Havia m esm o quem tivesse prognosticado que a viagem do elefante term inaria aqui, neste m ar de rosas. Ou porque a prancha de acesso ao convés, incapaz de lhe suportar as quatro toneladas de peso, se rom pesse, ou porque um balanço m ais forte da onda lhe fizesse perder o equilíbrio e o lançasse de cabeça para baixo no pélago, a hora final teria chegado para o antigo e feliz salom ão, agora tristem ente batizado com o bárbaro nom e de solim ão. A m aior parte das nobres personagens que tinham vindo a rosas para se despedir do arquiduque nunca haviam visto na vida um elefante, nem pintado. Não sabem que um anim al destes, sobretudo se viaj ou por m ar em qualquer altura da sua vida, tem o que se costum a cham ar pé m arinheiro. Não se lhe peça que aj ude à m anobra, que suba às vergas para rizar as velas, que m anej e o octante ou o sextante, m as ponham -no ali ao lem e, firm e nas grossas estacas que lhe fazem de pernas, e m andem vir um a tem pestade das rij as. Verão com o o elefante se enfrenta com os m ais furiosos ventos contrários, navegando à bolina com a elegância e a eficácia de um piloto de prim eira classe, com o se essa arte estivesse contida nos quatro livros dos vedas que havia aprendido de cor na m ais tenra infância e nunca m ais esquecidos, m esm o quando os azares da vida determ inaram que teria de ganhar o triste pão de cada dia transportando troncos de árvore de um lado para outro ou aturando a curiosidade boçal de certos am adores de espetáculos circenses de m au gosto.
As pessoas estão m uito enganadas a respeito dos elefantes. Im aginam que eles se divertem quando são obrigados a equilibrar-se sobre um a pesada esfera m etálica, num a reduzida superfície curva em que as patas m al conseguem encontrar apoio. O que nos vale é o bom feitio dos elefantes, especialm ente dos oriundos da índia. Pensam eles que é preciso ter m uita paciência para aturar os seres hum anos, inclusive quando nós os perseguim os e m atam os para lhes serrarm os ou arrancarm os os dentes por causa do m arfim . Entre os elefantes recordam -se com frequência as fam osas palavras pronunciadas por um dos seus profetas, aquelas que dizem , Perdoai-lhes, senhor, porque eles não sabem o que fazem . Eles som os todos nós, e em particular estes que aqui vieram só pela casualidade de o verem m orrer e que neste m om ento iniciaram o cam inho de regresso a valladolid, frustrados com o aquele espectador que seguia um a com panhia de circo para onde quer que ela fosse só para estar presente no dia em que o acrobata caísse fora da rede. Ah, é verdade, um esquecim ento que ainda vam os a tem po de corrigir. Além da sua indiscutível com petência no m anej o da roda do lem e, em tantos séculos de navegação nunca se encontrou nada m elhor que um elefante para trabalhar com o cabrestante.
Instalado o solim ão num espaço do convés delim itado por barrotes, cuj a função, não obstante a aparente robustez da estrutura, seria m ais sim bólica que real, um a vez que sem pre ficaria dependente dos hum ores do anim al, frequentem ente erráticos, fritz foi à procura de novidades. A prim eira, e a m ais óbvia de todas, deveria atender à pergunta, A que porto vai o barco, perguntou a um m arinheiro j á idoso, com cara de boa gente, e dele recebeu a m ais pronta, sintética e elucidativa das respostas, A génova, E isso, onde é, perguntou o cornaca. O hom em pareceu ter dificuldade em entender com o era possível que alguém neste m undo ignorasse onde se encontrava génova, pelo que se contentou com apontar na direção do levante e dizer, Para aquele
lado, Em itália, portanto, adiantou fritz, cuj os reduzidos conhecim entos geográficos lhe perm itiam , ainda assim , correr certos riscos. Sim , em itália, confirm ou o m arinheiro, E viena, onde está, insistiu fritz, Muito m ais para cim a, para além dos alpes, Que são os alpes, Os alpes são um as m ontanhas grandes, enorm es, m uito trabalhosas de atravessar, principalm ente no inverno, não, nunca lá fui, m as tenho ouvido dizer a viaj antes que por lá andaram , Se é assim , o pobre salom ão vai passar um m au bocado, veio da índia, que é terra quente, nunca conheceu o que são os grandes frios, nisso som os iguais, ele e eu, que tam bém de lá vim , Quem é esse salom ão, perguntou o m arinheiro, Salom ão era o nom e que o elefante tinha antes de passar a cham ar-se solim ão, tal com o sucedeu com igo que, tendo sido subhro desde que vim a este m undo, agora sou fritz, Quem vos m udou os nom es, Quem para isso tinha poder, sua alteza o arquiduque que vai neste barco, É ele o dono do elefante, tornou a perguntar o m arinheiro, Sim , e eu sou o tratador, o cuidador, ou o cornaca, que é a palavra certa, o salom ão e eu passám os dois anos em portugal, que não é o pior dos sítios para viver, e agora vam os a cam inho de viena, que dizem ser o m elhor, Pelo m enos, essa fam a tem -na, Oxalá o proveito sej a de idêntica qualidade, e que deem finalm ente descanso ao pobre salom ão, que não nasceu para tais andanças, para viagem j á devia bastar a que tivem os de fazer entre goa e lisboa, o salom ão pertencia ao rei de portugal, dom j oão terceiro, que o ofereceu ao arquiduque, a m im calhou-m e acom panhá-lo, prim eiro na navegação para portugal e agora nesta cam inhada para viena, A isso cham a-se ver m undo, disse o m arinheiro, Não tanto com o andar de porto em porto, respondeu o cornaca, que não chegaria a term inar a frase porque se aproxim ava o arquiduque trazendo atrás de si o inevitável séquito, m as desta vez sem a arquiduquesa, a quem , pelos vistos, solim ão tinha deixado de ser sim pático.
