Por m uito incongruente que possa parecer a quem não ande ao tento da im portância das alcovas, sej am elas sacram entadas, laicas ou irregulares, no bom funcionam ento das adm inistrações públicas, o prim eiro passo da extraordinária viagem de um elefante à áustria que nos propusem os narrar foi dado nos reais aposentos da corte portuguesa, m ais ou m enos à hora de ir para a cam a. Registe-se j á que não é obra de sim ples acaso terem sido aqui utilizadas estas im precisas palavras, m ais ou m enos. Deste m odo, dispensám o-nos, com assinalável elegância, de entrar em porm enores de ordem física e fisiológica algo sórdidos, e quase sem pre ridículos, que, postos em pelota sobre o papel, ofenderiam o catolicism o estrito de dom j oão, o terceiro, rei de portugal e dos algarves, e de dona catarina de áustria, sua esposa e futura avó daquele dom sebastião que irá a pelej ar a alcácer-quibir e lá m orrerá ao prim eiro assalto, ou ao segundo, em bora não falte quem afirm e que se finou por doença na véspera da batalha. De sobrolho carregado, eis o que o rei com eçou por dizer à rainha, Estou duvidando, senhora, Quê, m eu senhor, O presente que dem os ao prim o m axim iliano, quando do seu casam ento, há quatro anos, sem pre m e pareceu indigno da sua linhagem e m erecim entos, e agora que o tem os aqui tão perto, em valladolid, com o regente de espanha, por assim dizer à m ão de sem ear, gostaria de lhe oferecer algo m ais valioso, algo que desse nas vistas, a vós que vos parece, senhora, Um a custódia estaria bem , senhor, tenho observado que, talvez pela virtude conj unta do seu valor m aterial com o seu significado espiritual, um a custódia é sem pre bem acolhida pelo obsequiado, A nossa santa igrej a não apreciaria tal liberalidade, ainda há-de ter presentes em sua infalível m em ória as confessas sim patias do prim o m axim iliano pela reform a dos protestantes luteranos, luteranos ou calvinistas, nunca soube ao certo, Vade retro, satanás, nem em tal tinha pensado, exclam ou a rainha, benzendo-se, am anhã terei de m e confessar à prim eira hora, Porquê am anhã em particular, senhora, se é vosso costum e confessar-vos todos os dias, perguntou o rei, Pela nefanda ideia que o inim igo m e pôs nas cordas da voz, olhai que ainda sinto a garganta queim ada com o se por ela tivesse roçado o bafo do inferno. Habituado aos exageros sensoriais da rainha, o rei encolheu os om bros e regressou à espinhosa tarefa de descobrir um presente capaz de satisfazer o arquiduque m axim iliano de áustria. A rainha bisbilhava um a oração, principiara j á outra, quando de repente se interrom peu e quase gritou, Tem os o salom ão, Quê, perguntou o rei, perplexo, sem perceber a intem pestiva invocação ao rei de j udá, Sim , senhor, salom ão, o elefante, E para que quero eu aqui o elefante, perguntou o rei j á algo abespinhado, Para o presente, senhor, para o presente de casam ento, respondeu a rainha, pondo-se de pé, eufórica, excitadíssim a, Não é presente de casam ento, Dá o m esm o. O rei acenou com a cabeça lentam ente três vezes seguidas, fez um a pausa e acenou outras três vezes, ao fim das quais adm itiu, Parece-m e um a ideia interessante, É m ais do que interessante, é um a ideia boa, é um a ideia excelente, retrucou a rainha com um gesto de im paciência, quase de insubordinação, que não foi capaz de reprim ir, há m ais de dois anos que esse anim al veio da índia, e desde então não tem feito outra coisa que não sej a com er e dorm ir, a dorna da água sem pre cheia, forragens aos m ontões, é com o se estivéssem os a sustentar um a besta à argola, e sem esperança de pago, O
pobre bicho não tem culpa, aqui não há trabalho que sirva para ele, a não ser que o m andasse para os estaleiros do tej o a transportar tábuas, m as o coitado iria padecer, porque a sua especialidade profissional são os troncos, que se aj eitam m elhor à trom ba pela curvatura, Então que vá para viena, E com o irá, perguntou o rei, Ah, isso não é da nossa conta, se o prim o m axim iliano passar a ser o dono, ele que resolva, im agino que ainda continuará em valladolid, Não tenho notícia em contrário, Claro que para valladolid o salom ão terá de ir à pata, que boas andadeiras tem , E para viena tam bém , não terá outro rem édio, Um estirão, disse a rainha, Um estirão, assentiu o rei gravem ente, e acrescentou, Am anhã escreverei ao prim o m axim iliano, se ele aceitar haverá que com binar datas e fazer alguns acertos, por exem plo, quando tenciona ele partir para viena, de quantos dias irá precisar salom ão para chegar de lisboa a valladolid, daí para diante j á não será conosco, lavam os as m ãos, Sim , lavam os as m ãos, disse a rainha, m as, lá no íntim o profundo, que é onde se digladiam as contradições do ser, sentiu um a súbita dor por deixar ir o salom ão sozinho para tão distantes terras e tão estranhas gentes.
No dia seguinte, m anhãzinha cedo, o rei m andou vir o secretário pêro de alcáçova carneiro e ditou-lhe um a carta que não lhe saiu bem à prim eira, nem à segunda, nem à terceira, e que teve de ser confiada por inteiro à habilidade retórica e ao experim entado conhecim ento da pragm ática e das fórm ulas epistolares usadas entre soberanos que exornava o com petente funcionário, o qual na m elhor das escolas possíveis havia aprendido, a de seu próprio pai, antónio carneiro, de quem , por m orte, herdara o cargo. A carta ficou perfeita tanto de letra com o de razões, não om itindo sequer a possibilidade teórica, diplom aticam ente expressa, de que o presente pudesse não ser do agrado do arquiduque, o qual teria, porém , todas as dificuldades do m undo em responder com um a negativa, pois o rei de portugal afirm ava, num a passagem estratégica da carta, que em todo o seu reino não possuía nada de m ais valioso que o elefante salom ão, quer pelo sentim ento unitário da criação divina que liga e aparenta todas as espécies um as às outras, há m esm o quem diga que o hom em foi feito com as sobras do elefante, quer pelos valores sim bólico, intrínseco e m undano do anim al. Fechada e selada a carta, o rei deu ordem para que se apresentasse o estribeiro-m or, fidalgo da sua m aior confiança, a quem resum iu a m issiva, depois do que lhe ordenou que escolhesse um a escolta digna da sua qualidade, m as, sobretudo, à altura da responsabilidade da m issão de que ia incum bido. O fidalgo beij ou a m ão ao rei, que lhe disse, com a solenidade de um oráculo, estas sibilinas palavras, Que sej ais tão rápido com o o aquilão e tão seguro com o o voo da águia, Sim , m eu senhor. Depois, o rei m udou de tom e deu alguns conselhos práticos, Não precisais que vos recorde que deveis m udar de cavalos todas as vezes que sej am necessárias, as postas não estão lá para outra coisa, não é hora de poupar, vou m andar que reforcem as quadras, e, j á agora, sendo possível, para ganhar tem po, opino que deveríeis dorm ir em cim a do vosso cavalo enquanto ele for galopando pelos cam inhos de castela. O m ensageiro não com preendeu o risonho j ogo ou preferiu deixar passar, e lim itou-se a dizer, As ordens de vossa alteza serão cum pridas ponto por ponto, em penho nisso a m inha palavra e a m inha vida, e foi-se retirando às arrecuas, repetindo as vénias de três em três passos.
