.
—
Suor do meu rosto — fez ele, acariciando o queixo.
O da gravata branca indignou-se:
—
Ora seu maroto! — E baixo para as raparigas: — Suor do seu rosto, hem! — É o serafim da patroa, uma senhora da alta que aquilo são tudo sedas, muitíssimo boa mulher, um bocado entradota, mas muitíssimo boa mulher; recebe destas lembranças, um relógio de um par de moedas — e ainda fala!
O rapazola disse então, enterrando as mãos na algibeira:
—
E se quiser agora, há de largar a corrente!
—
Há de lhe custar muito! — exclamou o da gravata branca.
—
Uma gente que tem aí pela Baixa correntezas de casas! Metade da Rua dos Retroseiros é dela!
—
Mas muito agarrada! — disse o rapazola. E bamboleando o corpo, com o cigarro ao canto da boca: — Estou com ela há dois meses, e ainda se não desabotoou senão com o relógio e três libras em ouro!. . Que eu, como quem diz, um dia passo-lhe o pé! — E cofiando o cabelo para a testa: — Não faltam mulheres! E das que têm Dom!
Mas a tia Vitória entrou, muito azafamada, com o xale no braço; e vendo Juliana:
—
Olá! Por cá! Tive que dar umas voltas; estou na rua desde às seis. Bons dias, Sra. Teodósia; bons dias, Ana. Viva, temos por cá o alfenim! Entra cá pra dentro, Juliana! Eu já venho, meus pombinhos, é um instante!
Levou-a para o outro quarto, para o lado do saguão:
—
E então, que há de novo?
Juliana pôs-se a contar longamente a cena da véspera, o desmaio. .
—
Pois minha rica — disse a tia Vitória —, o que está feito, está feito; não há tempo a perder; é mãos à obra! Tu vais ao Brito, ao hotel, e entendes-te com ele.
Juliana recusou-se logo; não se atrevia, tinha medo. .
A tia Vitória refletiu, coçando o ouvido; foi dentro, cochichou com o tio Gouveia, e voltando, fechando a porta do quarto:
—
Arranja-se quem vá. Tens tu as cartas?
Juliana tirou da algibeira uma velha carteirinha de marroquim escarlate. Mas hesitou um momento, olhou a tia Vitória com desconfiança.
—
Tens medo de largar os papéis, criatura? — exclamou ofendida a velha.
— Arranja-te tu; então arranja-te tu..
Juliana deu-lhas logo. Mas que as guardasse, que tivesse cautela!..
—
A pessoa — disse a tia Vitória — vai amanhã à noite falar com o Brito, e pede-lhe um conto de réis!
Juliana teve um deslumbramento. Um conto de réis! A tia Vitória estava a brincar!
—
Ora essa! Que pensas tu? Por uma carta, que quase não tinha mal nenhum, pagou uma pessoa que bate aí o Chiado de carruagem — ainda ontem a vi com uma pequerrucha que tem — pagou trezentos mil réis. E em belas notas. Pagou-os o janota, já se sabe; foi o janota que pagou. Se fosse outro, não digo, mas o Brito! É rico, é um mãos-rotas; cai logo. .
Juliana, muito branca, agarrou-lhe o braço, trémula:
—
Oh, tia Vitória! Dava-lhe um corte de seda.
—
Azul! Até já te digo a cor!
—