Subhro arredou-se do cam inho, com o se im aginasse que assim passaria despercebido, m as o arquiduque viu-o, Fritz, acom panha-m e, vou ver o elefante, disse. O cornaca chegou-se para a frente sem saber bem onde poderia m eter-se, m as o arquiduque tirou-o de dúvidas, Vai adiante e vê se tudo está em ordem , m andou. Foi um a sorte porque, na ausência do cornaca, solim ão havia decidido que as tábuas do convés eram o m elhor que podia haver para que ali m esm o fossem depositadas as suas urgências fisiológicas, e, em consequência, patinhava, literalm ente, num tapete pastoso de excrem entos e urina. Ao lado, para satisfazer, sem tardança, um a sede repentina, encontrava-se, ainda quase cheia, a dorna da água, além de alguns fardos de forragens, som ente alguns, j á que os restantes haviam sido descidos ao porão. Subhro raciocinou rapidam ente. Pediu aj uda a uns m arinheiros e, todos j untos, uns cinco ou seis hom ens, todos razoavelm ente forçudos, levantaram de um lado a dorna e fizeram sair a água pelo outro lado, em cascata, direita ao m ar. O efeito foi quase instantâneo. Sob o im pulso da água, e graças tam bém às suas qualidades dissolventes, o m alcheiroso caldo de excrem entos foi lançado pela borda fora, com exceção do que perm anecera agarrado à parte inferior das patas do elefante, m as que um segundo j orro, m enos abundante, se encarregou de deixar em estado m ais ou m enos aceitável, assim se dem onstrando, um a vez m ais, não só que o ótim o é inim igo do bom , m as tam bém que o bom , por m uito que se esforce, nunca chegará aos calcanhares do ótim o. O
arquiduque j á pode aparecer. Porém , enquanto chega e não chega, tranquilizem os os leitores, que tão preocupados têm andado pela falta de inform ações sobre o carro de bois que, ao longo das cento e quarenta léguas que separam valladolid de rosas, carregou com a dorna da água e os fardos de forragem . Costum am dizer os franceses, e j á neste tem po principiavam a dizê-lo, que pas de nouvelles, bonnes nouvelles, logo, os leitores que desafoguem a preocupação em que têm
estado a viver, o carro de bois vai no seu cam inho, rum o a valladolid, onde donzelas de todas as condições estão entretecendo colares de flores para adornar com eles a cornam enta dos bovinos à chegada, e não se lhes pergunte por que razão particular o fazem , ao que parece um a delas ouviu dizer, não sabe j á a quem , que era um costum e antigo, talvez do tem po dos gregos e rom anos, esse de se coroarem os bois de trabalho, e, tendo em conta que cam inhar, entre ir e voltar, duzentas e oitenta léguas, não era insignificante labor, a ideia foi recebida com entusiasm o pela com unidade de nobres e plebeus de valladolid, que j á estão a pensar na realização de um grande festej o popular com cavalhadas, fogos de artifício, bodo aos pobres e o m ais que ainda vier a ocorrer à excitada im aginação dos habitantes. Com estas explicações, aliás indispensáveis à tranquilidade presente e futura dos leitores, falhám os a chegada do arquiduque ao elefante, com o qual, aliás, não se perdeu m uito, pois no decurso deste relato, entre o descrito e o não descrito, o m esm o arquiduque j á chegou m uitas vezes aqui e ali, sem surpresas, pois as pragm áticas da corte a tal obrigam , ou então não seriam pragm áticas. Sabem os que o arquiduque se interessou pela saúde e pelo bem -estar do seu elefante solim ão e que fritz lhe deu as respostas apropriadas, sobretudo aquelas que sua alteza arquiducal m ais gostaria de escutar, o que m ostra quanto o antigo e m altrapilho cornaca tem vindo a progredir na aprendizagem das delicadezas e m anhas do perfeito cortesão, ele a quem a bisonha corte portuguesa, neste particular m ais inclinada às beatices de confessionário e sacristia do que ao requinte dos salões m undanos, não tinha servido de guia, tanto m ais que ao cornaca, confinado com o sem pre esteve à pouco asseada cerca de belém , nunca lhe haviam sido feitas propostas para m elhorar a sua educação.
Observou-se que o arquiduque franzia o nariz de vez em quando e fazia uso contínuo de um lencinho perfum ado, o que, inevitavelm ente, tinha de surpreender os olfatos de ferro da m arinhagem , habituada a toda a espécie de pestilências, portanto de todo insensíveis ao pivete que, depois da baldeação, ainda havia ficado por ali, a pairar na atm osfera, apesar do vento.
Cum prida a obrigação de proprietário preocupado com a segurança dos seus haveres, o arquiduque deu-se pressa em retirar-se, levando atrás de si, com o sem pre, a colorida cauda de pavão dos parasitas da corte.
Concluída a estivagem da carga, que desta vez precisou de alguns cálculos m ais com plexos que de costum e por causa da existência de quatro toneladas de elefante arrum adas num espaço reduzido do convés, o barco ficou pronto para zarpar. Levantada a âncora, içadas, além de um pano redondo, as velas triangulares, recuperadas há um século e pico do seu rem oto passado m editerrânico pelos m arinheiros portugueses e a que depois se haveria de dar o nom e de latinas, a nave balançou pesadam ente na ondulação e, após o prim eiro estalej ar do velam e, aproou a génova, na direção de levante, tal com o havia anunciado o m arinheiro. A travessia durou três longos dias, quase sem pre por m ar agitado, com ventos fortes e um a chuva que desabava em bátegas furiosas sobre o dorso do elefante e as serapilheiras com que os m arinheiros à m anobra tentavam proteger-se da m aior. O arquiduque, no quente com a arquiduquesa, não se deixou ver, todas as probabilidades apontam a que estaria a treinar-se para o terceiro filho. Quando a chuva cessou e a torm enta de vento perdeu o fôlego, os passageiros, com passos inseguros, piscando os olhos, com eçaram a em ergir do interior do barco à frouxa luz do dia, a m aior parte deles com a cara desfeita pelo enj oo e olheiras de m eter m edo, de nada lhes servindo, no caso dos couraceiros do arquiduque, por exem plo, o ar de postiça m arcialidade que tentavam recuperar
das rem otas lem branças da terra firm e, incluindo m esm o, se a tanto fosse necessário recorrer, as de castelo rodrigo, não obstante a vergonhosa derrota sofrida, sem que tivesse sido necessário disparar um tiro, perante os hum ildes ginetes portugueses, m al m ontados e m al m uniciados. Ao am anhecer do quarto dia, com m ar calm o e céu descoberto, o horizonte era a costa da ligúria. A luz do farol de génova, a que os habitantes da cidade haviam dado o carinhoso nom e de la lanterna, ia em palidecendo à m edida que desabrochava a claridade m atinal, m as era ainda suficientem ente brilhante para guiar com segurança qualquer em barcação que dem andasse o porto. Duas horas m ais tarde, tendo recebido piloto, o barco penetrava na baía e deslizava lentam ente, com quase todas as velas recolhidas, em direção a um espaço despej ado do cais onde, com o era patente e m anifesto, carruagens e carroças de diverso tipo e finalidades, quase todas atreladas a m ulas, se encontravam a aguardar a caravana. Sendo as com unicações o que eram então, lentas, trabalhosas e pouco eficazes, é de presum ir que, um a vez m ais, os pom bos-correios tivessem tido parte ativa na com plexa operação logística que tornou possível a recepção do barco a tem po e horas, sem dem oras nem atrasos e sem que houvesse necessidade de ficarem uns à espera dos outros. Reconheça-se, j á agora, que um certo tom irónico e displicente introduzido nestas páginas de cada vez que da áustria e seus naturais tivem os de falar, não só foi agressivo, com o claram ente inj usto. Não que fosse essa a intenção nossa, m as, j á sabem os que, nestas coisas da escrita, não é raro que um a palavra puxe por outra só pelo bem que soam j untas, assim m uitas vezes se sacrificando o respeito à leviandade, a ética à estética, se cabem num discurso com o este tão solenes conceitos, e ainda por cim a sem proveito para ninguém . Por essas e por outras é que, quase sem darm os por isso, vam os arranj ando tantos inim igos na vida.