É o m elhor dos estribeiros-m ores, disse o rei. O secretário resolveu calar a adulação que consistiria em dizer que o estribeiro-m or não poderia ser e portar-se doutra m aneira, um a vez que havia sido escolhido pessoalm ente por sua alteza. Tinha a im pressão de ter dito algo sem elhante não há m uitos dias. Já nessa altura lhe viera à lem brança um conselho do pai,
Cuidado, m eu filho, um a adulação repetida acabará inevitavelm ente por tornar-se insatisfatória, e portanto ferirá com o um a ofensa. Posto o que, o secretário, em bora por razões diferentes das do estribeiro-m or, preferiu tam bém calar-se. Foi neste breve silêncio que o rei deu voz, finalm ente, a um cuidado que lhe havia ocorrido ao despertar, Estive a pensar, acho que deveria ir ver o salom ão, Quer vossa alteza que m ande cham ar a guarda real, perguntou o secretário, Não, dois paj ens são m ais do que suficientes, um para os recados e o outro para ir saber por que é que o prim eiro ainda não voltou, ah, e tam bém o senhor secretário, se m e quiser acom panhar, Vossa alteza honra-m e m uito, por cim a dos m eus m erecim entos, Talvez para que venha a m erecer m ais e m ais, com o seu pai, que deus tenha em glória, Beij o as m ãos de vossa alteza, com o am or e o respeito com que beij ava as dele, Tenho a im pressão de que isso é que está m uito por cim a dos m eus m erecim entos, disse o rei, sorrindo, Em dialética e em resposta pronta ninguém ganha a vossa alteza, Pois olhe que não falta por aí quem diga que as fadas que presidiram ao m eu nascim ento não m e fadaram para o exercício das letras, Nem tudo são letras no m undo, m eu senhor, ir visitar o elefante salom ão neste dia é, com o talvez se venha a dizer no futuro, um ato poético, Que é um ato poético, perguntou o rei, Não se sabe, m eu senhor, só dam os por ele quando aconteceu, Mas eu, por enquanto, só tinha anunciado a intenção de visitar o salom ão, Sendo palavra de rei, suponho que terá sido o bastante, Creio ter ouvido dizer que, em retórica, cham am a isso ironia, Peço perdão a vossa alteza, Está perdoado, senhor secretário, se todos os seus pecados forem dessa gravidade, tem o céu garantido, Não sei, m eu senhor, se este será o m elhor tem po de ir para o céu, Que quer isso dizer, Vem aí a inquisição, m eu senhor, acabaram -se os salvo-condutos de confissão e absolvição, A inquisição m anterá a unidade entre os cristãos, esse é o seu obj etivo, Santo obj etivo, sem dúvida, m eu senhor, resta saber por que m eios o alcançará, Se o obj etivo é santo, santos serão tam bém os m eios de que se servir, respondeu o rei com certa aspereza, Peço perdão a vossa alteza, além disso, Além disso, quê, Rogo-vos que m e dispenseis da visita ao salom ão, sinto que hoj e não seria um a com panhia agradável para vossa alteza, Não dispenso, preciso absolutam ente da sua presença no cercado, Para quê, m eu senhor, se não estou a ser dem asiado confiado em perguntar, Não tenho luzes para perceber se vai acontecer o que cham ou ato poético, respondeu o rei com um m eio sorriso em que a barba e o bigode desenhavam um a expressão m aliciosa, quase m efistofélica, Espero as suas ordens, m eu senhor, Sendo cinco horas, quero quatro cavalos à porta do palácio, recom ende que aquele que m ontarei sej a grande, gordo e m anso, nunca fui de cavalgadas, e agora ainda m enos, com esta idade e os achaques que ela trouxe, Sim , m eu senhor, E escolha-m e bem os paj ens, que não sej am daqueles que se riem por tudo e por nada, dá-m e vontade de lhes torcer o pescoço, Sim , m eu senhor.
Só partiram passadas as cinco horas e m eia porque a rainha, ao saber da excursão que se estava preparando, declarou que tam bém queria ir. Foi difícil convencê-la de que não tinha qualquer sentido fazer sair um coche só para ir a belém , que era onde havia sido levantado o cercado para o salom ão. E certam ente, senhora, não quererá ir a cavalo, disse o rei, perem ptório, decidido a não adm itir qualquer réplica. A rainha acatou a m al disfarçada proibição e retirou-se m urm urando que salom ão não tinha, em todo o portugal, e m esm o em todo o universo m undo, quem m ais lhe quisesse. Via-se que as contradições do ser iam em aum ento.
Depois de ter cham ado ao pobre anim al besta sustentada à argola, o pior dos insultos para um
irracional a quem na índia tinham feito trabalhar duram ente, sem soldada, anos e anos, catarina de áustria exibia agora assom os de paladino arrependim ento que quase a tinham levado a desafiar, pelo m enos nas form as, a autoridade do seu senhor, m arido e rei. No fundo tratava-se de um a tem pestade num copo de água, um a pequena crise conj ugal que inevitavelm ente se há-de desvanecer com o regresso do estribeiro-m or, sej a qual for a resposta que trouxer. Se o arquiduque aceitar o elefante, o problem a resolver-se-á por si m esm o, ou m elhor, resolvê-lo-á a viagem para viena, e, se não o aceitar, então será caso para dizer, um a vez m ais, com a m ilenária experiência dos povos, que, apesar das decepções, frustrações e desenganos que são o pão de cada dia dos hom ens e dos elefantes, a vida continua. Salom ão não tem nenhum a ideia do que o espera. O estribeiro-m or, em issário do seu destino, cavalga em direção a valladolid, j á refeito do m au resultado da tentativa feita para dorm ir em cim a da m ontada, e o rei de portugal, com a sua reduzida com itiva de secretário e paj ens, está a chegar à praia de belém , à vista do m osteiro dos j eronim itas e do cercado de salom ão. Dando tem po ao tem po, todas as coisas do universo acabarão por se encaixar um as nas outras. Aí está o elefante. Mais pequeno que os seus parentes africanos, adivinha-se, no entanto, por baixo da cam ada de suj idade que o cobre, a boa figura com que havia sido contem plado pela natureza. Por que é que este anim al está tão suj o, perguntou o rei, onde está o tratador, suponho que haverá um tratador. Aproxim ava- -se um hom em de rasgos indianos, coberto por roupas que quase se haviam convertido em andraj os, um a m istura de peças de vestuário de origem e de fabrico nacional, m al cobertas ou m al cobrindo restos de panos exóticos vindos, com o elefante, naquele m esm o corpo, há dois anos.
