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Enquanto o índio proferia estas palavras em voz baixa e inclinado ao ouvido do fidalgo, este surpreendido procurava ligar-lhes um sentido que lhe parecia vago e confuso:

— Que pretendes tu fazer, Peri? perguntou D. Antônio.

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— O mesmo que tu querias fazer para salvar a senhora.

— Morrer!... exclamou o fidalgo.

Peri levou o dedo aos lábios recomendando silêncio; mas era tarde; um grito partido do canto da sala fê-lo estremecer.

Voltando-se viu Cecília, que ao ouvir a última palavra de seu pai quisera correr para ele, e caíra de joelhos, sem força para dar um passo. A menina com as mãos estendidas e suplicantes parecia pedir a seu pai que evitasse aquele sacrifício heróico, e salvasse a Peri de uma morte voluntária.

O fidalgo a compreendeu:

— Não, Peri; eu, D. Antônio de Mariz, não consentirei nunca em semelhante coisa. Se a morte de alguém pudesse trazer a salvação de minha Cecília e de minha família, era a mim que competia o sacrifício. E por Deus e pela minha honra o juro, que a ninguém o cederia; quem quisesse roubar-me esse direito me faria um insulto cruel.

Peri volvia os olhos de sua senhora aflita e suplicante para o fidalgo severo e rígido no cumprimento de seu dever; temia aquelas duas oposições diferentes, mas que tinham ambas um grande poder sobre a sua alma.

Podia o escravo resistir a uma súplica de sua senhora e causar -lhe uma mágoa, quando toda a sua vida fora destinada a fazê-la alegre e feliz? Podia o amigo ofender a D. Antônio de Mariz, a quem respeitava, praticando uma ação que o fidalgo considerava como uma injúria feita à sua honra?

Peri teve um momento de alucinação, em que pareceu-lhe que o coração lhe estacava no peito, e a vida lhe fugia, e a cabeça se despedaçava com a pressão violenta das idéias que tumultuavam no cérebro.

No rápido instante que durou a vertigem, ele viu girarem rapidamente em torno de si as figuras sinistras dos Aimorés que ameaçavam a vida preciosa daqueles a quem mais amava no mundo. Viu Cecília suplicando, não a ele, mas ao inimigo feroz e sanguinário, prestes a manchá-la com as mãos impuras; viu a bela e nobre cabeça do velho fidalgo rojar mutilada com os alvos cabelos tintos de sangue.

O índio horrorizado com estas imagens lúgubres que lhe desenhava a sua imaginação em delírio, apertou a cabeça entre as mãos, como para arrancá-la daquela febre.

— Peri!... balbuciava Cecília; tua senhora te pede!...

— Morreremos todos juntos, amigo, quando chegar o momento, dizia D. Antônio de Mariz. Peri levantou a cabeça, e lançou sobre a menina e o fidalgo um olhar alucinado:

— Não!... exclamou ele.

Cecília ergueu-se com um movimento instantâneo; de pé e pálida; soberba de cólera e indignação, a gentil e graciosa menina de outrora se tinha de repente transformado numa rainha imperiosa.

Sua bela fronte alva resplandecia com um assomo de orgulho; seus olhos azuis tinham desses reflexos fulvos que iluminam as nuvens no meio da tormenta; seus lábios trêmulos e ligeiramente arqueados pareciam reter a palavra para deixá-la cair com toda a sua força. Atirando a cabecinha loura sobre o ombro esquerdo com um gesto de energia, ela estendeu a mão para Peri:

— Proíbo-te que saias desta casa!...

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O índio julgou que ia enlouquecer; quis lançar-se aos pés de sua senhora, mas recuou anelante, opresso e sufocado. Um canto, ou antes uma celeuma dos selvagens soava ao longe.

Peri deu um passo para a porta; D. Antônio o reteve:

— Tua senhora, disse o fidalgo friamente, acaba de te dar uma ordem; tu a cumprirás. Tranqüiliza-te, minha filha; Peri é meu prisioneiro.

Ouvindo esta palavra que destruía todas as suas esperanças, que o impossibilitava de salvar sua senhora, o índio retraindo-se deu um salto, e caiu no meio da sala.

— Peri é livre!... gritou ele fora de si; Peri não obedece a ninguém mais; fará o que lhe manda o coração.

Enquanto D. Antônio de Mariz e Cecília, admirados desse primeiro ato de desobediência, olhavam espantados o índio de pé no meio do vasto aposento, ele lançou-se a um cabide de armas, e empunhando um pesado montante como se fora uma ligeira espada, correu à janela e saltou.

— Perdoa a Peri, senhora!

Cecília soltou um grito e precipitou-se para a janela. Não viu mais Peri.

Álvaro e os aventureiros, de pé sobre a esplanada, tinham os olhos fitos sobre a árvore que se elevava a um lado da casa, na encosta oposta, e cuja folhagem ainda se agitava.

Longe descortinava-se o campo dos Aimorés; a brisa que passava trazia o rumor confuso das vozes e gritos dos selvagens.

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XIII COMBATE

Eram seis horas da manhã.

O sol elevando-se no horizonte derramava cascatas de ouro sobre o verde brilhante das vastas florestas.

O tempo estava soberbo; o céu azul, esmaltado de pequenas nuvens brancas que se achamalotavam como as dobras de uma lençaria.

Os Aimorés, grupados em torno de alguns troncos já meio reduzidos a cinza, faziam preparativos para dar um ataque decisivo.

O instinto selvagem supria a indústria do homem civilizado; a primeira das artes foi incontestavelmente a arte da guerra, — a arte da defesa e da vingança, os dois mais fortes estímulos do coração humano.

Nesse momento os Aimorés preparavam setas inflamáveis para incendiar a casa de D. Antônio de Mariz; não podendo vencer o inimigo pelas armas, contavam destruí-lo pelo fogo.

A maneira por que arranjavam esses terríveis projéteis, que lembravam os pelouros e bombardas dos povos civilizados, era muito simples: envolviam a ponta da flecha com flocos de algodão embebidos na resina da almécega.

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