Os prim eiros a aparecer foram os couraceiros. Traziam os cavalos pela rédea para que não escorregassem na prancha de desem barque. As m ontadas, norm alm ente obj eto dos m áxim os m im os e requintes, apresentam um ar descuidado em que é evidente a falta de um a escovagem a fundo que lhes realinhe o pelo e faça brilhar as crinas. Tal com o se nos m ostram agora, qualquer um dirá que são a vergonha da cavalaria austríaca, j uízo inadequado de quem parece ter esquecido a longuíssim a viagem de valladolid a rosas, através de setecentos quilóm etros de m archas contínuas, chuva e ventos desabridos, algum sol sudoroso pelo m eio, e, sobretudo, pó, m uito pó. Não adm ira que os cavalos que acabam de desem barcar tenham aquele aspecto de anim ais em segunda m ão. Apesar de tudo, observe-se com o, algo apartados do cais, por trás da cortina form ada pelos carros, carruagens e outras carretas, os soldados, sob o m ando direto do capitão j á nosso conhecido, se esforçam por m elhorar a aparência das suas m ontadas, a fim de que a guarda de honra a sua alteza, quando chegar a sua hora de desem barcar, tenha a dignidade que se espera em qualquer ato atinente à ilustre casa dos habsburgos. Com o os arquiduques serão os últim os a sair do barco, são grandes as probabilidades de que os cavalos tenham tem po de recuperar ao m enos um a parcela do seu habitual esplendor. Neste m om ento estão a ser descarregadas as bagagens, as dezenas de cofres, arcas e baús onde vêm a rouparia e os m il e um obj etos e adornos que constituem o enxoval continuam ente aum entado do nobre casal. Agora j á há público, e que num eroso ele é. Com o um rastilho, havia corrido a voz pela cidade de que estava desem barcando o arquiduque de áustria, e com ele um elefante da índia, o que teve com o efeito im ediato correrem ao porto dezenas de hom ens e m ulheres, tão curiosos eles com o elas, que em pouco tem po j á eram centenas e com eçavam a dificultar as m anobras de descarga e
carga em curso. Ao arquiduque não o viam , que ainda não saíra dos seus aposentos, m as o elefante ali estava, de pé no convés, enorm e, quase negro, com aquela grossa trom ba tão flexível com o um chicote, com aquelas presas que eram com o sabres apontados, as quais, na im aginação dos curiosos, ignorantes do tem peram ento pacífico do solim ão, teriam sido poderosas arm as de guerra antes de chegarem a transform ar-se, com o inevitavelm ente sucederá, nos crucifixos e relicários que têm coberto de m arfim trabalhado o orbe cristão. A personagem que está gesticulando e dando ordens no cais é o intendente do duque. Ao seu olhar experim entado basta um rápido relance para decidir que carro ou que carroça deverá transportar este cofre, esta arca ou aquele baú. É um a bússola que por m ais que a façam girar a um lado e a outro, por m ais que a torçam e retorçam , sem pre apontará o norte. Arriscam o-nos a dizer que está por estudar a im portância dos intendentes, m as tam bém dos varredores de ruas, no regular funcionam ento das nações. Agora está a ser descarregada a forragem que viaj ou no porão de parceria com os luxos dos arquiduques, m as que a partir daqui será transportada em carros cuj a característica principal é a funcionalidade, isto é, capazes de dar cóm odo ao m aior núm ero de fardos possível. A dorna vai com eles, m as vazia, um a vez que, com o adiante se há-de ver, pelos invernosos cam inhos das terras itálicas do norte e da áustria não irá faltar a água para enchê-la quantas vezes forem necessárias. Agora irá desem barcar o elefante solim ão. O rum oroso aj untam ento de populares genoveses frem e de im paciência, de nervosism o. Se estas m ulheres e estes hom ens fossem perguntados sobre que personagem estavam , neste m om ento, m ais interessados em ver de perto, se o arquiduque, se o elefante, estam os que o elefante ganharia por larga diferença de votos. A ansiosa expectativa da pequena m ultidão desafogou-se num grito, o elefante tinha acabado de fazer subir com a aj uda da trom ba, para cim a de si, um hom em levando o seu saco de pertences.
Era subhro ou fritz, consoante se preferir, o cuidador, o tratador, o cornaca, aquele que tão hum ilhado havia sido pelo arquiduque e que agora, à vista do povo de génova reunido no cais, irá desfrutar de um triunfo quase perfeito. Escarranchado na nuca do elefante, com o saco entre as pernas, vestido agora com a sua suj a indum entária de trabalho, observava com soberba de vencedor a gente que o olhava de queixo caído, sinal absoluto de pasm o segundo se diz, m as que, em verdade, talvez por absoluto ser, nunca pôde ser observado na vida real. Quando m ontava o salom ão, a subhro sem pre lhe havia parecido que o m undo era pequeno, m as hoj e, no cais do porto de génova, alvo dos olhares de centenas de pessoas literalm ente em bevecidas pelo espetáculo que lhes estava sendo oferecido, quer com a sua própria pessoa quer com um anim al em todos os aspectos tão desm edido que obedecia às suas ordens, fritz contem plava com um a espécie de desdém a m ultidão, e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um im perador não são m ais do que cornacas m ontados num elefante. Com um toque do bastão, fez avançar o solim ão em direção à prancha.
A parte da assistência que se encontrava m ais perto recuou assustada, m ais ainda quando o elefante, a m eio da prancha, não se soube nem se saberá porquê, decidiu largar um barrito que, m al com parado, soou aos ouvidos daquela gente com o as trom betas de j ericó e fez desbandar os m ais tim oratos. Ao pisar o cais, porém , talvez por um a ilusão óptica, o elefante pareceu ter subitam ente dim inuído de altura e corpulência. Continuava a ser necessário olhá-lo de baixo para cim a, m as j á não era preciso torcer tanto o pescoço. É o que faz o hábito, a fera, em bora continuando a am edrontar pelo tam anho, parecia haver perdido a auréola da oitava m aravilha do m undo sublunar com que com eçara por apresentar-se aos genoveses, agora é um anim al
cham ado elefante, e nada m ais. Ainda im buído do seu recente descobrim ento sobre a natureza e os suportes do poder, a fritz não lhe caiu nada bem a m udança que tinha acabado de dar-se na consciência da gente, porém , faltava ainda o golpe de m isericórdia do aparecim ento dos arquiduques no convés acom panhados pelo seu séquito m ais privado, sobressaindo desta vez a novidade de duas crianças trazidas ao colo de duas m ulheres que de certeza teriam sido ou ainda são suas am as de leite. Um a dessas crianças, um a m enina de dois anos, podem os anunciá-lo j á, virá a ser a quarta esposa de filipe segundo de espanha e prim eiro de portugal. Com o sem pre costum a dizer-se, pequenas causas, grandes efeitos. Fica assim satisfeito o interesse daqueles leitores que j á viessem estranhando a falta de inform ações sobre a num erosa prole dos arquiduques, dezasseis filhos, recordam os, que precisam ente a pequena ana inaugurou. Ora, com o íam os dizendo, foi aparecer o arquiduque e rebentarem os aplausos e os vivas, que ele agradeceu com um gesto condescendente da m ão direita enluvada. Não desceram pela prancha que até aí havia dado serventia à descarga, m as por um a outra ao lado, lavada e esfregada de fresco, para evitar o m ínim o contato com as conspurcações resultantes dos cascos dos cavalos, das patorras do elefante e dos pés descalços dos carregadores. Deveríam os felicitar o arquiduque pela com petência do intendente que tem , o qual agora m esm o acaba de subir ao barco para inspecionar os lugares, não vá ter caído algum a pulseira de diam antes entre duas tábuas m al aj ustadas. Cá fora, a cavalaria de couraceiros, disposta em duas fileiras apertadas para caberem os anim ais todos, vinte e cinco de cada lado, aguardava a passagem de sua alteza. Já agora, se não fosse o tem or de estarm os a com eter um gravíssim o anacronism o, apetecer-nos-ia im aginar que o arquiduque percorreu a distância até ao seu coche sob um baldaquino de cinquenta espadas desem bainhadas, porém , é m ais do que provável que esse tipo de hom enagem tenha sido ideia de algum dos frívolos séculos posteriores. O arquiduque e a arquiduquesa j á entraram no brilhante e adornado, e no entanto sólido, coche que os aguardava. Agora só há que esperar que a caravana se organize, vinte couraceiros à frente, a abrir a m archa, trinta atrás, a fechá-la, com o força de intervenção rápida, para o caso pouco provável, m as não im possível, de um assalto de bandidos.