Era o cornaca. O secretário depressa se apercebeu de que o tratador não tinha reconhecido o rei, e, com o a situação não estava para apresentações form ais, alteza, perm iti que vos apresente o cuidador de salom ão, senhor indiano, apresento-lhe o rei de portugal, dom j oão, o terceiro, que passará à história com o cognom e de piedoso, deu ordem aos paj ens para que entrassem no redondel e inform assem o desassossegado cornaca dos títulos e qualidades da personagem de barbas que lhe estava dirigindo um olhar severo, anunciador dos piores efeitos, É o rei. O hom em parou, com o se o tivesse fulm inado um raio, e fez um m ovim ento com o para escapar, m as os paj ens filaram -no pelos trapos e em purraram -no até à estacada. Subido a um a rústica escada de m ão, colocada no lado de fora, o rei observava o espetáculo com irritação e repugnância, repeso de ter cedido ao im pulso m atutino de vir fazer um a visita sentim ental a um bruto paquiderm e, a este ridículo proboscídeo de m ais de quatro côvados de altura que, assim o queira deus, em breve irá descarregar as suas m alcheirosas excreções na pretensiosa viena de áustria. A culpa, pelo m enos em parte, cabia ao secretário, àquela sua conversa sobre atos poéticos que ainda lhe estava dando voltas à cabeça. Olhou com ar de desafio ao por outras razões estim ado funcionário, e este, com o se lhe tivesse adivinhado a intenção, disse, Ato poético, m eu senhor, foi ter vindo vossa alteza aqui, o elefante é só o pretexto, nada m ais. O rei resm ungou qualquer coisa que não pôde ser ouvida, depois disse em voz firm e e clara, Quero esse anim al lavado agora m esm o. Sentia-se rei, era um rei, e a sensação é com preensível se pensarm os que nunca dissera um a frase igual em toda a sua vida de m onarca. Os paj ens transm itiram ao cornaca a vontade do soberano e o hom em correu a um alpendre onde se guardavam coisas que pareciam ferram entas e coisas que talvez o fossem , além de outras que ninguém saberia dizer para que serviam . Ao lado do alpendre havia um a construção de tábuas coberta de telha-vã, que devia ser o aloj am ento do tratador. O hom em regressou com um a escova de piaçaba de cabo com prido,
encheu um balde grande na dorna que servia de bebedouro e pôs m ãos ao trabalho. Foi notório o prazer do elefante. A água e a esfregação da escova deviam ter despertado nele algum a agradável recordação, um rio na índia, um tronco de árvore rugoso, e a prova é que durante todo o tem po que a lavagem durou, um a m eia hora bem puxada, não se m oveu donde estava, firm e nas patas potentes, com o se tivesse sido hipnotizado. Conhecidas com o são as excelsas virtudes da higiene corporal, não surpreendeu que no lugar onde havia estado um elefante tivesse aparecido outro. A suj idade que o cobrira antes e que m al deixava ver-lhe a pele tinha-se sum ido sob o ím peto com binado da água e da escova, e salom ão exibia-se agora aos olhares em todo o seu esplendor. Bastante relativo, se repararm os bem . A pele do elefante asiático, e este é um deles, é grossa, de cor m eio cinza m eio café, salpicada de pintas e pelos, um a perm anente decepção para o próprio, apesar dos aconselham entos da resignação que sem pre lhe estava dizendo que devia contentar-se com o que tinha, e desse graças a vixnu. Deixara-se lavar com o se esperasse um m ilagre, com o num batism o, e o resultado ali estava, pelos e pintas. Há m ais de um ano que o rei não via o elefante, tinham -lhe esquecido os porm enores, e agora não estava a gostar nada do espetáculo que se lhe oferecia. Salvavam -se os longos incisivos do paquiderm e, de um a brancura resplandecente, apenas ligeiram ente curvos, com o duas espadas apontando em frente. Mas ainda faltava o pior. De súbito, o rei de portugal, e tam bém dos algarves, antes no auge da felicidade por poder obsequiar nada m ais nada m enos que um genro do im perador carlos quinto, sentiu-se com o se fosse cair da escada de m ão abaixo e precipitar-se na goela hiante da ignom ínia. Eis o que o rei tinha perguntado a si m esm o, E se o arquiduque não gosta dele, se o acha feio, im aginem os que com eça por aceitar o presente, um a vez que o não conhece, e depois o devolve, com o resistirei eu à vergonha de ver-m e desfeiteado perante os olhares com passivos ou irónicos da com unidade europeia. Que vos parece, que ideia vos dá o anim al, decidiu-se o rei a perguntar ao secretário, ansiando por um a tábua de salvação que unicam ente dali lhe poderia vir, Bonito ou feio, m eu senhor, são m eras expressões relativas, para a coruj a até os seus coruj inhos são bonitos, o que eu estou a ver daqui, para tom ar este caso particular de um a lei geral, é um m agnífico exem plar de elefante asiático, com todos os pelos e pintas a que está obrigado pela sua natureza e que encantará o arquiduque e deslum brará não só a corte e população de viena com o, por onde quer que passe, o gentio com um . O rei suspirou de alívio, Suponho que terá razão, Espero tê-la, m eu senhor, se da outra natureza, a hum ana, conheço algum a coisa, e, se vossa alteza m o perm ite, atrever-m e-ia ainda a dizer que este elefante com pelos e pintas irá converter-se num instrum ento político de prim eira ordem para o arquiduque de áustria, se ele é tão astuto com o deduzo das provas que até agora tem dado, Aj udai-m e a descer, esta conversa fez-m e tonturas. Com a aj uda do secretário e dos dois paj ens, o rei logrou descer sem m aiores dificuldades os poucos degraus que havia subido. Respirou fundo quando sentiu terra firm e debaixo dos pés e, sem m otivo aparente, salvo, digam os talvez, j á que é ainda dem asiado cedo para sabê-lo de ciência certa, a súbita oxigenação do sangue e o consequente renovo da circulação nos interiores da cabeça, fê-lo pensar em algo que em circunstâncias norm ais seguram ente nunca lhe ocorreria. E foi, Este hom em não pode ir para viena em sem elhante figura, coberto de andraj os, ordeno que lhe façam dois fatos, um para o trabalho, para quando tiver que andar em cim a do elefante, e outro de representação social para não fazer m á figura na corte austríaca, sem luxo, m as digno do país que o m anda lá, Assim se fará, m eu senhor, E, a propósito, com o se cham a ele. Despachou-se um paj em a sabê-lo, e a resposta, transm itida pelo
secretário, deu m ais ou m enos o seguinte, Subhro. Subro, repetiu o rei, que diabo de nom e é esse, Com agá, m eu senhor, pelo m enos foi o que ele disse, aclarou o secretário, Devíam os ter-lhe cham ado Joaquim quando chegou a Portugal, resm ungou o rei.
