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É esplendido; e é muito raro... Veja você esse Deft, com as duas tulipas amarellas... É um encanto!

Telles da Gama dava um olhar lento a todas estas preciosidades, tomando o chapéo de sobre o sofá.

- Lindissimo tudo isto!... Então só intenção de lhe arrancar as orelhas? nenhuma de o offender?...

- Nenhuma de o offender, toda de lhe arrancar as orelhas... Fume você um charuto.

- Não, obrigado...

- Calice de cognac?

- Não! abstenção total de bebidas e aguas ardentes... Pois adeus, meu bom Maia!

- Adeus, meu bom Telles...

Ao outro dia, por uma radiante manhã de julho, Carlos saltava do coupé, com um mólho de chaves, diante do portão da quinta do Craft. Maria Eduarda devia chegar ás dez horas, só, na sua carruagem da Companhia. O hortelão, dispensado por dois dias, fôra a Villa Franca; não havia ainda criados na casa; as janellas estavam fechadas. E pesava alli, envolvendo a estrada e a vivenda, um d'esses altos e graves silencios d'aldêa, em que se sente, dormente no ar, o zumbir dos moscardos.

Logo depois do portão, penetrava-se n'uma fresca rua d'acacias, onde cheirava bem. A um lado, por entre a ramagem, apparecia o kiosque, com tecto de madeira, pintado de

vermelho, que fôra o capricho de Craft, e que elle mobilára á japoneza. E ao fundo era a casa, caiada de novo, com janellas de peitoril, persianas verdes, e a portinha ao centro sobre tres degraus, flanqueados por vasos de louça azul cheios de cravos.

Só o metter a chave devagar e com uma inutil cautela na fechadura d'aquella morada discreta foi para Carlos um prazer. Abriu as janellas: e a larga luz que entrava pareceu-lhe trazer uma doçura rara, e uma alegria maior que a dos outros dias, como preparada especialmente pelo bom Deus para alumiar a festa do seu coração. Correu logo á sala de jantar, a verificar se, na mesa posta para o lunch, se conservavam ainda viçosas as flôres que lá deixára na vespera. Depois voltou ao coupé a tirar o caixote de gelo, que trouxera de Lisboa, embrulhado em flanella, entre serradura. Na estrada, silenciosa por ora, ia só passando uma saloia montada na sua egua.

Mas apenas accommodára o gelo - sentiu fóra o ruido lento da carruagem. Veio para o gabinete forrado de cretones, que abria sobre o corredor; e ficou alli, espreitando da porta, mas escondido, por causa do cocheiro da Conpanhia. D'ahi a um instante viu-a emfim chegar, pela rua de acacias, alta e bella, vestida de preto, e com um meio-véo espesso como uma mascara. Os seus pésinhos subiram os tres degraus de pedra. Elle sentiu a sua voz inquieta perguntar de leve:

- Êtes-vous là?

Appareceu - e ficaram um instante, á porta do gabinete, apertando sofregamente as mãos, sem fallar, commovidos, deslumbrados.

- Que linda manhã! disse ella por fim, rindo e toda vermelha.

- Linda manhã, linda! repetia Carlos, contemplando-a, enlevado.

Maria Eduarda resvalára sobre uma cadeira, junto da porta, n'um cansaço delicioso, deixando calmar o alvoroço do seu coração.

- É muito confortavel, é encantador tudo isto, dizia ella olhando lentamente em redor os cretones do gabinete, o divan turco coberto com um tapete de Brousse, a estante envidraçada cheia de livros. Vou ficar aqui adoravelmente...

- Mas ainda nem lhe agradeci o ter vindo, murmurou Carlos, esquecido a olhar para ella. Ainda nem lhe beijei a mão...

Maria Eduarda começou atirar o véo, depois as luvas, fallando da estrada. Achara-a longa, fatigante. Mas que lhe importava? Apenas se accommodasse n'aquelle fresco ninho nunca mais voltava a Lisboa!

Atirou o chapéo para cima do divan - ergueu-se, toda alegre e luminosa.

- Vamos vêr a casa, estou morta por vêr essas maravilhas do seu amigo Craft!... É Craft que se chama? Craft quer dizer industria!