É certo que não estam os na calábria ou na sicília, m as sim nas civilizadas terras da ligúria, às quais se hão-se seguir a lom bardia e o veneto, m as, com o no m elhor pano cai a nódoa, com o tantas vezes a sabedoria popular tem avisado, bem faz o arquiduque em m anter a sua retaguarda protegida. Resta saber o que lhe virá do alto céu. Neste m eio-tem po, aos poucos, a transparente e lum inosa m anhã tinha vindo a cobrir-se de nuvens.
A chuva esperava-os à saída de génova. Não há m uito que estranhar, o outono vai adiantado, e esta bátega não é m ais que o prelúdio do concerto, com am plo sortido de tubas, percussão e trom bones, que os alpes j á têm reservado para obsequiar a caravana. Felizm ente para os m enos defendidos contra o m au tem po, referim o-nos em particular aos couraceiros e ao cornaca, revestidos aqueles, com o se fossem carochas de novo tipo, de um frio e desconfortável aço, em poleirado este no cachaço do elefante, onde m ais contundentes se m anifestam as nortadas e os gatos de sete rabos da neve, m axim iliano segundo deu finalm ente ouvidos à infalível sabedoria popular, aquela que anda a repetir desde as prim eiras m adrugadas do m undo que o prevenir será sem pre m elhor que o rem ediar. No percurso até à saída de génova, m andou deter a caravana por duas vezes a fim de serem adquiridos nos com ércios de roupa feita abrigos para os couraceiros e para o cornaca, os quais abrigos, não podendo, por razões facilm ente com preensíveis, dada a falta de planificação da produção, ser harm ónicos no feitio e na cor, ao m enos protegeriam do pior assalto do frio e da chuva os seus afortunados destinatários. Graças à providência do arquiduque pudem os presenciar a rapidez com que os soldados desprenderam dos arções os capotes que lhes haviam sido distribuídos e com o, sem interrom perem a m archa, se m etiam dentro deles exibindo um a alegria m ilitar poucas vezes observada na história dos exércitos. O m esm o fez, ainda que com m aior discrição, o cornaca fritz, antigam ente cham ado subhro. Já aconchegado no grosso capote, ocorreu-lhe que a gualdrapa deixada ao pio gozo do bispo de valladolid teria sido de grande utilidade para um solim ão que a chuva im piedosam ente, lá nas alturas, m altratava. O resultado do tem poral desfeito que com tanta rapidez tinha sucedido às prim eiras e espaçadas bátegas, foi ter saído pouquíssim a gente aos cam inhos a festej ar o solim ão e a saudar sua alteza. Mal fizeram , pois outra ocasião não terão para ver passar, nos tem pos m ais chegados, um elefante ao natural. Quanto a passar o arquiduque, a culpa da incerteza tem -na a insuficiência de inform ação antecipada sobre as deslocações m iúdas da quase im perial pessoa, pode ser que passe, pode ser que não. Mas, no que ao elefante se refere, não tenham os dúvidas, não voltará a pisar estes cam inhos. O tem po escam pou ainda antes de entrarem em piacenza, o que perm itiu um a travessia da cidade m ais de acordo com a grandeza das personagens que iam na caravana, pois os couraceiros puderam despir os capotes e aparecer com todo o seu conhecido esplendor, em lugar da ridícula figura que tinham vindo a fazer desde a saída de génova, de casco de guerra na cabeça e um capote de surrobeco às costas. Desta vez j untou-se m uita gente nas ruas, e, se o arquiduque foi aplaudido por ser quem era, o elefante, pelo m esm o m otivo, não o foi m enos. Fritz não tinha despido o abrigo. Achava que a grosseira indum entária lhe conferia, pela am plitude da confecção, m ais própria de capa que de sim ples capote, um ar de soberana dignidade que condizia perfeitam ente com a m aj estosa passada de solim ão. A falar verdade, j á não lhe im portava tanto que o arquiduque lhe houvesse m udado o nom e. É certo que fritz não conhecia o refrão clássico que diz que para viver em rom a haverá que tornar-se rom ano, m as, em bora não se sentisse nada inclinado a ser austríaco em áustria, cria ser aconselhável para a sua am bição de viver um a existência sossegada dar o m enos
possível nas vistas do vulgo, m esm o tendo que apresentar-se aos olhos da gente cavalgando um elefante, o que, porém , logo de entrada, j á fazia dele um ser excepcional. Aqui vai, pois, em brulhado no seu capote, aspirando com delícia o leve cheiro a bedum exalado pelos panos úm idos. Marchava, com o lhe havia sido ordenado na estrada de valladolid, atrás do coche do arquiduque, de m odo que dava a ideia a quem de longe o visse de ir arrastando atrás de si a enorm e fila de carroças e galeras de carga que com punham o cortej o, e em prim eiro lugar, na sua peugada im ediata, os carros com os fardos de forragem e a dorna da água que a chuva j á fizera transbordar. Era um cornaca feliz, bem longe das estreitezas da vida em portugal, onde, praticam ente, o tinham deixado a vegetar durante dois anos no cercado de belém , vendo partir as naus da índia e ouvindo as cantorias dos frades j erónim os. É possível que o nosso elefante pense, se aquela enorm e cabeça é capaz de sem elhante proeza, pelo m enos espaço não lhe falta, ter razões para suspirar pelo antigo far niente, m as isso só poderia suceder graças à sua ignorância natural de que a indolência é o m ais prej udicial que há para a saúde. Pior que ela só o tabaco, com o lá m ais para diante se há-de ver. Agora, porém , depois de trezentas léguas a andar, grande parte delas por cam inhos que o diabo, apesar dos seus pés de bode, se negaria a pisar, solim ão j á não m erece que lhe cham em indolente. Tê-lo-ia sido durante a perm anência em portugal, m as isso são águas passadas, bastou-lhe ter posto o pé nas estradas da europa para logo ver acordarem em si energias de cuj a existência nem ele próprio havia suspeitado. Tem -se observado com m uita frequência este fenóm eno nas pessoas que, pelas circunstâncias da vida, pobreza, desem prego, foram forçadas a em igrar. Frequentem ente apáticas e indiferentes na terra onde nasceram , tornam -se, quase de um a hora para a outra, ativas e diligentes com o se lhes tivesse entrado no corpo o tão falado m as nunca estudado bicho-carpinteiro, desse falam os, e não daqueles, com uns, que se alim entam da m adeira que roem e são tam bém conhecidos pelos nom es de caruncho ou carcom a. Sem esperar que o acam pam ento im plantado nos arredores de piacenza acabasse de ser m ontado, solim ão j á descansa nos braços do m orfeu dos elefantes. E