Três dias depois, pela tardinha, o estribeiro-m or, à frente da sua escolta, bastante m enos luzida agora graças à suj eira dos cam inhos e aos inevitáveis e m alcheirosos suores, tanto os equinos com o os hum anos, desm ontou à porta do palácio, sacudiu-se da poeira, subiu a escada e entrou na antecâm ara que pressurosam ente acorreu a indicar-lhe o lacaio-m or, título que, m elhor é que o confessem os j á, não sabem os se realm ente existiu naquele tem po, m as que nos pareceu adequado pela com posição do olor corporal, um m isto de presunção e falsa hum ildade, que em volutas se desprendia da personagem . Ansioso por conhecer a resposta do arquiduque, o rei recebeu im ediatam ente o recém -chegado. A rainha catarina estava presente no salão de aparato, o que, considerando a transcendência do m om ento, a ninguém deverá surpreender, m orm ente sabendo-se que, por decisão do rei seu m arido, ela participa regularm ente nas reuniões de estado, onde nunca se com portou com o passiva espectadora. Havia outra razão para querer ouvir a leitura da carta logo à sua chegada, a rainha alim entava a vaga esperança, em bora não lhe parecesse plausível a hipótese, de que a m issiva do arquiduque m axim iliano viesse escrita em alem ão, caso em que a m ais bem colocada das tradutoras j á estaria ali, por assim dizer à m ão de sem ear, pronta para o serviço. Neste m eio-tem po, o rei havia recebido o rolo das m ãos do estribeiro-m or, ele próprio o desenrolou depois de lhe desatar as fitas seladas com as arm as do arquiduque, m as foi suficiente um sim ples relance de olhos para perceber que vinha escrita em latim . Ora, dom j oão, o terceiro de portugal com este nom e, em bora não ignorante em latinações, porque estudos tivera-os no tem po da sua j uventude, tinha perfeita consciência de que as inevitáveis dúvidas, as pausas dem asiado prolongadas, os m ais que prováveis erros de interpretação, iriam dar aos presentes um a m ísera e afinal não m erecida im agem da sua real figura. Com a agilidade de espírito que j á lhe conhecem os e a consequente fluidez de reflexos, o secretário tinha dado dois passos discretos em frente e esperava. Em tom natural, com o se a m arcação da cena tivesse sido ensaiada antes, o rei disse, O senhor secretário fará a leitura, traduzindo ao português a m ensagem na qual o nosso am ado prim o m axim iliano certam ente responde à oferta do elefante salom ão, parece-m e dispensável fazer leitura integral da carta, basta que neste m om ento conheçam os o essencial dela, Assim se fará, m eu senhor. O secretário passeou os olhos pelas extensas e redundantes fórm ulas de cortesia que o estilo epistolar do tem po fazia proliferar com o cogum elos depois da chuva, procurou m ais abaixo e encontrou. Não traduziu, anunciou apenas, O arquiduque m axim iliano de áustria aceita e agradece a oferta do rei de portugal. No real rosto, entre a m assa pilosa form ada pela barba e pelo bigode, espreitou um sorriso de satisfação. A rainha sorriu tam bém , ao m esm o tem po que j untava as m ãos num gesto de agradecim ento que, passando em prim eiro lugar pelo arquiduque m axim iliano de áustria, tinha a deus todo-poderoso com o últim o destinatário. As contradições que andavam a digladiar-se no íntim o da rainha haviam chegado a um a síntese, a m ais banal de todas, ou sej a, que ninguém foge ao seu destino. Tom ando novam ente a palavra, o secretário deu a conhecer, num a voz em que a gravidade m onacal do latim parecia ressoar na elocução do português corrente em que se expressava, outras disposições que a carta continha, Diz que não tem claro em que altura partirá
para viena, talvez aí por m eados de outubro, m as não é certo, E nós estam os nos princípios de agosto, anunciou desnecessariam ente a rainha, Tam bém diz o arquiduque, m eu senhor, que vossa alteza, querendo, não necessita ficar à espera de que se aproxim e a data da partida para enviar o solim ão a valladolid, Que solim ão é esse, perguntou, enxofrado, o rei, ainda não tem lá o elefante e j á lhe quer m udar o nom e, Solim ão, o m agnífico, m eu senhor, o sultão otom ano, Não sei o que faria eu sem si, senhor secretário, com o conseguiria saber quem é esse tal solim ão se a sua brilhante m em ória não estivesse aí para m e ilustrar e orientar a toda a hora, Peço perdão, m eu senhor, disse o secretário. Houve um silêncio em baraçoso em que todos os presentes evitaram olhar-se. A cara do funcionário, depois de um afluxo rápido de sangue, estava agora lívida. Sou eu quem deve pedir perdão, disse o rei, e peço-lho sem nenhum constrangim ento, salvo o da m inha consciência, Meu senhor, balbuciou pêro de alcáçova carneiro, não sou ninguém para lhe perdoar sej a o que for, É o m eu secretário, a quem acabo de faltar ao respeito, Por favor, m eu senhor. O rei fez um gesto a im por silêncio, e finalm ente disse, Salom ão, que assim continuará a cham ar-se enquanto aqui estiver, não im agina as perturbações que tem originado entre nós a partir do dia em que decidi dá-lo ao arquiduque, creio que, no fundo, ninguém aqui quer que ele se vá, estranho caso, não é gato que se roce nas nossas pernas, não é cão que nos olhe com o se fôssem os o seu criador, e, no entanto, aqui estam os aflitos, quase em desespero, com o se algo nos estivesse a ser arrancado, Ninguém o teria expressado m elhor que vossa alteza, disse o secretário, Regressem os à questão, em que ponto tínham os ficado nesta história do envio de salom ão a valladolid, perguntou o rei, Escreve o arquiduque que seria bom que ele não tardasse dem asiado a fim de se ir habituando à m udança das pessoas e do am biente, a palavra latina utilizada não significa exatam ente isso, m as é o m elhor que posso encontrar agora, Não será preciso dar-lhe m ais voltas, nós com preendem os, disse o rei. Depois de um m inuto de reflexão acrescentou, O senhor estribeiro-m or tom ará a responsabilidade de organizar a expedição, dois hom ens para aj udarem o cornaca no seu trabalho, uns quantos m ais para se encarregarem do abastecim ento de água e de forragens, um carro de bois para o que for necessário, transportar a dorna, por exem plo, ainda que sej a certo que no nosso portugal não vão faltar rios nem ribeiras onde o salom ão possa beber e chafurdar, o pior é essa m aldita castela, seca e resseca com o um osso exposto ao sol, e, em rem ate, um pelotão de cavalaria para o im provável caso de alguém pretender roubar o nosso salom ãozinho, o senhor estribeiro-m or irá inform ando do andam ento do assunto o senhor secretário de estado, a quem peço desculpa por estar a m etê-lo nestas trivialidades, Não são trivialidades, m eu senhor, com o secretário, este assunto diz-m e particularm ente respeito porque o que aqui estam os fazendo é nada m ais nada m enos que alienar um bem do estado, Salom ão nunca deve ter pensado que era um bem do estado, disse o rei com um m eio sorriso, Bastaria que tivesse percebido que a água e a forragem não lhe caíam do céu, m eu senhor, A m im , interveio a rainha, ordeno e m ando que ninguém se lem bre de m e vir com unicar que o salom ão j á se foi em bora, eu o perguntarei quando entender, e então m e darão a resposta. A últim a palavra m al se percebeu, com o se o choro, subitam ente, tivesse constringido a real garganta. Um a rainha a chorar é um espetáculo de que, por decência, todos estam os obrigados a desviar os olhos. Assim o fizeram o rei, o secretário de estado e o estribeiro-m or.
