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— E desde o sol alto que dormes, não é assim? perguntou a outra gracejando.

— Não, não dormi nem um instante, mas não sei o que tenho hoje que me sinto triste.

— Triste! tu, Cecília? não creio; era mais fácil não cantarem as aves ao nascer do sol.

— Está bem! não queres acreditar!

— Mas vem cá! Por que razão hás de estar triste, tu que durante todo o ano só tens um sorriso, tu que és alegre e travessa como um passarinho?

— É para veres! Tudo cansa neste mundo.

— Ah! compreendo! estás enfastiada de viver aqui nestes ermos.

— Já me habituei tanto a ver estas árvores, este rio, estes montes, que quero-lhes como se me tivessem visto nascer.

— Então o que é que te faz triste?

— Não sei; falta-me alguma coisa.

— Não vejo o que possa ser. Sim!... já adivinho!

— Adivinhas o quê? perguntou Cecília admirada.

— Ora! o que te falta.

— Se eu mesma não sei! disse a moça sorrindo.

— Olha, respondeu Isabel; ali está a tua rola esperando que a chames, e o teu veadinho que te olha com os seus olhos doces; só falta o outro animal selvagem.

— Peri! exclamou Cecília rindo-se da idéia de sua prima.

— Ele mesmo! Só tens dois cativos para fazeres as tuas travessuras; e como não vês o mais feio, e o mais desengraçado, estás aborrecida.

Página 20

— Mas agora me lembro, disse Cecília tu já o viste hoje?

— Não; nem sei o que é feito dele.

— Saiu antes de ontem à tarde; não vá ter-lhe sucedido alguma desgraça! disse a moça estremecendo.

— Que desgraça queres tu que lhe possa suceder? Não anda ele todo dia batendo o mato, e correndo como uma fera bravia?

— Sim; mas nunca lhe sucedeu ficar tanto tempo fora, sem voltar à casa.

— O mais que pode acontecer, é terem-lhe apertado as saudades da sua vida antiga e livre.

— Não! exclamou a moça com vivacidade; não é possível que nos abandonasse assim!

— Mas então que pensas que andará fazendo por esse sertão?

— E verdade!... disse a moça preocupada.

Cecília ficou um momento com a cabeça baixa, quase triste; nesta posição, a vista caiu sobre o veado, que fitava nela a sua pupila negra com toda a languidez e suavidade, que a natureza pusera em seus olhos.

A moça estendeu a mão e deu com a ponta dos dedos um estalinho, que fez o lindo animal saltar de alegria e vir pousar a cabeça no seu regaço.

— Tu não abandonarás tua senhora, não é? disse ela passando a mão sobre o seu pêlo acetinado.

— Não faças caso, Cecília, replicou Isabel reparando na melancolia da moca; pedirás a meu tio para caçar-te outro que farás domesticar, e ficará mais manso do que o teu Peri.

— Prima, disse a moça com um ligeiro tom de repreensão, tratas muito injustamente esse pobre índio que não te fez mal algum.

— Ora, Cecília, como queres que se trate um selvagem que tem a pele escura e o sangue vermelho? Tua mãe não diz que um índio é um animal como um cavalo ou um cão?

Estas últimas palavras foram ditas com uma ironia amarga, que a filha de Antônio de Mariz compreendeu perfeitamente.

— Isabel!... exclamou ela ressentida.

— Sei que tu não pensas assim, Cecília; e que o teu bom coração não olha a cor do rosto para conhecer a alma. Mas os outros?... Cuidas que não percebo o desdém com que me tratam?

— Já te disse por vezes que é uma desconfiança tua; todos te querem, e te respeitam como devem.

Isabel abanou tristemente a cabeça.

— Vai-te bem o consolar-me; mas tu mesma tens visto se eu tenho razão.

— Ora, um momento de zanga de minha mãe...

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