fritz, a seu lado, tapado com o capote, ressona com o um bendito de deus. Manhã cedo, tocou a corneta. Tinha chovido durante a noite, m as o céu apresentava-se lim po. Oxalá não venha a cobrir-se de nuvens cinzentas, com o sucedeu ontem . O obj etivo m ais próxim o é a cidade de m ântua, j á na lom bardia, fam osa por m uitas e excelentes razões, sendo um a delas um certo bufão da corte ducal cham ado rigoletto, a cuj as graças e desgraças, lá m ais para diante, o grande giuseppe verdi porá m úsica. A caravana não se deterá em m ântua para apreciar as excelsas obras de arte que abundam na cidade. Mais abundarão em verona para onde, vista a estabilidade do tem po, o arquiduque tinha m andado avançar e que será o cenário escolhido por william shakespeare para a sua the m ost excelent and lam entable tragedy of rom eo and j uliet, não porque m axim iliano segundo de áustria estej a particularm ente curioso de am ores que não são seus, m as porque verona, se não contarm os pádua, será o últim o passo im portante antes de veneza, daí para diante vai ser tudo a subir em direção aos alpes, para o frio norte. Ao que consta, os arquiduques j á conhecem doutras viagens a bela cidade dos doges, aonde, por outro lado, não seria nada fácil fazer entrar as quatro toneladas do solim ão, na suposição de que pensassem levá-lo com o m ascote. Um elefante não é bicho para acom odar-se num a gôndola, se é que elas j á existiam naquela época, pelo m enos com o feitio que agora têm , com a proa levantada e a fúnebre cor negra que as distingue entre todas as m arinhas do m undo, e m uito m enos com um gondoleiro a cantar à popa. No fim de contas, talvez os arquiduques decidam dar um a volta pelo
grande canal e sej am recebidos pelo doge, m as solim ão, os couraceiros todos e a restante equipagem ficarão em pádua, de cara para a basílica de santo antónio, que de lisboa é, reivindiquem o-lo, e não de pádua, num espaço lim po de árvores e outras vegetações. Cada qual no seu lugar será sem pre a m elhor das condições para alcançar a paz universal, salvo se a sabedoria divina dispôs outra coisa.
Foi o caso, na m anhã seguinte, de ter aparecido no ainda m al acordado bivaque um em issário da basílica de santo antónio. Em bora não tivesse usado exatam ente estes term os, disse vir a m andado de um superior da equipa eclesiástica do tem plo para falar com o tratador do elefante.
Três m etros de altura veem -se de longe, e o vulto de solim ão quase enchia o espaço celeste, m as, m esm o assim , o padre pediu que o levassem lá. O couraceiro que o acom panhou foi sacudir o cornaca, o qual, enrolado no capote, ainda dorm ia, Está aí um padre, disse. Optara por falar em castelhano, e foi o m elhor que poderia ter feito, dado que os lim itados conhecim entos da língua alem ã de que o cornaca se havia dotado até hoj e ainda não lhe davam para com preender um a frase tão com plexa. Fritz abriu a boca para perguntar que é que lhe queria o padre, m as logo a fechou, não fosse criar-se ali um a confusão linguística que não se sabe aonde os levaria.
Levantou-se, pois, e dirigiu-se ao sacerdote, que esperava a um a distância prudente, Vossa paternidade quer falar com igo, perguntou, Assim é, m eu filho, respondeu o visitante pondo nestas quatro palavras todas as reservas de unção de que podia dispor, Queira então dizer, padre, És cristão, foi a pergunta, Fui batizado, m as pela m inha cor e pelas m inhas feições, vossa paternidade j á deve ter visto que não sou de cá, Sim , suponho que serás indiano, m as isso não é im pedim ento de que sej as um bom cristão, Não serei eu a dizê-lo, j á que tenho entendido que elogio em boca própria é vitupério, Venho fazer-te um pedido, m as antes quero que m e digas se o teu elefante é dos ensinados, Ensinado, o que se cham a ensinado, no sentido de saber um as quantas habilidades de circo, não o é, m as costum a com portar-se com a dignidade de um elefante que se respeita, Serás capaz de fazê-lo aj oelhar, nem que sej a só com um a perna, Saiba vossa paternidade que nunca experim entei, m as tenho observado que o solim ão se aj oelha m otu proprio quando quer deitar-se, agora do que não posso ter a certeza é de que o faça se eu lho m andar, Podes experim entar, Saiba vossa paternidade que a ocasião não é a m elhor, de m anhã solim ão está quase sem pre m aldisposto, Posso voltar m ais tarde, se achares conveniente, o que aqui m e traz não é sangria desatada, em bora m uito conviesse aos interesses da basílica que acontecesse hoj e, antes que sua alteza o arquiduque de áustria partisse para o norte, Acontecesse hoj e, quê, se não sou dem asiado confiado em perguntar, O m ilagre, disse o padre j untando as m ãos, Que m ilagre, perguntou o cornaca ao m esm o tem po que sentia a cabeça a dar-lhe um a volta, Se o elefante fosse aj oelhar-se à porta da basílica, não te parece que seria um m ilagre, um dos grandes m ilagres da nossa época, perguntou o sacerdote tornando a unir as m ãos, Não sei nada de m ilagres, na m inha terra, lá onde eu nasci, não os há desde que o m undo ficou criado, im agino que toda a criação terá sido um m ilagre pegado, m as depois acabaram -se, Agora estou a ver que afinal não és cristão, Vossa paternidade decidirá, a m im deram -m e um a besuntadela de cristianism o e batizado sou, m as talvez ainda se perceba o que está por baixo, E que é o que está por baixo, Por exem plo, ganeixa, o deus elefante, aquele que está ali a sacudir as orelhas, vossa paternidade vai j á perguntar-m e com o sei eu que o elefante solim ão é um deus, e eu responderei que se há, com o há, um deus elefante, tanto poderá ser aquele com o qualquer outro,
Pelo que ainda espero de ti, perdoo-te as blasfém ias, m as, quando isto term inar, terás de confessar-te, E que espera vossa paternidade de m im , Que leves o elefante à porta da basílica e o faças aj oelhar-se ali, Não sei se serei capaz, Tenta-o, Im agine vossa paternidade que eu levo lá o elefante e ele se recusa a aj oelhar-se, em bora eu não entenda m uito destes assuntos, suponho que pior que não haver m ilagre é encontrar-se com um m ilagre falhado, Nunca terá sido falhado se dele ficaram testem unhas, E quem vão ser essas testem unhas, Em prim eiro lugar, toda a com unidade religiosa da basílica e quantos cristãos dispostos consigam os reunir à entrada do tem plo, em segundo lugar, a voz pública que, com o sabem os, é capaz de j urar o que não viu e afirm ar o que não sabe, Incluindo acreditar em m ilagres que nunca existiram , perguntou o cornaca, São esses os m ais saborosos, dão trabalho a preparar, m as o esforço que pedem é em geral com pensador, além disso, aliviam os de m aiores responsabilidades os nossos santos, E as de deus, A deus nunca o im portunam os para que faça um m ilagre, é preciso respeitar a hierarquia, quando m uito recorrem os à virgem , que tam bém é dotada de talentos taum atúrgicos, Quer-m e parecer, disse o cornaca, que pela vossa igrej a católica anda m uito cinism o, Talvez, m as, se te falo com tanta franqueza, respondeu o sacerdote, é para que percebas que necessitam os m esm o esse m ilagre, esse ou qualquer