Depois, quando ela j á havia saído e tinha deixado de ouvir-se o ruído das suas saias varrendo o chão, o rei lem brou, Era o que eu dizia, não querem os que salom ão se vá, Vossa alteza ainda está a tem po de se arrepender, disse o secretário, Arrependido estou, creio, m as o tem po acabou-se,
salom ão j á vai a cam inho, Vossa alteza tem questões m ais im portantes a tratar, não perm ita que um elefante se torne em centro das suas preocupações, Com o se cham a o cornaca, perguntou subitam ente o rei, Subhro, creio, senhor, Que significa, Não sei, m as poderei perguntar-lho, Pergunte-lhe, quero saber em que m ãos vai ficar salom ão, As m esm as em que j á estava antes, m eu senhor, perm ita que lhe recorde que o elefante veio da índia com este cornaca, É diferente estar longe ou estar perto, até hoj e nunca m e tinha im portado saber com o se cham ava o hom em , agora sim , Com preendo-o, m eu senhor, É o que m e agrada na sua pessoa, não precisa que lhe digam as palavras todas para perceber de quê se está falando, Tive um bom m estre em m eu pai e vossa alteza não o é som enos, À prim eira vista o elogio não vale grande coisa, m as sendo seu pai a m edida dou-m e por satisfeito, Perm ite vossa alteza que m e retire, perguntou o secretário, Vá, vá ao seu trabalho, e não se esqueça das roupas novas para o cornaca, com o disse que se cham ava ele, Subhro, m eu senhor, com agá, Bem .
Aos dez dias desta conversação, ainda o sol m al apontava no horizonte, salom ão saía do cercado onde durante dois anos m alvivera. A caravana era a que havia sido anunciada, o cornaca, que presidia, lá no alto, sentado nos om bros do anim al, os dois hom ens para o aj udarem no que viesse a ser preciso, os outros que deveriam assegurar o abastecim ento, o carro de bois com a dorna da água, que os acidentes do cam inho constantem ente faziam ir e vir de um lado a outro, e um gigantesco carregam ento de fardos de forragem variada, o pelotão de cavalaria que responderia pela segurança da viagem e a chegada de todos a bom porto, e, por fim , algo de que o rei não se tinha lem brado, um carro da intendência das forças arm adas puxado por duas m ulas.
A hora, tão m atutina, e o segredo com que havia sido organizada a saída, explicavam a ausência de curiosos e outras testem unhas, havendo que ressalvar, no entanto, a presença de um a carruagem do paço que se pôs em m ovim ento na direção de lisboa quando elefante e com panhia desapareceram na prim eira curva da estrada. Dentro, iam o rei de portugal, dom j oão, o terceiro, e o seu secretário de estado, pêro de alcáçova carneiro, a quem talvez não vej am os m ais, ou talvez sim , porque a vida ri-se das previsões e põe palavras onde im aginám os silêncios, e súbitos regressos quando pensám os que não voltaríam os a encontrar-nos. Esqueci-m e do significado do nom e do cornaca, com o era ele, estava perguntando o rei, Branco, m eu senhor, subhro significa branco, ainda que não o pareça. Num a câm ara do palácio, na m eia escuridão do dossel, a rainha dorm e e tem um pesadelo. Sonha que levaram o salom ão de belém , sonha que pergunta a todas as pessoas, Por que não m e haveis avisado, m as, quando se decidir a acordar, a m eio da m anhã, não repetirá a pergunta nem saberá dizer se, por sua iniciativa, a fará algum a vez. Pode acontecer que dentro de dois ou três anos alguém , casualm ente, pronuncie diante de si a palavra elefante, e então, sim , então a rainha de portugal, catarina de áustria, perguntará, Já que se fala de elefante, que é feito do salom ão, ainda está em belém ou j á o despacharam para viena, e quando lhe responderem que, em bora estando em viena, o que sim está é num a espécie de j ardim zoológico com outros anim ais selvagens, dirá, fazendo-se desentendida, Que sorte acabou por ter esse anim al, a gozar a vida na cidade m ais bela do m undo, e eu aqui, entalada entre hoj e e o futuro, e sem esperança em nenhum dos dois. O rei, se estiver presente, fará de conta que não ouviu, e o secretário de estado, o m esm o pêro de alcáçova carneiro que j á conhecem os, em bora não sej a pessoa de rezos, baste recordar o que disse da inquisição e sobretudo o que achou prudente calar, lançará um a súplica m uda aos céus para que cubram o elefante com um espesso m anto de olvido que lhe m odifique as form as e o confunda, nas im aginações preguiçosas, com um drom edário qualquer, bicho tam bém de raro aspecto, ou com um qualquer cam elo, a quem a fatalidade de carregar com duas bossas realm ente não favorece, e m uito m enos lisonj eia a m em ória de quem se interesse por estas insignificantes histórias. O
passado é um im enso pedregal que m uitos gostariam de percorrer com o se de um a autoestrada se tratasse, enquanto outros, pacientem ente, vão de pedra em pedra, e as levantam , porque precisam de saber o que há por baixo delas. Às vezes saem -lhes lacraus ou escolopendras, grossas roscas brancas ou crisálidas a ponto, m as não é im possível que, ao m enos um a vez,
apareça um elefante, e que esse elefante traga sobre os om bros um cornaca cham ado subhro, nom e que significa branco, palavra esta totalm ente desaj ustada em relação à figura que, à vista do rei de portugal e do seu secretário de estado, se apresentou no cercado de belém , im unda com o o elefante que deveria cuidar. Há razões para com preender aquele ditado que sabiam ente nos avisa de que no m elhor pano pode cair a nódoa, e isso foi o que sucedeu ao cornaca e ao seu elefante. Quando foram para ali lançados, a curiosidade popular subiu ao rubro e a própria corte chegou a organizar seletas excursões a belém de fidalgos e fidalgas, de dam as e cavalheiros para verem o paquiderm e, m as em pouco tem po o interesse com eçou a decair, e o resultado viu-se, as roupas indianas do cornaca transform aram -se em farrapos e os pelos e as pintas do elefante quase vieram a desaparecer sob a crosta de suj idade acum ulada durante dois anos. Não é, porém , a situação de agora. Tirando a infalível poeira dos cam inhos que j á lhe vem suj ando as patas até m etade, salom ão avança airoso e lim po com o um a patena, e o cornaca, em bora sem as coloridas roupas indianas, reluz no seu novo fato de trabalho que, ainda por cim a, fosse por esquecim ento, fosse por generosidade, não teve de pagar. Escarranchado sobre o encaixe do pescoço com o tronco m aciço de salom ão, m anej ando o bastão com que conduz a m ontada, quer por m eio de leves toques quer com castigadoras pontoadas que fazem m ossa na pele dura, o cornaca subhro, ou branco, prepara-se para ser a segunda ou terceira figura desta história, sendo a prim eira, por natural prim azia e obrigado protagonism o, o elefante salom ão, e vindo depois, disputando em valias, ora este, ora aquele, ora por isto, ora por aquilo, o dito subhro e o arquiduque. Porém , quem neste m om ento leva a voz cantante é o cornaca. Olhando a um lado e a outro a caravana, percebeu nela um certo desalinho, com preensível se levarm os em conta a diversidade de anim ais que a com põem , isto é, elefante, hom ens, cavalos, m ulas e bois, cada um com a sua andadura própria, tanto natural com o forçada, pois está claro que nesta viagem ninguém poderá ir m ais depressa que o m ais vagaroso, e esse, j á se sabe, é o boi. Os bois, disse subhro, subitam ente alarm ado, onde estão os bois. Não se via som bra deles nem da pesada carga que arrastavam , a dorna cheia de água, os fardos de forragens. Ficaram para trás, pensou, tranquilizando-se, não há outro rem édio que esperar. Preparava-se para se deixar escorregar do elefante, m as desistiu. Podia ter necessidade de voltar a subir, e não o conseguir. Em princípio, era o próprio elefante que o levantava com a trom ba e praticam ente o depunha no assento.
