—
Pois tu pensaste em fugir, em te meter comigo num vagão, vir para Paris, viver comigo, ser a minha amante?
—
Sai de casa para sempre, aí está o que eu fiz!
—
Mas vais voltar para casa! — exclamou ele, quase com cólera. —
porque havias de tu fugir? Por amor? Então devíamos ter partido há um mês; não há razão agora para nos irmos. Para quê, então? Para evitar um escândalo?
Com um escândalo maior, não é verdade? Um escândalo irreparável, medonho! Estou-te a falar como um amigo, Luísa! — Tomou-lhe as mãos, com muita ternura: — Tu imaginas que eu não seria feliz em ir viver contigo para Paris? Mas vejo os resultados, tenho outra experiência. O escândalo todo evita-se com umas poucas de libras. Tu imaginas que a mulher vai-se pôr a falar? O seu interesse é safar-se, desaparecer; sabe perfeitamente o que fez; que te roubou; que usou de chaves falsas. A questão é pagar-lhe.
Ela disse, com uma voz lenta:
—
E o dinheiro, onde o tenho eu?
—
Está claro que o dinheiro tenho-o eu! — E depois de uma pausa: —
Não muito, estou mesmo um pouco atrapalhado, mas enfim. . — Hesitou, disse: — se a criatura quiser duzentos mil réis, dão-se-lhe!
—
E se não quiser?
—
Que há de ela querer, então? Se rouba a carta é para a vender! Não é para guardar um autógrafo teu!
Vinham-lhe palavras duras; passeava pelo quarto exasperado. Que pretensão querer vir com ele para Paris, embaraçar-lhe para sempre a sua vida! E que
despesa tão tola, dar um ror de libras a uma ladra! Depois aquele incidente, a carta de namoro roubada nos papéis sujos, a criada, a chave falsa do gavetão dos vestidos — parecia-lhe soberanamente burguês, um pouco pulha. E
parando, para acabar:
—
Enfim; oferece-lhe trezentos mil réis, se quiseres. Mas pelo amor de Deus, não faças outra; não estou para pagar as tuas distrações a trezentos mil réis cada uma!
Luísa fez-se lívida, como se ele lhe tivesse cuspido no rosto.
—
Se é uma questão de dinheiro, eu o pagarei, Basílio!
Não sabia como. Que lhe importava! Pediria, trabalharia, empenharia. . Não o aceitaria dele!
Basílio encolheu os ombros:
—
Estás-te a dar ares; onde o tens tu?
—
Que te importa? — exclamou.
Basílio coçou a cabeça, desesperado. E tomando-lhe as mãos, com uma impaciência reprimida:
—
Estamos a dizer tolices, filha, estamos a irritar-nos. . Tu não tens dinheiro. Ela interrompeu-o, agarrou-lhe violentamente o braço;
—
Pois sim, mas fala tu a essa mulher, fala-lhe tu, arranja tudo. Eu não a quero tornar a ver. Se a vejo, morro, acredita. Fala-lhe tu!
Basílio recuou vivamente, e batendo com o pé:
—
Estás doida, mulher! Se eu lhe falo, então pede tudo, então pede-me a pele! Isso é contigo. Eu dou-te o dinheiro, tu arranja-te!
—
Nem isso me fazes? Basílio não se conteve:
—
Não! Com os diabos, não!
—
Adeus!
—
Tu estás fora de ti, Luísa!
—
Não. A culpa é minha — dizia, descendo o véu com as mãos trémulas eu é que devo arranjar tudo!