outro, Porquê, Porque lutero, apesar de m orto, anda a causar grande prej uízo à nossa santa religião, tudo quanto possa aj udar-nos a reduzir os efeitos da predicação protestante será bem -vindo, recorda que ainda só há pouco m ais de trinta anos foram afixadas as suas nefandas teses às portas da igrej a do castelo de wittenberg e o protestantism o vai alastrando com o um a inundação por toda a europa, Não sei nada dessas teses, ou lá o que sej a, Nem precisas de saber, basta que tenhas fé, Fé em deus, ou no m eu elefante, perguntou o cornaca, Em am bos, respondeu o padre, E quanto vou eu ganhar com isto, À igrej a não se pede, dá-se, Nesse caso, vossa paternidade deveria falar antes com o elefante, visto que dele é que dependerá o bom resultado da operação m ilagrosa, Tens um a língua descarada, tem cuidado, não a percas, Que é que m e acontece se eu levar o elefante à porta da basílica e ele não se aj oelhar, Nada, a não ser que suspeitem os que a culpa sej a tua, E se assim fosse, Terias fortes m otivos para te arrependeres. O cornaca achou m ais conveniente render-se, A que horas desej a vossa paternidade que eu leve o anim al, perguntou, Quero-te lá ao m eio-dia em ponto, nem um m inuto m ais, E eu espero que o tem po m e chegue para m eter na cabeça de solim ão que terá de se aj oelhar aos pés de vossas paternidades, Não aos nossos, que indignos som os, m as do nosso santo antónio, e com estas pias palavras retirou-se o padre a dar conta aos seus superiores dos resultados da evangélica diligência, Mas há esperanças, perguntaram -lhe, As m elhores, em bora estej am os nas m ãos do elefante, Um elefante não é um cavalo, não tem m ãos, Foi um a m aneira de falar, com o dizer, por exem plo, que estam os nas m ãos de deus, Com a grande diferença de que, efetivam ente, estam os nas m ãos de deus, Louvado sej a o seu nom e, Louvado sej a, m as, tornando à vaca-fria, porquê estam os nós nas m ãos do elefante, Porque não sabem os o que ele fará quando se encontrar diante da porta da basílica, Fará o que lhe m andar o cornaca, para isso é que está o ensino, Confiem os na benevolente com preensão divina dos factos deste m undo, se deus, com o supom os, quer ser servido, convirá que dê um a aj uda aos seus próprios m ilagres, aqueles que m elhor falarão da sua glória, Irm ãos, a fé pode tudo, deus obrará no que faça falta, Am ém , vozeou em coro a congregação preparando em m ente o arsenal de orações adj uvantes.
Entretanto, fritz procurava, por todos os m eios, que o elefante com preendesse o que pretendia
dele. Não era tarefa fácil para um anim al com opiniões firm es, que im ediatam ente associaria a ação de dobrar os j oelhos à ação seguinte de deitar-se a dorm ir. Pouco a pouco, porém , depois de m uitos golpes, um sem -núm ero de pragas e algum as súplicas desesperadas, com eçou a fazer-se luz no até então renitente cérebro de solim ão, isto é, que devia pôr-se de j oelhos, m as não deitar-se. A m inha vida, chegou a dizer-lhe fritz, está nas tuas m ãos, o que m ostra com o as ideias podem propagar-se, não só por via direta, da boca ao ouvido, m as sim plesm ente porque pairam nas correntes atm osféricas que nos rodeiam , constituindo, por assim dizer, um autêntico banho de im ersão no qual se aprende sem dar por isso. Dada a escassez de relógios, o que m andava naquela época era a altura do sol e o tam anho da som bra que ele fazia proj etar no chão. Foi assim que fritz soube que o m eio-dia se aproxim ava, portanto tem po de levar o elefante à porta da basílica, e a partir daí que sej a o que deus quiser. Lá vai, cavalgando o cachaço de solim ão, com o outras vezes o tem os visto, m as agora trem em -lhe as m ãos e o coração, com o se fosse um m ísero aprendiz de cornaca. Penas perdidas foram . Chegado à porta da basílica, perante um a m ultidão de testem unhas que por todos os tem pos vindouros irão certificar o m ilagre, o elefante, obedecendo a um ligeiro toque na orelha direita, dobrou os j oelhos, não um , com o que j á se daria por satisfeito o padre que viera com o requerim ento, m as am bos, assim se vergando à m aj estade de deus no céu e dos seus representantes na terra. Solim ão recebeu em troca um a generosa aspersão de água benta que chegou a salpicar o cornaca lá em cim a, enquanto a assistência, unanim em ente, caía de j oelhos e a m úm ia do glorioso santo antónio estrem ecia de gozo no túm ulo.
Nessa m esm a tarde, dois pom bos-correios, um m acho e um a fêm ea, levantaram voo da basílica em direção a trento levando a notícia do portentoso m ilagre. Porquê a trento e não a rom a, onde se encontra a cabeça da igrej a, perguntar-se-á. A resposta é fácil, porque em trento está em curso, desde m il quinhentos e quarenta e cinco, um concílio ecum énico em que, pelo que se vai sabendo, se prepara o contra-ataque contra lutero e os seus seguidores. Baste dizer que j á foram prom ulgados decretos sobre a sagrada escritura e a tradição, o pecado original, a j ustificação e os sacram entos em geral. Com preende-se portanto que a basílica de santo antónio, pilar da fé m ais acendrada, necessite estar perm anentem ente instruída sobre o que se passa em trento, ali tão perto, a m enos de vinte léguas de distância, um autêntico passeio à vol d’oiseau para pom bos, que desde há anos andam em corrupio constante entre cá e lá. Desta vez, porém , a prim azia noticiosa tem -na pádua, pois não é todos os dias que um elefante se aj oelha solenem ente à porta de um a basílica, dando assim testem unho de que a m ensagem evangélica se dirige a todo o reino anim al e que o lam entável afogam ento daquelas centenas de porcos no m ar da galileia foi apenas resultado da falta de experiência, quando ainda não estavam bem lubrificadas as rodas dentadas do m ecanism o dos m ilagres. O que im porta hoj e são as extensas filas de fiéis que se vêm form ando no acam pam ento para ver o elefante e beneficiar do negócio da venda de pelos do anim al que fritz rapidam ente organizou para suprir a falta de pagam ento que da tesouraria da basílica ingenuam ente esperara. Não censurem os o cornaca, outros que não fizeram tanto pela fé cristã nem por isso deixaram de ser abundantem ente prebendados. Am anhã se dirá que um a infusão de pelo de elefante, três vezes ao dia, é o m ais soberano dos rem édios nos casos de diarreia aguda e que o dito pelo, m acerado em óleo de am êndoas, resolve, pela via de fricções enérgicas do couro cabeludo, tam bém três vezes ao dia, as m ais desesperadas situações de alopecia. Fritz não tem m ãos a m edir, no bolsinho que traz atado ao cinto as m oedinhas j á pesam , se o acam pam ento perm anecesse aqui um a sem ana acabaria rico. Os clientes não são apenas os de pádua, tam bém está a vir gente de m estre e até m esm o de veneza.
