- Não é necessario vir outra vez, minha querida. Tu estás boa, e Cri-cri tambem.
- Mas eu quero o meu lunch... Dize a Sarah que eu posso tomar o meu lunch... E Cri-cri tambem.
- Sim já podeis ambas petiscar alguma cousa...
Fez as suas recommendações á mestra, e depois, apertando a mãosinba da pequena:
- E agora adeus, minha linda Rosicler, uma vez que és Rosicler...
E não quiz ser menos amavel com a boneca, deu-lhe tambem um shake-hands.
Isto pareceu captivar Rosa ainda mais. A ingleza, ao lado, sorria, com duas covinhas na face.
Não era necessario, lembrou Carlos, conservar a creança na cama, nem tortural-a com cautellas exageradas...
- Oh, nò, sir!
E se a dôr reapparecesse, ainda que ligeira, mandal-o logo chamar...
- Oh yes, sir!
E ali deixava o seu bilhete, com a sua adresse.
- Oh thank you, sir!
Ao voltar á sala, o Damaso saltou do sophá, onde percorria um jornal, como uma féra a quem se abre a jaula.
- Credo, imaginei que ias lá ficar toda a vida! Que estivestes tu a fazer? Irra, que estopada!
Carlos, calçando as luvas, sorria, sem responder.
- Então, é cousa de cuidado?
- Não tem nada. Tem uns lindos olhos... E um nome extraordinario.
- Ah, Rosicler, murmurou Damaso, agarrando o chapéo com mau modo; muito ridiculo, não é verdade?
A creada franceza appareceu outra vez a abrir a porta da sala, - dardejando para Carlos o mesmo olhar quente e vivo. Damaso recommendou-lhe muito que dissesse aos senhores, que elle tinha vindo logo com o medico; e que havia de voltar á noite para lhes fazer uma surpreza, e para saber se tinham gostado de Queluz - si ils avaient aimè Queluz.
Depois, ao passar diante do escriptorio, metteu a cabeça, para dizer ao guarda-livros, que a menina estava boa, tudo ficava em socego.
O guarda livros sorrio e cortejou.
- Queres que te vá levar a casa? perguntou elle a Carlos, em baixo, abrindo a porta do coupé, ainda com um resto de mau humor.
Carlos preferia ir a pé.
- E acompanha-me tu um bocado, Damaso, tu agora não tens que fazer.
Damaso hesitou, olhando o céu aspero, as nuvens pesadas de chuva. Mas Carlos tomara-lhe o braço, arrastava-o, amavel e gracejando.
- Agora que te tenho aqui, velhaco, homem fatal, quero o romance... Tu disseste que tinhas um romance. Não te largo. És meu. Venha o romance. Eu sei que os tens sempre bons. Quero o romance!
Pouco a pouco Damaso sorria, as bochechas esbrazeavam-se-lhe de satisfação.
- Vae-se fazendo pela vida, disse elle a estoirar de jactancia.
- Vocês estiveram em Cintra?...
- Estivemos, mas isso não foi divertido... O romance é outro!
Desprendeu-se do braço de Carlos, fez um signal ao cocheiro para que os seguisse, e regalou-se pelo Aterro fóra de contar o seu romance.
- A coisa é esta... O marido d'aqui a dias vai para o Brazil, tem lá negocíos. E ella fica!
Fica com as criadas e com a pequena, á espera, dois ou tres mezes. Diz que já andaram até a vêr casas mobiladas, que ella não quer estar no hotel... E eu, intimo, a única pessoa que ella conhece, mettido de dentro... Hein, percebes agora?
- Perfeitamente, disse Carlos, arrojando para longe o charuto, com um gesto nervoso. E
de certo, a pobre creatura já está fascinada! Já lhe déste, como costumas, um beijo ardente entre duas portas! Já a desgraçada se surtiu da caixa de phosphoros, para mais tarde quando a abandonares!
Damaso enfiava.
- Não venhas já tu com o espirito e com a chufasinha... Não lhe dei beijos que ainda não houve occasião... Mas, o que te posso dizer, é que tenho mulher!
- Pois já era tempo, exclamou Carlos, sem conter um gesto brusco, e atirando-lhe as palavras como chicotadas. Já era tempo! Andavas ahi mettido com umas creaturas ignobeis, uma ralé de lupanar... Emfim, agora ha progresso. E eu gosto que os meus amigos vivam n'uma ordem de sentimentos decentes... Mas vê lá... Não sejas o costumado Damaso! Não te vás pôr a alardear isso pelo Gremio e pela casa Havaneza!
D'esta vez Damaso estacou, suffocado, sem comprehender aquelle modo, semelhante azedume. E terminou por balbuciar, livido:
- Tu podes entender muito de medicina e de bric-a-brac, mas lá a respeito de mulheres, e da maneira de fazer as cousas, não me dás licções...
Carlos olhou-o, com um desejo brutal de o espancar. E de repente, sentio-o tão innofensivo, tão insignificante, com o seu ar bochechudo, e molle, que se envergonhou do surdo despeito que o atravessara, tomou-lhe o braço, teve duas palavras amaveis.
- Damaso, tu não me comprehendeste. Eu não te quiz fazer zangar... É para teu bem... O
que eu receava é que tu, imprudente, arrebatado, apaixonado, fosses perder essa bella aventura por uma indiscríção...
E o outro ficou logo contente, sorrindo já, abandonando-se ao braço do seu amigo, certo que o desejo do Maia era que elle tivesse uma amante chic. Não, elle não se tinha zangado, nunca se zangava com os intimos... Comprehendia bem que o que Carlos dizia era por amisade...
- Mas tu, ás vezes, tens essa cousa que te pegou o Ega, gostas do teu bocadinho de espirito...
E então tranquillisou-o. Não, por imprudencia não havia elle de «perder a cousa».
Aquillo ia com todas as regras. Lá n'isso sobrava-lhe experiencia. A Melanie já a tinha na mão; já lhe dera duas libras.
- Isto de mais a mais é uma cousa muito seria... Ella conhece meu tio, é intima d'elle desde pequena, tratam-se até por tu...
- Que tio?