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Quando chegava a época da venda dos produtos, que era sempre anterior à saída da armada de Lisboa, metade da banda dos aventureiros ia à cidade do Rio de Janeiro, apurava o ganho, fazia a troca dos objetos necessários, e na volta prestava suas contas. Uma parte dos lucros

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pertencia ao fidalgo, como chefe; a outra era distribuída igualmente pelos quarenta aventureiros, que a recebiam em dinheiro ou em objetos de consumo.

Assim vivia, quase no meio do sertão, desconhecida e ignorada essa pequena comunhão de homens, governando-se com as suas leis, os seus usos e costumes; unidos entre si pela ambição da riqueza, e ligados ao seu chefe pelo respeito, pelo hábito da obediência e por essa superioridade moral que a inteligência e a coragem exercem sobre as massas.

Para D. Antônio e para seus companheiros a quem ele havia imposto sua fidelidade, esse torrão brasileiro, esse pedaço de sertão, não era senão um fragmento de Portugal livre, de sua pátria primitiva; ai só se reconhecia como rei ao duque de Bragança, legitimo herdeiro da coroa; e quando se corriam as cortinas do dossel da sala, as armas que se viam, eram as cinco quinas portuguesas, diante das quais todas as frontes inclinavam.

D. Antônio tinha cumprido o seu juramento de vassalo leal; e, com a consciência tranqüila por ter feito o seu dever, com a satisfação que dá ao homem o mando absoluto, ainda mesmo em um deserto, rodeado de seus companheiros que ele considerava amigos, vivia feliz no seio de sua pequena família.

Esta se compunha de quatro pessoas:

Sua mulher, D. Lauriana, dama paulista, imbuída de todos os prejuízos de fidalguia e de todas as abusões religiosas daquele tempo; no mais, um bom coração, um pouco egoísta, mas não tanto que não fosse capaz de um ato de dedicação.

Seu filho, D. Diogo de Mariz, que devia mais tarde prosseguir na carreira de seu pai, e lhe sucedeu em todas as honras e forais; ainda moço, na flor da idade, gastava o tempo em correrias e caçadas.

Sua filha, D. Cecília, que tinha dezoito anos, e que era a deusa desse pequeno mundo que ela iluminava com o seu sorriso, e alegrava com o seu gênio travesso e a sua mimosa feceirice.

D. Isabel, sua sobrinha, que os companheiros de D. Antônio, embora nada dissessem, suspeitavam ser o fruto dos amores do velho fidalgo por uma índia que havia cativado em uma das suas explorações.

Demorei-me em descrever a cena e falar de algumas das principais personagens deste drama porque assim era preciso para que bem se compreendam os acontecimentos que depois se passaram.

Deixarei porém que os outros perfis se desenhem por si mesmos.

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III A BANDEIRA

Era meio-dia.

Um troço de cavaleiros, que constaria quando muito de quinze pessoas, costeava a margem direita do Paraíba,

Estavam todos armados da cabeça até aos pés além da grande espada de guerra que batia as ancas do animal, cada um deles trazia à cinta dois pistoletes, um punhal na ilharga do calção, e o arcabuz passado a tiracolo pelo ombro esquerdo.

Pouco adiante, dois homens a pé tocavam alguns animais carregados de caixas e outros volumes cobertos com uma sarapilheira alcatroada, que os abrigava da chuva.

Quando os cavaleiros, que seguiam a trote largo, venciam a pequena distancia que os separava da tropa, os dois caminheiros, para não atrasarem a marcha, montavam na garupa dos animais e ganhavam de novo a dianteira.

Naquele tempo dava-se o nome de bandeiras a essas caravanas de aventureiros que se entranhavam pelos sertões do Brasil, à busca de ouro, os brilhantes e esmeraldas, ou à descoberta de rios e terras ainda desconhecidos. A que nesse

momento costeava a margem do Paraíba, era da mesma natureza; voltava do Rio de Janeiro, onde fora vender os produtos de sua expedição pelos terrenos auríferos.

Uma das ocasiões, em que os cavaleiros se aproximaram da tropa que seguia a alguns passos, um moço de vinte e oito anos, bem parecido, e que marchava à frente do troço, governando o seu cavalo com muito garbo e gentileza, quebrou o silêncio geral.

— Vamos, rapazes! disse ele alegremente aos caminheiros; um pouco de diligência, e chegaremos com cedo. Restam-nos apenas umas quatro léguas!

Um dos bandeiristas, ao ouvir estas palavras, chegou as esporas à cavalgadura, e avançando algumas braças, colocou-se ao lado do moço.

— Ao que parece, tendes pressa de chegar, Sr. Álvaro de Sá? disse ele com um ligeiro acento italiano, e um meio sorriso cuja expressão de ironia era disfarçada por uma benevolência suspeita.

— Decerto, Sr. Loredano; nada é mais natural a quem viaja, do que o desejo de chegar.

— Não digo o contrário; mas confessareis que nada também é mais natural a quem viaja, do que poupar os seus animais.

— Que quereis dizer com isto, Sr. Loredano? perguntou Álvaro com um movimento de enfado.

— Quero dizer, sr. cavalheiro, respondeu o italiano em tom de mofa e medindo com os olhos a altura do sol, que chegaremos hoje pouco antes das seis horas.

Álvaro corou.

— Não vejo em que isto vos causa reparo; a alguma hora havíamos chegar; e melhor é que seja de dia, do que de noite.

— Assim como melhor é que seja em um sábado do que em outro qualquer dia!

replicou o italiano no mesmo tom.

Um novo rubor assomou às faces de Álvaro, que não pôde disfarçar o seu enleio; mas, recobrando o desembaraço, soltou uma risada, e respondeu: Página 10

— Ora, Deus, Sr. Loredano; estais ai a falar-me na ponta dos beiços e com meias palavras; à fé de cavalheiro que não vos entendo.

— Assim deve ser. Diz a Escritura que não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir.

— Oh! temos anexim! Aposto que aprendeste isto agora em São Sebastião: foi alguma velha beata, ou algum licenciado em cânones que vo-lo ensinou? disse o cavalheiro gracejando.

— Nem um nem outro, sr. cavalheiro; foi um fanqueiro da Rua dos Mercadores, que por sinal também me mostrou custosos brocados e lindas arrecadas de pérolas, bem próprias para o mimo de um gentil cavalheiro à sua dama.

Álvaro enrubesceu pela terceira vez

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