Diz-se que os arquiduques não regressarão hoj e, que talvez não regressem am anhã, que estão m uito a seu gosto no palácio do doge, tudo m otivos de alegria para fritz, que nunca j ulgou ter tantas razões para estar agradecido à casa dos habsburgos. Pergunta a si m esm o por que não lhe teria ocorrido nunca vender pelos de elefante enquanto viveu na índia, e, em seu foro m ais íntim o, pensa que, apesar da abundância exagerada de deuses, subdeuses e dem ónios que as infestam , há m uito m enos superstições nas terras onde nasceu do que nesta parte da civilizada e cristianíssim a europa, que é capaz de com prar às cegas um pelo de elefante e acreditar piam ente nas patranhas do vendedor. Ter de pagar pelos próprios sonhos deve ser o pior dos desesperos.
Afinal, contra os prognósticos do cham ado j ornal da caserna, o arquiduque regressou na tarde do dia seguinte, disposto a reem preender viagem tão cedo quanto fosse possível. A notícia do m ilagre havia chegado ao palácio do doge, m as de um a m aneira bastante baralhada, resultado, desde o relato incom pleto de algum a testem unha m ais ou m enos presencial até aos que sim plesm ente falaram por ouvir dizer, das transm issões sucessivas de factos verdadeiros ou
supostos, ocorridos ou im aginados, pois, com o dem asiado sabem os, quem conta um conto não passa sem lhe acrescentar um ponto, e às vezes um a vírgula. Mandou o arquiduque cham ar o intendente para que lhe aclarasse o sucedido, não tanto o m ilagre em si, m as as razões que haviam levado ao seu com etim ento. Sobre este aspecto particular da questão, faltavam conhecim entos ao intendente, de m odo que foi decidido cham ar o cornaca fritz, que, graças à natureza das suas funções, algo de m ais substancial deveria saber. O arquiduque atacou sem rodeios o assunto, Dizem -m e que houve aqui um m ilagre durante a m inha ausência, Sim , m eu senhor, E que o fez solim ão, Assim é, m eu senhor, Quer dizer, o elefante resolveu, por sua conta, ir aj oelhar-se à porta da basílica, Eu não o diria dessa m aneira, m eu senhor, Então com o o dirias tu, perguntou o arquiduque, Fui eu quem conduziu o solim ão, Calculei que assim fosse, portanto essa inform ação é das dispensáveis, o que eu quero é saber em que cabeça nasceu a ideia, Eu, m eu senhor, só tive de ensinar o elefante a aj oelhar-se à m inha ordem , E a ti, quem te deu a ordem para que o fizesses, Meu senhor, não m e está perm itido falar do assunto, Alguém to proibiu, Não posso dizer que m o tenham proibido expressam ente, m as ao bom entendedor m eia palavra basta, Quem foi que proferiu essa m eia palavra, Meu senhor, Terás m otivos para te arrependeres am argam ente se não responderes sem m ais quês à pergunta, Foi um padre da basílica, Explica-te m elhor, Disse que necessitavam um m ilagre e que esse m ilagre podia ser solim ão a fazê-lo, E tu, que disseste, Que solim ão não estava habituado a fazer m ilagres e que o intento podia correr m al, E o padre, Am eaçou-m e que teria fortes m otivos para m e arrepender se não obedecesse, quase as m esm as palavras que vossa alteza acabou de usar, E que se passou depois, Levei o resto da m anhã a ensinar o solim ão a aj oelhar-se a um sinal m eu, não foi nada fácil, m as acabei por consegui-lo, És um bom cornaca, Vossa alteza confunde-m e, Queres um conselho, Sim , m eu senhor, Aconselho-te a que não fales lá fora desta conversação entre nós, Assim farei, m eu senhor, Para que não tenhas m otivos de arrependim ento, Sim , m eu senhor, não o esquecerei, Vai-te e tira da cabeça de solim ão essa ideia parrana de andar a fazer m ilagres aj oelhando-se à porta das igrej as, de um m ilagre deveria esperar-se m uito m ais, por exem plo, que crescesse um a perna onde outra tivesse sido cortada, im agina a quantidade de prodígios destes que poderiam fazer-se diretam ente no cam po de batalha, Sim , m eu senhor, Vai-te.
Sozinho, o arquiduque com eçou a pensar que talvez tivesse falado em dem asia, que a difusão destas suas palavras, se o cornaca desse com a língua nos dentes, não traria nenhum benefício à delicada política de equilíbrio que tem andado a m anter entre a reform a de lutero e a reação conciliar j á a cam inho. No fim de contas, com o dirá henrique quarto de frança num futuro que não vem longe, paris vale bem um a m issa. Ainda assim , um a pungente m elancolia transparece no delgado rosto de m axim iliano, talvez porque poucas coisas na vida doam m ais que a consciência de haver traído os ideais da j uventude. O arquiduque disse a si m esm o que j á levava idade suficiente para não chorar o leite derram ado, que os úberes pletóricos da igrej a católica ali estavam , com o de costum e, à espera de m ãos habilidosas que os ordenhassem , e os factos, até agora, haviam m ostrado que as arquiducais m ãos não eram de todo desprovidas desse m ungidor talento diplom ático, sob condição de que a dita igrej a antevisse que o resultado do negócio da fé viria a ser, com o tem po, vantaj oso para os seus interesses. Fosse com o fosse, a história do falso m ilagre do elefante passava as m arcas do tolerável, Os da basílica, pensou, perderam a cabeça, tendo um santo com o aquele, hom em para fazer dos cacos de um cântaro um cântaro novo ou, estando em pádua, ir pelos ares a lisboa para salvar o pai da forca, e logo vão pedir a um cornaca
que lhes em preste o elefante para sim ular um m ilagre, ah lutero, lutero, quanta razão tinhas.
