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— Para onde?

— Para longe.

— Que vais fazer? O índio hesitou:

— Procurar socorro.

Álvaro sorriu-se com incredulidade.

— Tu duvidas?

— De ti não, mas do socorro.

— Escuta; se Peri não voltar, tu farás enterrar as suas armas.

— Podes ir tranqüilo: eu te prometo.

— Outra coisa.

— O que é?

O índio hesitou de novo:

— Se tu vires a cabeça de Peri desligada do corpo, enterra-a com as suas armas.

— Por que este pedido? A que vem semelhante lembrança?

— Peri vai passar pelo meio dos selvagens, e pode morrer. Tu és guerreiro; e sabes que a vida é como a palmeira: murcha quando tudo reverdece.

— Tens razão. Farei tudo quanto pedes; mas espero ver-te ainda.

Página186

O índio sorriu.

— Ama a senhora, disse ele estendendo a mão ao moço.

O seu adeus era uma última prece pela felicidade de Cecília. Peri entrou na sala onde se achava reunida a família.

Todos dormiam; só D. Antônio de Mariz velava sempre apesar da velhice; sua vontade poderosa cobrava novas forças e reanimava o corpo gasto pelos anos.

Não lhe restava senão uma esperança; a de morrer rodeado dos entes que amava, cercado de sua família, como um fidalgo português devia morrer; com honra e coragem.

O índio atravessou a sala e colocando-se junto do sofá em que Cecília adormecida repousava, contemplou-a um instante com um sentimento de profunda melancolia.

Dir-se-ia que nesse olhar ardente fazia uma última e solene despedida; que partindo-se, o escravo fiel e dedicado queria deixar a sua alma enleada naquela imagem, que representava a sua divindade na terra.

Que sublime linguagem não falavam aqueles olhos inteligentes, animados por um brilhante reflexo de amor e de fidelidade? Que epopéia de sentimento e de abnegação não havia naquela muda e respeitosa contemplação?

Por fim Peri fez um esforço supremo, e a custo conseguiu quebrar o encanto que o prendia, e o conservava imóvel, como uma estátua, diante da linda menina adormecida. Reclinou sobre o sofá e beijou respeitosamente a fimbria do vestido de Cecília; quando ergueu-se, uma lágrima triste e silenciosa que deslizava pela sua face, caiu sobre a mão da menina.

Cecília, sentindo aquela gota ardente, entreabriu os olhos; mas Peri não viu esse movimento, porque já se tinha voltado e aproximava-se de D. Antônio de Mariz.

O fidalgo sentado na sua poltrona recebeu-o com um sorriso pungente.

— Tu sofres? perguntou o índio.

— Por eles, por ela especialmente, por minha Cecília.

— Por ti não? disse Peri com intenção.

— Por mim? Daria a minha vida para salvá-la; e morreria feliz!

— Ainda que ela te pedisse que vivesses?

— Embora me suplicasse de joelhos.

O índio sentiu-se aliviado como de um remorso.

— Peri te pede uma coisa.

— Fala!

— Peri quer beijar a tua mão.

D. Antônio de Mariz tirou o seu guante, e sem compreender a razão do pedido do índio, estendeu-lhe a mão.

— Tu dirás a Cecília que Peri partiu; que foi longe; não deves contar-lhe a verdade: ela sofrerá. Adeus; Peri sente te deixar; mas é preciso.

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