Contudo, a prudência m andava prever aquelas situações em que o anim al, por m á disposição, por irritação, ou só para contrariar, se negasse a prestar serviço de ascensor, e aí é que a escada entraria em ação, em bora fosse difícil de crer que um elefante enfadado aceitasse tornar-se num sim ples ponto de apoio e perm itir, sem qualquer tipo de resistência, a subida do cornaca ou de quem quer que fosse. O valor da escada era m eram ente sim bólico, com o um relicário ao peito ou um a m edalhinha com a figura de um a santa qualquer. Neste caso, de toda a m aneira, a escada não podia valer-lhe, vinha no carro dos atrasados. Subhro cham ou um dos seus aj udantes para que fosse avisar o com andante do pelotão de cavalaria de que teriam de esperar pelo carro de bois. O descanso faria bem aos cavalos, que, verdade se diga, tam bém não haviam tido que esforçar-se m uito, nem um só galope, nem um só trote, tudo em passinho curto desde lisboa.
Nada que se parecesse à expedição do estribeiro-m or a valladolid, ainda na m em ória de alguns dos que ali iam , veteranos dessa heroica cavalgada. Os cavaleiros desm ontaram , os hom ens de a pé sentaram -se ou deitaram -se no chão, não poucos aproveitaram para dorm ir. Em poleirado no elefante, o cornaca deitou contas à viagem e não ficou satisfeito. A j ulgar pela altura do sol,
deviam ter andado um as três horas, m aneira de dizer dem asiado conciliatória porque um a parte não pequena desse tem po tinha-a gasto salom ão a tom ar banhos no tej o, alternando-os com voluptuosas chafurdices na lam a, o que, por sua vez, era m otivo, segundo a lógica elefantina, para novos e m ais prolongados banhos. Era evidente que salom ão estava excitado, nervoso, lidar com ele ia necessitar m uita paciência, sobretudo não o tom ar dem asiado a sério. Devem os ter perdido um a hora com as traquinices do salom ão, pensou o cornaca, e depois, passando dum a reflexão sobre o tem po a um a m editação sobre o espaço, Quanto cam inho terem os feito, um a légua, duas, perguntou-se. Cruel dúvida, transcendente questão. Se estivéssem os ainda entre os antigos gregos e rom anos, diríam os, com a tranquilidade que sem pre conferem os saberes adquiridos na vida prática, que as grandes m edidas itinerárias eram , nessa época, o estádio, a m ilha e a légua. Deixando em paz o estádio e a m ilha, com a sua divisão em pés e passos, fixem o-nos na légua, que foi a palavra que subhro em pregou, distância que tam bém se com punha de passos e pés, m as que tem a enorm e vantagem de nos colocar em terra conhecida.
Ora, ora, léguas toda a gente sabe o que são, dirão com o inevitável sorriso de ironia fácil os contem porâneos que nos couberam em sorte. A m elhor resposta que podem os dar-lhes é a seguinte, Sim , tam bém toda a gente o sabia na época em que viveu, m as só e unicam ente na época em que viveu. A velha palavra légua, ou leuga, que, dir-se-ia, parecia igual para todos e por todos os tem pos, por exem plo, fez um a longa viagem desde os sete m il e quinhentos pés ou m il e quinhentos passos que teve entre os rom anos e a baixa idade m édia até aos quilóm etros e m etros em que hoj e dividim os a distância, nada m enos que cinco e cinco m il, respectivam ente.
Encontraríam os casos sim ilares em qualquer área de m edição. E para não deixarm os a afirm ação sem prova, contem plem os o alm ude, m edida de capacidade que se dividia em doze canadas ou quarenta e oito quartilhos, e que em lisboa equivalia, núm eros redondos, a dezasseis litros e m eio, e, no porto, a vinte e cinco litros. E com o se entendiam eles, perguntará o leitor curioso e am ante do saber, E com o nos entenderem os nós, pergunta, fugindo à resposta, quem à conversação trouxe este assunto de pesos e m edidas. O qual, um a vez exposto com esta m eridiana clareza, nos perm itirá adotar um a decisão absolutam ente crucial, de certa m aneira revolucionária, a saber, enquanto o cornaca e os que o acom panham , porque não teriam outra m aneira de entender-se, irão continuar a falar de distâncias de acordo com os usos e costum es do seu tem po, nós, para que possam os perceber o que ali se vai passando nesta m atéria, usarem os as nossas m odernas m edidas itinerárias, sem ter de recorrer constantem ente a fastidiosas tábuas de conversão. No fundo, será, com o se num film e, desconhecido naquele século dezasseis, estivéssem os a colar legendas na nossa língua para suprir a ignorância ou um insuficiente conhecim ento da língua falada pelos atores. Terem os portanto neste relato dois discursos paralelos que nunca se encontrarão, um , este, que poderem os seguir sem dificuldade, e outro que, a partir deste m om ento, entra no silêncio. Interessante solução.
Todas estas observações, ponderações e cogitações levaram o cornaca a descer finalm ente do elefante, escorregando-lhe pela trom ba, e a encam inhar-se com voluntarioso passo para o pelotão de cavalaria. Era fácil distinguir onde se encontrava o com andante. Havia ali um a espécie de toldo que estaria protegendo do castigador sol de agosto um a personagem , logo a conclusão era facílim a de tirar, se havia um toldo, havia um com andante debaixo dele, se havia um com andante, teria de haver um toldo para o tapar. O cornaca levava um a ideia que não sabia
bem com o introduzir na conversação, m as o com andante, sem o saber, facilitou-lhe o trabalho, Então esses bois, aparecem ou não aparecem , perguntou, Saiba vossa senhoria que ainda não os vej o, m as pelo tem po devem estar a chegar, Esperem os que assim sej a. O cornaca respirou fundo e disse com a voz rouca de em oção, Se vossa senhoria m o perm ite, tive um a ideia, Se j á a tiveste não precisas da m inha perm issão, Vossa senhoria tem razão, m as eu, o português, falo-o m al, Diz lá então qual é a ideia, A nossa dificuldade está nos bois, Sim , ainda não apareceram , O
que quero dizer a vossa senhoria é que o problem a continuará m esm o depois de terem aparecido, Porquê, Porque os bois andam devagar por natureza, m eu senhor, Até aí, sei eu, e não precisei de nenhum indiano, Se tivéssem os um a outra j unta de bois e a engatássem os ao carro à frente da que está, andaríam os com certeza m ais depressa e todos ao m esm o, A ideia parece-m e boa, m as onde vam os nós arranj ar um a j unta de bois, Há por aí aldeias, m eu com andante. O com andante franziu a testa, não podia negar que haveria por ali aldeias, podia-se com prar um a j unta de bois.
