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Chegou-se ao fosso.

Uma cortina de musgos e trepadeiras lastrando pelas bordas do profundo precipício cobria as fendas da pedra; por cima era um tapete de verde risonho sobre o qual adejavam as borboletas de cores vivas; embaixo uma cava cheia de limo onde a luz não penetrava.

Às vezes ouviam-se partir do fundo do balseiro os silvos das serpentes, os pios tristes de algum pássaro, que magnetizado ia entregar-se à morte; ou o tanger de um pequeno chocalho sobre a pedra.

Quando o sol estava a pino, como então, via-se entre a relva, sobre o cálice das campânulas roxas, os olhos verdes de alguma serpente, ou uma linda fita de escamas pretas e vermelhas enlaçando a haste de um arbusto.

Peri pouco se importava com estes habitantes do fosso e com o acolhimento que lhe fariam na sua morada; o que o inquietava era o receio de que não tivesse luz bastante no fundo para descobrir o objeto que ia procurar.

Cortou o galho de uma árvore, que pela sua propriedade, os colonizadores chamaram candeia; tirou o fogo, e começou a descer com o facho aceso. Foi só nessa ocasião que Cecília embebida nos seus pensamentos, viu defronte de sua janela o índio a descer pela encosta.

A menina assustou-se; porque a presença de Peri lembrou-lhe de repente o que se passara pela manhã; era mais uma afeição perdida.

Dois laços quebrados ao mesmo tempo, dois hábitos rompidos um sobre o outro, era muito; duas lágrimas correram pelas suas faces, como se cada uma fosse vertida pelas cordas do coração que acabavam de ser vibradas.

— Peri!

O índio levantou os olhos para ela.

— Tu choras, senhora? disse ele estremecendo.

A menina sorriu-lhe; mas com um sorriso tão triste que partia a alma.

— Não chora, senhora, disse o índio suplicante; Peri vai te dar o que desejas.

— O que eu desejo?

— Sim; Peri sabe.

A moça abanou a cabeça.

— Está ali; e apontou para o fundo do precipício.

— Quem te disse? perguntou a menina admirada.

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— Os olhos de Peri.

— Tu viste?

— Sim.

O índio continuou a descer.

— Que vais fazer? exclamou Cecília assustada.

— Buscar o que é teu.

— Meu!... murmurou melancolicamente.

— Ele te deu.

— Ele quem?

— Álvaro.

A moça corou; mas o susto reprimiu o pejo; abaixando os olhos sobre o precipício, tinha visto um réptil deslizando pela folhagem e ouvido o murmúrio confuso e sinistro que vinha do fundo do abismo.

— Peri, disse empalidecendo, não desças; volta!

— Não; Peri não volta sem trazer o que te fez chorar.

— Mas tu vais morrer!

— Não tem medo.

— Peri, disse Cecília com severidade, tua senhora manda que não desças.

O índio parou indeciso; uma ordem de sua senhora era uma fatalidade para ele; cumpria-se irremissivelmente.

Fitou na moça um olhar tímido; nesse momento Cecília, vendo Álvaro na ponta da esplanada junto da cabana do selvagem, retirava-se para dentro da janela corando.

O índio sorriu.

— Peri desobedecer à tua voz, senhora, para obedecer ao teu coração. E o índio desapareceu sob as trepadeiras que cobriam o precipício. Cecília soltou um grito, e debruçou-se no parapeito à janela.

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