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SÃO LUÍS

446 – Allan Kardec

1008. A duração das penas depende sempre da vontade do Espírito? Não haveria algumas que lhe fossem impostas por um tempo determinado?

“Sim, as penas podem ser impostas ao Espírito por um determinado tempo, mas Deus — que só quer o bem de suas criaturas — acolhe sempre o arrependimento, e o desejo de se melhorar nunca é estéril.”

SÃO LUÍS

1009. De acordo com isso, as penas impostas jamais seriam pela eternidade?

“Interroguem o vosso bom senso e a vossa razão, e perguntem a si mesmos: uma condenação perpétua por causa de alguns momentos de erro não seria a negação da bondade de Deus? De fato, o que é a duração da vida, mesmo uma de cem anos, em comparação com a eternidade? Eternidade!

Vocês compreendem bem essa palavra? Sofrimentos, torturas infinitas, sem esperança, por causa de algumas faltas! A consciência de vocês não repulsa uma ideia dessa? Que os antigos tenham visto no senhor do universo um Deus terrível, ciumento e vingativo, isso é concebível: na sua ignorância eles atribuíam à divindade as paixões dos homens. Porém, esse não é o Deus dos cristãos, que coloca na classe das virtudes primordiais o amor, a caridade, a misericórdia e o esquecimento das ofensas: poderia faltar nele próprio as qualidades das quais ele fez um dever? Não haveria contradição em lhe atribuir a bondade infinita e também a vingança infinita? Vocês dizem que antes de tudo ele é justo e que o homem não compreende sua justiça, mas a justiça não exclui a bondade, e ele não seria bom se condenasse aos mais horríveis e perpétuos sofrimentos a maior parte de suas criaturas. Poderia ele fazer da justiça uma obrigação para os seus filhos se não lhes tivesse dado os meios de compreendê-la? Aliás, a sublimidade da justiça, unida à bondade, não está em fazer com que a duração dos sofrimentos dependa dos esforços que o culpado faça para se melhorar? Eis a verdade destas palavras: A cada um segundo suas obras.”

SANTO AGOSTINHO

“Esforcem-se, por todos os meios que puderem, em combater e destruir a ideia das penas eternas — um pensamento blasfemo contra a justiça e a bondade de Deus, e a fonte mais fecunda da incredulidade, do materialismo e

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da indiferença que tem invadido as multidões desde que a sua inteligência começou a se desenvolver. O Espírito — prestes a se esclarecer, ou ainda mesmo grosseiro — logo compreendeu a monstruosa injustiça; sua razão a rejeita e então ele raramente deixa de confundir na mesma rejeição a pena que o revolta e o Deus a quem ele atribui essa lei. Daí os males inumeráveis que vieram fundar sobre vocês e para os quais nós viemos trazer o remédio. A tarefa que nós vos assinalamos será tão mais fácil que todas as autoridades sobre as quais se apoiam os defensores dessa crença têm evitado se pronunciar formalmente. Nem os concílios, nem os Pais da Igreja resolveram essa questão. Mesmo de acordo com os próprios evangelistas, e tomando ao pé da letra as palavras simbólicas do Cristo, se ele ameaçou os culpados com um fogo que não se apaga, com um fogo eterno, não há absolutamente nada nessas palavras que prove que ele os tenha condenado eternamente.

“Pobres ovelhas desgarradas, saibam deixar vir até vocês o bom Pastor que, longe de querer vos banir para sempre da sua presença, vem pessoalmente ao encontro de vocês para reconduzi-los ao rebanho. Filhos pródigos, deixem o vosso exílio voluntário; voltem seus passos à morada paternal: o pai lhes estende os braços e se mostra sempre pronto a festejar vosso retorno à família.”

LAMENNAIS

“Guerras de palavras! Guerras de palavras! Já não fizeram derramar sangue o suficiente? Será preciso ainda reacender as fogueiras? Discute-se sobre as palavras: eternidade das penas, eternidade dos castigos; vocês não devem saber que o que entendem hoje por eternidade os antigos não entendiam como vocês? Que o teólogo consulte as fontes e, assim como vocês todos, ele descobrirá que o texto hebreu não dava o mesmo significado às palavras que os gregos, os latinos e os modernos traduziram como penas sem

fim e irremissíveis. Eternidade dos castigos corresponde à eternidade do mal. Sim, enquanto o mal existir entre os homens, os sofrimentos subsistirão;

é no sentido relativo que devemos interpretar os textos sagrados. Portanto, a eternidade das condenações é apenas relativa, e não absoluta. Quando chegar o dia em que todos os homens se revestirem — pelo arrependimento — da

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túnica da inocência, não haverá mais gemidos nem ranger de dentes. A razão humana é limitada, é bem verdade, mas tal como ela é, já consiste num presente de Deus, e com essa ajuda da razão, não existe uma única pessoa de boa-fé que compreenda de outra maneira a eternidade dos castigos!

Eternidade dos castigos! O quê? Seria preciso então admitir que o mal fosse eterno! Somente Deus é eterno, e ele não poderia ter criado o mal eterno, sem o que seria preciso lhe arrancar o mais magnífico dos seus atributos: o poder soberano, porque não seria soberanamente poderoso aquele que pudesse criar um elemento destruidor de suas obras. Humanidade, humanidade! Não mergulhe mais teu olhar sombrio nas profundezas da Terra para procurar lá castigos. Chore, espere, expie e busque refúgio no pensamento de um Deus infinitamente amoroso, absolutamente poderoso e essencialmente justo.”

