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Decididamente o sarcástico italiano, com o seu espírito mordaz, achava meio de ligar a todas as perguntas do moço uma alusão que o incomodava; e isto no tom o mais natural do mundo.

Álvaro quis cortar a conversação neste ponto; mas o seu companheiro prosseguiu com extrema amabilidade:

— Não entrastes por acaso na loja desse fanqueiro de que vos falei, sr.

cavalheiro?

— Não me lembro; é de crer que não, pois apenas tive tempo de arranjar os nossos negócios, e nem um me restou para ver essas galantarias de damas e fidalgas, disse o moço com frieza.

— É verdade! acudiu Loredano com uma ingenuidade simulada; isto me faz lembrar que só nos demoramos no Rio de Janeiro cinco dias, quando das outras vezes eram nunca menos de dez e quinze.

— Tive ordem para haver-me com toda a rapidez; e creio, continuou fitando no italiano um olhar severo, que não devo contas de minhas ações senão àqueles a quem dei o direito de pedi-las.

Per Bacco, cavalheiro! Tomais as coisas ao revés. Ninguém vos pergunta por que motivo fazeis aquilo que vos praz; mas também achareis justo que cada um pense à sua maneira.

— Pensai o que quiserdes! disse Álvaro levantando os ombros e avançando o passo da sua cavalgadura.

A conversa interrompeu-se.

Os dois cavaleiros, um pouco adiantados ao resto do troço, caminhavam silenciosos um a par do outro.

Álvaro às vezes enfiava um olhar pelo caminho como para medir a distancia que ainda tinham de percorrer, e outras vezes parecia pensativo e preocupado.

Nestas ocasiões, o italiano lançava sobre ele um olhar a furto, cheio de malícia e ironia; depois continuava a assobiar entredentes uma cançoneta de condottiere, de quem ele apresentava o verdadeiro tipo.

Um rosto moreno, coberto por uma longa barba negra, entre a qual o sorriso desdenhoso fazia brilhar a alvura de seus dentes; olhos vivos, a fronte larga, descoberta pelo chapéu desabado que caía sobre o ombro; alta estatura, e uma constituição forte, ágil e musculosa, eram os principais traços deste aventureiro.

A pequena cavalgata tinha deixado a margem do rio, que não oferecia mais caminho, e tomara por uma estreita picada aberta na mata.

Apesar de ser pouco mais de duas horas, o crepúsculo reinava nas profundas e sombrias abóbadas de verdura: a luz, coando entre a espessa folhagem, se decompunha inteiramente;

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nem uma réstia de sol penetrava nesse templo da criação, ao qual serviam de colunas os troncos seculares dos acaris e araribás.

O silêncio da noite, com os seus rumores vagos e indecisos e os seus ecos amortecidos, dormia no fundo dessa solidão, e era apenas interrompido um momento pelo passo dos animais, que faziam estalar as folhas secas.

Parecia que deviam ser seis horas da tarde, e que o dia caindo envolvia a terra nas sombras pardacentas do ocaso.

Álvaro de Sá, embora habituado a esta ilusão, não pôde deixar de sobressaltar-se um instante, em que, saindo da sua meditação, viu-se de repente no meio do claro-escuro da floresta.

Involuntariamente ergueu a cabeça para ver se através da cúpula de verdura descobria o sol, ou pelo menos alguma centelha de luz que lhe indicasse a hora.

Loredano não pôde reprimir a risada sardônica que lhe veio aos lábios.

— Não vos dê cuidado, sr. cavalheiro, antes de seis horas li estaremos; sou eu que vo-lo digo. O moço voltou-se para o italiano, rugando o sobrolho.

— Sr. Loredano, é a segunda vez que dizeis esta palavra em um tom que me desagrada; pareceis querer dar a entender alguma coisa, mas falta-vos o animo de a proferir. Uma vez por todas, falai abertamente, e Deus vos guarde de tocar em objetos que são sagrados.

Os olhos do italiano lançaram uma faisca; mas o seu rosto conservou-se calmo e sereno.

— Bem sabeis que vos devo obediência, sr. cavalheiro, e não faltarei dela.

Desejais que fale claramente, e a mim me parece que nada do que tenho dito pode ser mais claro do que é.

— Para vós, não duvido; mas isto não é razão de que o seja para outros.

— Ora dizei-me, sr. cavalheiro; não vos parece claro, à vista do que me ouvistes, que adivinhei o vosso desejo de chegar o mais depressa possível?

— Quanto a isto, já vos confessei eu; não há pois grande mérito em adivinhar.

— Não vos parece claro também que observei haverdes feito esta expedição com a maior rapidez, de modo que em menos de vinte dias eis-nos ao cabo dela?

— Já vos disse que tive ordem, e creio que nada tendes a opor.

— Não decerto; uma ordem é um dever, e um dever cumpre-se com satisfação, quando o coração nele se interessa.

— Sr. Loredano! disse o moço levando a mão ao punho da espada e colhendo as rédeas.

O italiano fez que não tinha visto o gesto de ameaça; continuou:

— Assim tudo se explica. Recebestes uma ordem; foi de D. Antônio de Mariz, sem dúvida?

— Não sei que nenhum outro tenha direito de dar-me, replicou o moço com arrogância.

— Naturalmente por virtude desta ordem, continuou o italiano cortesmente, partistes do Paquequer em uma segunda-feira, quando o dia designado era um domingo.

— Ah! também reparastes nisto? perguntou o moço mordendo os beiços de despeito.

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