Tendo assim desabafado, o arquiduque m andou cham ar o intendente, a quem ordenou que dispusesse a partida para a m anhã seguinte, direitos a trento em um a só etapa se for possível ou dorm indo um a vez m ais no cam inho, se outro rem édio não houver. Respondeu o intendente que a alternativa lhe parecia m ais prudente, pois a experiência havia m ostrado que não se podia contar com solim ão para provas de velocidade, É m ais um corredor de fundo, rem atou, para logo prosseguir, Abusando da credulidade da gente, o cornaca tem estado a vender pelos do elefante para m ezinhas curativas que não vão curar ninguém , Diz-lhe da m inha parte que se não acaba j á com o negócio terá razões para lam entá-lo durante o tem po de vida que lhe restar, que certam ente não será m uito, As ordens de vossa alteza serão im ediatam ente cum pridas, é preciso pôr cobro à trapaça, a história dos pelos de elefante está a desm oralizar a caravana, em especial os couraceiros calvos, Quero este assunto resolvido, não posso im pedir que a fam a do m ilagre de solim ão nos persiga durante toda a viagem , m as ao m enos que não se diga que a casa de habsburgo tira proveito das m alfeitorias de um cornaca m etido a em busteiro, cobrando o im posto sobre o valor acrescentado com o se de um a operação com ercial coberta pela lei se tratasse, Corro a resolver o caso, m eu senhor, o cornaca não ficará a rir-se, é um a pena precisarm os tanto dele para conduzir o elefante até viena, m as espero que lhe sirva de em enda o que aconteceu, Vai, apaga-m e esse fogo antes que alguém com ece a queim ar-se nele. Bem vistas as coisas, fritz não m erecia tão severos j uízos. Está bem que se acuse e denuncie o delinquente, m as um a j ustiça bem entendida deverá ter sem pre em consideração as atenuantes, a prim eira das quais, no caso do cornaca, seria reconhecer que a ideia do enganoso m ilagre não foi sua, que foram os padres da basílica de santo antónio quem tram ou o em buste, sem o qual nunca teria passado pela cabeça de fritz a ideia de explorar o sistem a piloso do causante do aparente prodígio para enriquecer-se. Tanto o nobre arquiduque com o o seu serviçal intendente tinham a obrigação de lem brar-se, para reconhecim ento dos seus pecados m aiores e m enores, um a vez que ninguém neste m undo está isento de culpas, e eles m enos que m uitos, daquele fam oso ditado sobre a trave e o argueiro, que, adaptado às novas circunstâncias, ensina que é m ais fácil ver a trave no olho do vizinho que o pelo do elefante no próprio olho. De todo o m odo, não é este um m ilagre que vá perdurar na m em ória dos povos e das gerações. Ao contrário do que tem e o arquiduque, a fam a do falso prodígio não os perseguirá durante o resto da viagem e em pouco tem po com eçará a dissipar-se. As pessoas que vão na caravana, sej am nobres ou plebeus, m ilitares ou paisanos, terão m uito m ais em que pensar quando as nuvens que se am ontoam sobre a região de trento, por cim a das prim eiras m ontanhas antes da m uralha dos alpes, com eçarem a desfazer-se em chuva, quem sabe se em violento granizo, seguram ente em neve, e os cam inhos se cobrirem de resvaladiço gelo. E então é provável que algum dos que ali vão reconheça, finalm ente, que o pobre elefante não passa de um cúm plice inocente neste grotesco episódio da história contabilística da igrej a e que o cornaca não é m ais do que um produto insignificante dos corrom pidos tem pos que nos calharam viver. Adeus, m undo, cada vez a pior.
Apesar do desej o form ulado pelo arquiduque, não foi possível vencer em um a só etapa a distância entre pádua e trento. É certo que solim ão se esforçou o m ais que pôde, tanto quanto o pôde forçar o cornaca, que pareceu querer vingar-se do fiasco do seu bem iniciado e m al term inado negócio, m as os elefantes, m esm o quando são daqueles que alcançam as quatro
toneladas de peso, tam bém têm , fisicam ente, os seus lim ites. Muita razão tinha o intendente quando o classificou com o corredor de fundo. A bem dizer, foi m elhor assim . Em lugar de chegarem ao lusco-fusco da tarde, quase noite, entraram em trento à hora do m eio-dia, com gente nas ruas e os consequentes aplausos. O céu continuava coberto pelo que parecia um a pegada nuvem , de horizonte a horizonte, m as não chovia. Os m eteorologistas da caravana, que, por vocação, eram quase todos os que nela iam , foram unânim es, Isto é neve, diziam , e da boa.
Chegado o cortej o a trento, esperava-o um a surpresa na praça da catedral de são virgílio. No centro geom étrico da dita praça erguia-se, m ais ou m enos em m etade do tam anho natural, a estátua de um elefante, ou, m elhor dizendo, um a construção de tábuas com todo o ar de terem sido aparelhadas m eio à pressa, a qual, sem excessivos cuidados de exatidão anatóm ica, em bora não lhe faltasse um a trom ba arqueada nem uns dentes em que o m arfim fora substituído por um a dem ão de tinta branca, devia estar representando a solim ão, ou só podia representá-lo a ele, um a vez que outro anim al da m esm a espécie não era esperado por aquelas paragens nem constava que algum outro tivesse feito parte da história de trento, ao m enos no passado recente. Quando encarou com a elefantídea figura, o arquiduque trem eu. Estavam confirm ados os seus piores tem ores, a notícia do m ilagre havia chegado até aqui e as autoridades religiosas do burgo, que j á bastante se aproveitavam , m aterial e espiritualm ente, da celebração do concílio no interior dos seus m uros, tinham visto confirm ada a santidade, por assim dizer adj acente, de trento em relação a pádua e à basílica de santo antónio, e assim decidiram m anifestá-lo levantando em frente da catedral onde se vinham reunindo desde há anos os cardeais, os bispos e os teólogos, um a arm ação sum ária que figurava a m ilagreira criatura. Firm ando m elhor a vista, o arquiduque notou que no dorso do elefante havia um as portinholas grandes, um a espécie de alçapões que im ediatam ente lhe fizeram recordar aquele fam osíssim o cavalo de troia, em bora fosse m ais do que evidente que na barriga da estátua não haveria espaço suficiente nem para um a esquadra de infantes, a não ser que fossem liliputianos, e então nunca poderiam ser tal, um a vez que a palavra ainda não existia. Para tirar-se de dúvidas, o desassossegado arquiduque deu ordem ao intendente para que fosse averiguar que dem ónios estava fazendo ali aquele m al ensam blado m ostrengo que tanta inquietação lhe estava causando. O intendente foi por notícias e voltou com elas. Não havia m otivo para sustos. O elefante fora feito para festej ar a passagem de m axim iliano de áustria pela cidade de trento, e a sua outra finalidade, que realm ente a tinha, seria servir de suporte para os fogos presos que ao cair da noite irrom periam da respectiva carcaça. Respirou aliviado o arquiduque, afinal o feito do elefante não m erecera em trento qualquer especial consideração, salvo talvez a de vir a acabar reduzido a cinzas, pois havia fortes probabilidades de que os rastilhos do fogo de artifício acabassem por pegar à m adeira, proporcionando aos assistentes um final que m uito anos m ais tarde, infalivelm ente, viria a receber o qualificativo de wagneriano.
Assim sucedeu. Depois de um vendaval de cores, em que o am arelo do sódio, o verm elho do cálcio, o verde do cobre, o azul do potássio, o branco do m agnésio, o dourado do ferro, obraram prodígios, em que as estrelas, os repuxos, as vagarosas candeias e as cascatas de lum inárias j orraram do interior do elefante com o de um a inesgotável cornucópia, a festa acabou em um a grande fogueira que não poucos trentinos aproveitaram para aquecer as m ãos, enquanto solim ão, abrigado sob um alpendre construído adrede, ia dando conta do seu segundo fardo de forragem .
Aos poucos a fogueira foi-se convertendo em ardente brasido, m as o frio não deixou que ele durasse m uito, as brasas transform aram -se rapidam ente em cinzas, porém , nesta altura,
term inado o espetáculo principal, j á o arquiduque e a arquiduquesa se haviam retirado. A neve com eçou a cair.