- Mas ainda nem sequer lhe beijei a mão! tornou Carlos, sorrindo e supplicante.

Ella estendeu-lhe os labios, e ficou presa nos seus braços.

E Carlos, beijando-lhe devagar os olhos, o cabello, dizia-lhe quanto era feliz e quanto a sentia agora mais sua entre estes velhos muros de quinta que a separavam do resto do mundo...

Ella deixava-se beijar, séria e grave:

- E é verdade isso? É realmente verdade?...

Se era verdade! Carlos teve um suspiro quasi triste:

- Que lhe hei de eu responder? Tenho de lhe repetir essa coisa antiga que já Hamlet disse: que duvide de tudo, que duvide do sol, mas que não duvide de mim...

Maria Eduarda desprendeu-se, lentamente e perturbada.

- Vamos vêr a casa, disse ella.

Começaram pelo segundo andar. A escada era escura e feia: mas os quartos em cima, alegres, esteirados de novo, forrados de papeis claros, abriam sobre o rio e sobre os campos.

- Os seus aposentos, disse Carlos, hão de ser em baixo, está visto, entre as coisas ricas... Mas Rosa e miss Sarah ficam aqui esplendidamente. Não lhe parece?

E ella percorria os quartos, devagar, examinando a accommodação dos armarios, palpando a elasticidade dos colxões, attenta, cuidadosa, toda no desvelo de alojar bem a sua gente. Por vezes mesmo exigia uma alteração. E era realmente como se aquelle homem que a seguia, enternecido e radiante, fosse apenas um velho senhorio.

- O quarto com as duas janellas, ao fundo do corredor, seria o melhor para Rosa. Mas a pequena não póde dormir n'aquelle enorme leito de pau preto...

- Muda-se!

- Sim, póde mudar-se... E falta uma sala larga para ella brincar, ás horas do calor... Se não houvesse o tabique entre os dois quartos pequenos...

- Deita-se abaixo

Elle esfregava as mãos, encantado, prompto a refundir toda a casa; e ella não recusava nada, para conforto mais perfeito dos seus.

Desceram á sala de jantar. E ahi, diante da famosa chaminé de carvalho lavrado, flanqueada á maneira de cariatides pelas duas negras figuras de Nubios, com olhos rutilantes de crystal, Maria Eduarda começou a achar o gosto do Craft excentrico, quasi exotico... Tambem Carlos não lhe dizia que Craft tivesse o gosto correcto d'um atheniense.

Era um saxonio batido d'um raio de sol meridional: mas havia muito talento na sua excentricidade...

- Oh, a vista é que é deliciosa! exclamou ella chegando-se á janella.

Junto do peitoril crescia um pé de margaridas, e ao lado outro de baunilha que perfumava o ar. Adiante estendia-se um tapete de relva, mal aparada, um pouco amarellada já pelo calor de julho; e entre duas grandes arvores que lhe faziam sombra, havia alli, para os vagares da sésta, um largo banco de cortiça. Um renque de arbustos cerrados parecia fechar a quinta d'aquelle lado como uma sebe. Depois a collina descia, com outras quintarolas, casas que se não viam, e uma chaminé de fabrica; e lá no fundo o rio rebrilhava, vidrado de azul, mudo e cheio de sol, até ás montanhas d'além-Tejo, azuladas tambem na faiscação clara do céo de verão.

- Isto é encantador! repetia ella.

- É um paraiso! Pois não lhe dizia eu? É necessario pôr um nome a esta casa... Como se ha de chamar? Villa-Marie? Não. Château-Rose... Tambem não, crédo! Parece o nome d'um vinho. O melhor é baptisal-a definitivamente com o nome que nós lhe davamos. Nós chamavamos-lhe a Tóca.

Maria Eduarda achou originalissimo o nome de Tóca. Devia-se até pintar em letras vermelhas sobre o portão.

- Justamente, e com uma divisa de bicho, disse Carlos rindo. Uma divisa de bicho egoista na sua felicidade e no seu buraco: Não me mexam!

Mas ella parára, com um lindo riso de surpreza, diante da mesa posta, cheia de fruta, com as duas cadeiras já chegadas, e os crystaes brilhando entre as flôres.

- São as bodas de Canná!

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