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Houve um momento de silêncio; D. Antônio não sabia o que replicar.

— Peri não te quer aborrecer; só espera a ordem da senhora. Tu mandas que Peri vá, senhora?

D. Lauriana que apenas se tinha falado em religião, voltara às suas prevenções contra o índio, fez um gesto imperioso à sua filha.

— Sim! balbuciou Cecília.

O índio abaixou a cabeça; uma lágrima deslizou-lhe pela face.

O que ele sofria é impossível dizer: a palavra não sabe o segredo das tormentas profundas de uma alma forte e vigorosa, que pela primeira vez sente-se vencida pela dor.

Página 111

X DESPEDIDA

D Antônio aproximou-se de Peri e apertou-lhe a mão:

— O que eu te devo, Peri, não se paga; mas sei o que devo a mim mesmo. Tu voltas à tua tribo: apesar da tua coragem e esforço, pode a sorte da guerra não te ser favorável, e caíres em poder de algum dos nossos. Este papel te salvará a vida e a liberdade; aceita-o em nome de tua senhora e no meu.

O fidalgo entregou ao índio o pergaminho que há pouco tinha escrito e voltou-se para seu filho:

— Este papel, D. Diogo, assegura a qualquer português de quem Peri possa ser prisioneiro, que D. Antônio de Mariz e seus herdeiros respondem por ele e pelo seu resgate, qualquer que for. É mais um legado que vos deixo a cumprir, meu filho.

— Ficai certo, meu pai, replicou o moço, que saberei responder a essa divida de honra, não só em respeito à vossa memória, como em satisfação dos meus próprios sentimentos.

— Toda a minha família aqui presente, disse o fidalgo dirigindo-se ao índio, te agradece ainda uma vez o que fizestes por ela; reunimo-nos todos para te desejarmos a boa volta ao seio dos teus irmãos e ao campo onde nasceste.

Peri fitou o olhar brilhante no rosto de cada uma das pessoas presentes, como para dizer-lhes o adeus que seus lábios naquela ocasião não podiam exprimir.

Apenas seus olhos se fitaram em Cecília, impelido por uma força invencível atravessou o aposento e foi ajoelhar-se aos pés de sua senhora.

A menina tirou do peito uma pequena cruz de ouro presa a uma fita preta, e deitou-a no pescoço do índio:

— Quando tu souberes o que diz esta cruz, volta, Peri.

— Não, senhora; de onde Peri vai, ninguém voltou. Cecília estremeceu.

O selvagem ergueu-se, e caminhou para D. Antônio de Mariz, que não podia dominar a sua emoção.

— Peri vai partir; tu mandas, ele obedece; antes que o sol deixe a terra, Peri deixará tua casa; o sol voltará amanhã, Peri não voltará nunca. Leva a morte no seio porque parte hoje; levaria a alegria se partisse no fim da lua.

— Por que razão? perguntou D. Antônio; desde que é necessário que nos separemos, tanto deves sentir hoje como daqui a três dias.

— Não, replicou o índio; tu vais ser atacado amanhã talvez, e Peri estaria contigo para defender-te.

— Vou ser atacado? exclamou D. Antônio pensativo.

— Sim: podes contar.

— E por quem?

— Pelo Aimoré.

— E como sabes isto? perguntou D. Antônio fitando nele um olhar desconfiado.

Página 112

O índio hesitou durante um momento; estudava a resposta.

— Peri sabe porque viu o pai e o irmão da índia, que teu filho matou sem querer, olharem tua casa de longe, soltarem o grito da vingança, e caminharem para sua tribo.

— E tu o que fizeste?

— Peri viu-os passar; e vem te avisar para que te prepares.

O fidalgo fez com a cabeça um movimento de incredulidade.

— É preciso não te conhecer, Peri, para acreditar no que dizes; tu não podias olhar com indiferença para os inimigos de tua senhora e meus.

O índio sorriu tristemente.

— Eram mais fortes; Peri deixou que passassem.

D. Antônio começou a refletir; parecia evocar as suas reminiscências, e combinar certas circunstâncias que tinha impressas na memória.

Seu olhar abaixando-se do rosto de Peri, caíra sobre os ombros; a princípio vago e distraído como o de um homem que medita, começou a fixar-se e a distinguir um ponto vermelho quase imperceptível, que aparecia no saio de algodão do índio.

À proporção que a vista se firmava, e que o objeto se desenhava mais distinto, o semblante do fidalgo se esclarecia, como se tivesse achado a solução de um difícil problema.

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