Com prar, perguntou-se, nada disso, requisitam -se os bois em nom e do rei e à volta de valladolid deixam o-los cá, em tão bom estado com o espero que estej am agora. Ouviu-se um clam or, os bois tinham aparecido finalm ente, os hom ens aplaudiam e até o elefante levantou a trom ba e soltou um barrito de satisfação. A m á vista não lhe perm itia distinguir os fardos de forragens lá ao longe, m as na im ensa caverna do seu estôm ago ecoavam os protestos de que eram m ais do que horas de com er. Isto não significa que os elefantes devam alim entar-se a horas certas com o aos seres hum anos se diz que lhes convém pelo bem que faz à saúde. Por assom broso que pareça, um elefante necessita diariam ente cerca de duzentos litros de água e entre cento e cinquenta e trezentos quilos de vegetais. Não podem os portanto im aginá-lo de guardanapo ao pescoço, sentado à m esa, fazendo as suas três refeições diárias, um elefante com e o que pode, quanto pode e onde pode, e o seu princípio é não deixar nada para trás que possa vir a fazer-lhe falta depois. Foi preciso esperar ainda quase m eia hora antes que o carro de bois chegasse. Neste m eio-tem po, o com andante deu ordem de bivacar, m as foi necessário procurar para tal um sítio m enos castigado pelo sol, antes que m ilitares e paisanos se vissem transform ados em torresm os.
Havia a uns quinhentos m etros um a pequena m ata de choupos e foi para lá que se encam inhou a com panhia. As som bras eram ralas, m as m elhor esse pouco que perm anecer a assar sob a inclem ente chapa do astro-rei. Os hom ens que tinham vindo para trabalhar, e a quem até agora não se lhes tinha ordenado grande coisa, para não dizer nada de nada, traziam a sua com ida nos alforges ou nos barretes, o m esm o de sem pre, um grosso pedaço de pão, um as sardinhas secas, um as passas de figo, um naco de queij o de cabra, daquele que quando endurece fica com o um a pedra, e que, em rigor, não se deixa m astigar, vam o-lo roendo pacientem ente, com a vantagem de desfrutar por m ais tem po do sabor do m anj ar. Quanto aos m ilitares, lá tinham o seu arranj o.
Um soldado de cavalaria que, de espada desem bainhada ou lança em riste, galopa à carga contra o inim igo, ou que sim plesm ente vai levar um elefante a valladolid, não tem que se preocupar com os assuntos de intendência. Não lhe interessa perguntar donde veio a com ida nem quem a preparou, o que conta é que a m alga venha cheia e o caldo não sej a de todo intragável.
Dispersos, em grupos, j á toda a gente está ocupada nas suas atividades m asticatórias e deglutivas, só falta salom ão. Subhro, o cornaca, m andou levar dois fardos de forragens para onde ele está esperando a vez, desatá-los e deixá-lo tranquilo, Se for necessário, leva-se-lhe outro fardo, disse.
Esta descrição, que a m uitos parecerá despicienda pela excessiva porm enorização a que deliberadam ente recorrem os, tem um fim útil, o de ativar a m ente de subhro para que chegue a
um a conclusão otim ista sobre o futuro da viagem , Um a vez que, pensou ele finalm ente, salom ão terá de com er pelo m enos três ou quatro fardos por dia, o peso da carga ir-se-á aliviando, e se, ainda por cim a, conseguirm os a tal j unta de bois, então, por m uitas m ontanhas que nos saltem ao cam inho não vai haver quem nos apanhe. Com as boas ideias, e às vezes tam bém com as m ás, passa-se o m esm o que se passava com os átom os de dem ócrito ou com as cerej as da cesta, vêm enganchadas um as nas outras. Ao im aginar os bois a puxar o carro por um a ladeira em pinada, subhro percebeu que tinha sido com etido um erro na com posição original da caravana e que esse erro não havia sido corrigido durante todo o tem po que a cam inhada havia durado, falta de que se considerava responsável. Os trinta hom ens que tinham vindo com o aj udas, subhro deu-se ao trabalho de os contar um por um , não tinham feito nada desde a saída de lisboa, salvo aproveitar a m anhã para um passeio ao cam po. Para desatar e arrastar os fardos de forragens seriam m ais que suficientes os auxiliares diretos, e, em caso de necessidade, ele próprio poderia dar um a m ão. Que fazer então, m andá-los para trás, livrar-m e deste peso, perguntou-se subhro. A ideia seria boa se não houvesse outra m elhor. O pensam ento abriu um sorriso resplandecente na cara do cornaca. Deu um grito a cham ar os hom ens, reuniu-os diante de si, alguns ainda vinham a m astigar o últim o figo seco, e disse-lhes, A partir de agora, divididos em dois grupos, vocês aí e vocês aí, passam a dar aj uda ao carro de bois, puxando e em purrando, está visto que a carga é dem asiada para os anim ais, que além disso são vagarosos por natureza, de dois em dois quilóm etros os grupos revezam -se, este será o vosso principal trabalho até chegarm os a valladolid. Houve um m urm úrio que tinha todo o ar de descontentam ento, m as subhro fez de conta que não ouvira, e continuou, Cada grupo será governado por um capataz, que, além de responder perante m im pelos bons resultados do trabalho, terá de m anter a disciplina e desenvolver o espírito de coesão sem pre necessários a qualquer tarefa coletiva. A linguagem não devia ter agradado aos ouvintes, pois o m urm úrio repetiu-se. Muito bem , disse subhro, se alguém não estiver satisfeito com as ordens que acabo de dar, dirij a-se ao com andante, ele é a suprem a autoridade aqui, com o representante do rei. O ar pareceu ter arrefecido de repente, o m urm úrio foi substituído por um arrastar contrafeito de pés. Subhro perguntou, Quem se propõe para capataz. Levantaram -se três m ãos hesitantes, e o cornaca precisou, Dois capatazes, não três.
Um a das m ãos encolheu-se, desapareceu, as outras perm aneceram levantadas. Tu e tu, apontou subhro, escolham os vossos hom ens, m as façam -no de um a m aneira equitativa, a fim de que as forças dos dois grupos fiquem equilibradas, e agora toca a dispersar, necessito falar com o com andante. Antes, porém , ainda foi obrigado a atender um dos seus auxiliares, que se tinha aproxim ado para inform ar que haviam aberto outro fardo de forragem , m as que salom ão parecia satisfeito e, segundo todos os indícios, com vontade de dorm ir, Não adm ira, com eu bem e esta costum a ser a hora da sua sesta, O pior é que bebeu quase toda a água da dorna, Depois de ter com ido tanto, é natural, Podíam os levar os bois até ao rio, deve haver por aí um cam inho, Ele não beberia, a água, a esta altura do rio, ainda é salgada, Com o sabe, perguntou o auxiliar, Salom ão banhou-se um a quantidade de vezes, a últim a aqui perto, e nunca m ergulhou a trom ba para beber, Se a água do m ar chega até onde estam os, isso m ostra o pouco que andám os, É
certo, m as, a partir de hoj e, podes ter a certeza de que irem os m ais depressa, palavra de cornaca. Deixando atrás este solene com prom isso, subhro foi à procura do com andante.
