— Não importa; quando voltarmos prometo-te que ficaremos bem irmãs.
Dizendo isto Cecília sorria maliciosamente.
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Tinham chegado à frente da casa. D. Lauriana conversava com seu filho D.
Diogo, enquanto D. Antônio de Mariz e Álvaro passeavam pela esplanada conversando.
Cecília se dirigiu ao pai, levando Isabel, que ao aproximar-se do jovem cavalheiro sentiu fugir-lhe a vida.
— Meu pai, disse a menina, nós queremos dar um passeio. A tarde está tão linda!
Se eu vos pedisse e ao Sr. Álvaro para que nos acompanhassem?
— Nós faríamos como sempre que tu pedes, respondeu o fidalgo galanteando; cumpriríamos a tua ordem.
— Oh! ordem não, meu pai! Desejo apenas!
— E o que são os desejos de um lindo anjinho como tu?
— Assim, nos acompanhais?
— Decerto.
— E vós, Sr. Álvaro?
— Eu... obedeço.
Cecília falando ao moço não pôde deixar de corar; mas venceu a perturbação e seguiu com sua prima para a escada que descia ao vale.
Álvaro estava triste; depois da conversa que tivera com Cecília, vira- a durante o jantar; a menina evitava os seus olhares, e nem uma só vez lhe dirigira a palavra.
O moço supunha que tudo isto era resultado de sua imprudência da véspera; mas Cecília mostrava-se tão alegre e satisfeita que parecia impossível ter conservado a lembrança da ofensa de que ele se acusava.
A maneira por que a menina o tratava tinha mais de indiferença do que de ressentimento: dir-se-ia que esquecera tudo que havia passado; nem guardava já a mínima lembrança da manhã. Era isto o que tornara Álvaro triste, apesar da felicidade que sentira quando D. Antônio o chamara seu filho; felicidade que às vezes parecia-lhe um sonho encantador que ia esvaecer-se.
As duas moças haviam chegado ao vale, e seguiam por entre as moitas de arvoredo que bordavam o campo formando um gracioso labirinto. Às vezes Cecília desprendia-se do braço de sua prima, e correndo pela vereda sinuosa que recortava as moitas de arbustos, escondia-se por detrás da folhagem e fazia com que Isabel a procurasse debalde por algum tempo. Quando sua prima por fim conseguia descobri-la, riam-se ambas, abraçavam-se e continuavam o inocente folguedo.
Uma ocasião porém Cecília, deixou que D. Antônio e Álvaro se aproximassem; a menina tinha um olhar tão travesso e um sorriso tão brejeiro, que Isabel ficou inquieta.
— Esqueci-me dizer-vos uma coisa, meu pai.
— Sim! E o que é?
— Um segredo.
— Pois vem contar-mo.
Cecília separou-se de Isabel; chegando-se para o fidalgo, tomou-lhe o braço.
— Tende paciência por um instante, Sr. Álvaro, disse ela voltando-se; conversai com Isabel; dizei-lhe vossa opinião sobre aquele lindo bracelete... Ainda não o vistes?
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E sorrindo afastou-se ligeiramente com seu pai; o segredo que ela tinha, era a travessura que acabava de praticar, deixando Álvaro e Isabel sós, depois de lhes ter lançado uma palavra, que devia produzir o seu efeito.
A emoção que sentiram os dois moços ouvindo o que dissera Cecília é impossível de descrever.
Isabel suspeitou o que se tinha passado; conheceu que Cecília, a enganara para obrigá-la a aceitar o presente de Álvaro; o olhar que sua prima lhe lançara afastando-se com seu pai, lho tinha revelado.
Quanto a Álvaro, não compreendia coisa alguma, senão que Cecília tinha-lhe dado a maior prova de seu desprezo e indiferença; mas não podia adivinhar a razão por que ela associara Isabel a esse ato que devia ser um segredo entre ambos.
Ficando sós em face um do outro, não ousavam levantar os olhos; a vista de Álvaro estava cravada no bracelete; Isabel, trêmula, sentia o olhar do moço, e sofria como se um anel de ferro cingisse o seu braço mimoso.
Assim estiveram tempo esquecido; por fim Álvaro desejoso de ter uma explicação, animou-se a romper o silêncio:
— Que significa tudo isto, D. Isabel? perguntou ele suplicante.
— Não sei!... Fui escarnecida! respondeu Isabel balbuciando.
— Como?
— Cecília fez-me acreditar que este bracelete vinha de seu pai para me fazer aceitá-lo; pois se eu soubesse...
— Que vinha de minha mão? Não aceitaríeis?
— Nunca!... exclamou a moça com fogo.