Encontrou-o a dorm ir à som bra de um choupo m ais ram alhudo, com aquele sono leve que distingue o bom soldado, pronto a saltar sobre as suas arm as ao m ínim o ruído suspeito. Faziam -
lhe guarda dois m ilitares que, com um gesto im perativo, m andaram parar subhro. Este fez sinal de que havia com preendido e sentou-se no chão, à espera. O com andante acordou m eia hora depois, espreguiçou-se e bocej ou, tornou a bocej ar, tornou a espreguiçar-se, até que se sentiu efetivam ente acordado para a vida. Mesm o assim teve de afirm ar-se segunda vez para ver que o cornaca estava ali, Que queres agora, perguntou em voz rouca, não m e digas que tiveste outras ideias, Saiba vossa senhoria que sim , Dize lá, Dividi os hom ens em dois grupos, que, de dois em dois quilóm etros, alternadam ente, passarão a aj udar os bois, quinze hom ens de cada vez a em purrar o carro, vai-se notar a diferença, Bem pensado, não há dúvida, vej o que o que trazes em cim a dos om bros te serve para algum a coisa, quem vai ficar a ganhar são os m eus cavalos, que poderão trotar de vez em quando, em lugar de irem naquela pasm aceira de passo de parada, Saiba vossa senhoria que tam bém pensei nisso, E pensaste em m ais algum a coisa, leio-to na cara, perguntou o com andante, Saiba vossa senhoria que sim , Vam os lá ver, A m inha ideia é que deveríam os organizar-nos em função dos hábitos e necessidades do salom ão, agora m esm o, repare vossa senhoria, está a dorm ir, se o acordássem os ficaria irritado e só nos daria trabalhos, Mas com o pode ele dorm ir, se está em pé, perguntou incrédulo o com andante, Às vezes deita-se para dorm ir, m as o norm al é que o faça em pé, Creio que nunca entenderei os elefantes, Saiba vossa senhoria que eu vivo com eles quase desde que nasci e ainda não consegui entendê-los, E
isso porquê, Talvez porque o elefante sej a m uito m ais que um elefante, Basta de conversa, É que ainda tinha um a outra ideia para apresentar, m eu com andante, Outra ideia, riu o m ilitar, afinal tu não és um cornaca, és um a cornucópia, Favores de vossa senhoria, Que m ais é que produziste nessa tua cabeça privilegiada, Pensei que iríam os bem organizados se vossa senhoria fosse atrás com os soldados a fechar a caravana, indo à frente o carro de bois por ser ele que m arca o passo do andam ento, depois eu com o elefante, a seguir, os de a pé, e o carro da intendência, Muito bem , a isso se cham a um a ideia, Assim m e pareceu, Um a ideia estúpida, quero eu dizer, Porquê, perguntou subhro, m elindrado, sem se dar conta da gravíssim a falta de educação, um a autêntica ofensa, que a interpelação direta representava, Porque eu e os m eus soldados iríam os a com er a poeira que as patas de vocês todos fossem levantando, Ah, que vergonha, deveria ter pensado nisso e não pensei, rogo a vossa senhoria, por todos os santos da corte do céu, que m e perdoe, Assim poderem os fazer um a galopada de vez em quando e esperar lá à frente que vocês cheguem , Sim , m eu senhor, é a solução perfeita, perm itis que m e retire, perguntou subhro, Ainda tenho duas questões a tratar contigo, a prim eira é que se voltas a perguntar-m e porquê, no tom em que o fizeste agora, darei ordem para que te deem um a boa ração de chicote no lom bo, Sim senhor, m urm urou subhro, de cabeça baixa, A segunda tem que ver com essa tua cabecinha e com a viagem que ainda m al com eçou, se nesse bestunto ainda tens uns restos de ideias aproveitáveis, apreciaria saber se é de tua vontade que fiquem os aqui eternam ente, até à consum ação dos séculos, Salom ão ainda dorm e, m eu com andante, Então agora quem governa aqui é o elefante, perguntou o m ilitar entre irritado e divertido, Não, m eu com andante, decerto recordareis ter-vos dito que nos deveríam os organizar em função, confesso que não sei de onde m e saiu esta palavra, dos hábitos e necessidades de salom ão, Sim , e quê, perguntou o com andante, que j á perdia a paciência, É que, m eu com andante, salom ão, para estar bem , para que possam os entregá-lo com boa saúde ao arquiduque de áustria, terá de descansar nas horas de calor, De acordo, respondeu o com andante, levem ente perturbado com a referência ao arquiduque, m as a verdade é que ele não tem feito outra coisa em todo o santo dia, Este dia não
conta, m eu com andante, foi o prim eiro, e j á se sabe que no prim eiro dia as coisas sem pre correm m al, Então, que fazem os, Dividim os os dias em três partes, a prim eira, desde m anhã cedo, e a terceira, até ao sol-pôr, para avançarm os o m ais depressa que puderm os, a segunda, esta em que estam os, para com er e descansar, Parece-m e um bom program a, disse o com andante, optando pela benevolência. A m udança de tom anim ou o cornaca a expressar a inquietação que o viera atorm entando durante todo o dia, Meu com andante, há algo nesta viagem que não entendo, Que é que não entendes, Em todo o cam inho não nos cruzám os com ninguém , em m inha m odesta opinião não é norm al, Estás enganado, cruzám o-nos com bastantes pessoas, tanto de um a direção com o da outra, Com o, se eu não as vi, perguntou subhro com os olhos arregalados de espanto, Estavas a dar banho ao elefante, Quer dizer que de cada vez que salom ão se estava banhando passaram pessoas, Não m e faças repetir, Estranha coincidência, até parece que salom ão não quer que o vej am , Pode ser, sim , Mas agora, estando nós aqui acam pados há não poucas horas, tam bém não passou ninguém , Aí a razão é outra, a gente vê o elefante de longe, com o um a abantesm a, e volta para trás ou m ete por atalhos, se calhar j ulgam que é algum enviado do diabo, Sinto a cabeça a doer-m e, até cheguei a pensar que el-rei nosso senhor tivesse m andado despej ar os cam inhos, Não és assim tão im portante, cornaca, Eu, não, m as salom ão, sim . O com andante preferiu não responder ao que parecia o princípio de um a nova discussão e disse, Antes que te vás quero fazer-te um a pergunta, Sou todo ouvidos, Lem bras-te de teres invocado há bocado todos os santos da corte do céu, Sim , m eu com andante, Quer isso dizer que és cristão, pensa bem antes de responderes, Mais ou m enos, m eu com andante, m ais ou m enos.
Lua cheia, luar de agosto. Com excepção das duas sentinelas que, m ontadas nos seus cavalos, sem outro ruído que o ranger dos arreios, fazem a ronda do acam pam ento, toda a caravana dorm e. Gozam de um descanso m ais que m erecido. Depois de terem dado, durante a prim eira parte do dia, a m á im pressão de um bando de vadios e preguiçosos, os hom ens alistados para em purrar o carro de bois tinham -se m etido em brios e dado um a autêntica lição de profissionalism o. É certo que o terreno plano havia aj udado m uito, m as podia-se apostar, com a certeza de ganhar, que na venerável história daquele carro de bois nunca houvera outra j ornada assim . Nas três horas e m eia que a corrida durou, e apesar de alguns breves descansos, andaram m ais de dezassete quilóm etros. Este foi o núm ero finalm ente apontado pelo com andante do pelotão depois de um a viva troca de palavras com o cornaca subhro, que achava que não tinham sido tantos e que não valia a pena estarem a enganar-se a si m esm os. O com andante achava que sim , que era estim ulante para os hom ens, Que im portância tem que tivéssem os andado só catorze, os três que faltam andá-los-em os am anhã e no final vais ver que tudo baterá certo. O