PLATÃO

“Gravitar para a unidade divina: esta é a meta da humanidade. Para alcançá-la, três coisas são necessárias: justiça, amor e ciência; três coisas são opostas e contrárias a isso: ignorância, ódio e injustiça. Pois bem! Eu vos digo, em verdade, que vocês falseiam esses princípios fundamentais comprometendo a ideia de Deus pelo exagero de sua severidade; vocês a comprometem duplamente ao deixar penetrar no Espírito da criatura a ideia de que ela mesma possui mais clemência, mansuetude, amor e verdadeira justiça do que não as atribuem ao ser infinito. Vocês destroem até mesmo a ideia de inferno ao torná-lo ridículo e inadmissível às crenças humanas, como é para o vosso coração o horrendo espetáculo das execuções, das fogueiras e das torturas da Idade Média! Mas o quê? Será que agora, quando a era das represálias cegas foi banida pela legislação humana, é que esperam mantê-la no ideal? Ah, acreditem, acreditem em mim, irmãos em Deus e em Jesus Cristo, acreditem em mim ou se resignem a deixar perecer em vossas mãos todos os dogmas em vez de modificá-los, ou então vivifiquem, abrindo-os aos eflúvios benéficos que os Bons derramam neles neste momento. A ideia de inferno, com suas fornalhas ardentes, com suas caldeiras fervilhantes, poderia ser tolerada, quer dizer, perdoável num século de ferro; mas em pleno século dezenove, isso não é mais do que um fantasma, quando muito para

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amedrontar criancinhas, e no qual elas mesmas não acreditam mais depois que crescem. Ao persistir nessa mitologia assustadora, vocês incentivam a incredulidade — a mãe de toda desorganização social. Pois eu tremo ao ver toda uma ordem social abalada e ruindo sobre suas bases por falta de sanção penal. Homens de fé ardente e vívida, vanguardeiros do dia da luz, mãos à obra! Não para manter fábulas velhas e desde então sem crédito, mas para reavivar, revivificar a verdadeira sanção penal, sob as formas de acordo com os costumes, os sentimentos e as luzes da vossa época.

“Quem é, de fato, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação — que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo exemplo humano, pelo Homem-Deus, por Jesus Cristo.

“O que é o castigo? A consequência natural, derivada desse falso movimento; uma soma de dores necessárias para fazê-lo desgostar da sua deformidade, pela experimentação do seu sofrimento. O castigo é o aguilhão que excita a alma, pela amargura, a se curvar sobre si mesma e retornar ao terreno da salvação. O objetivo do castigo não é outro que a reabilitação, a redenção. Querer que o castigo seja eterno, por uma falta que não é eterna, é negar toda a sua razão de ser.

“Ah, eu lhes digo em verdade: parem! parem de colocar, na sua eternidade, o bem — a essência do Criador — em paralelo com o mal — a essência da criatura; isso seria criar uma penalidade injustificável. Ao contrário, afirmem a amortização gradual dos castigos e das penalidades através das transmigrações, e com a razão unida ao sentimento, vocês consagrarão a unidade divina.”

PAULO, APÓSTOLO

Querem estimular o homem ao bem e desviá-lo do mal pela isca das recompensas e pelo pavor dos castigos, mas se esses castigos são apresentados de maneira que a razão se recuse a acreditar neles, então eles não terão nenhuma influência. Longe disso, tudo será rejeitado: a forma e a essência. Que, ao contrário, o futuro seja apresentado de uma maneira lógica e então ele não será mais rejeitado. O espiritismo lhe dá essa explicação.

A doutrina da eternidade das penas no sentido absoluto faz do ser supremo

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um Deus implacável. Seria lógico dizer de um soberano que ele é muito bom, muito benevolente e indulgente, que ele deseja apenas a felicidade daqueles que o cercam, mas ao mesmo tempo dizer que ele é ciumento, vingativo, inflexível em seu rigor, e que pune com extremo castigo três quartas partes dos seus súditos por uma ofensa ou uma infração às suas leis, mesmo aqueles que erraram por não ter conhecimento dessas leis? Isso não seria uma contradição? Ora, Deus poderia ser menos bondoso do que um homem poderia ser?

Outra contradição se apresenta aqui: já que Deus sabe tudo, ele também sabia que ao criar uma alma ela fracassaria; portanto, desde sua formação ela ficaria destinada à desgraça eterna: isso é plausível e racional? Com a doutrina das penas relativas, tudo se justifica: Deus sabia, sem dúvida, que a alma falharia, mas lhe dá os meios para se iluminar por sua própria experiência, mediante suas próprias faltas; é necessário que ela expie seus erros para melhor se fortalecer no bem, mas a porta da esperança não lhe é fechada para sempre, e Deus faz depender o momento da sua libertação dos esforços que ela faça para chegar lá. Isso é o que todos podem compreender e que a lógica mais meticulosa pode admitir. Se as penas futuras tivessem sido apresentadas sob esse ponto de vista, haveria bem menos céticos.

A palavra eterno é normalmente empregada na língua popular como uma figura de linguagem, para designar uma coisa de longa duração e da qual não se prevê o fim — embora se saiba muito bem que esse fim existe. Dizemos, por exemplo, os gelos eternos das altas montanhas, dos polos, embora de um lado saibamos que o mundo físico pode ter um fim, e de outro, que o estado dessas regiões pode mudar por causa do deslocamento normal do eixo da Terra ou por um cataclismo. Nesse caso, a palavra eterno não quer dizer então perpétuo, até o infinito. Quando sofremos com uma longa doença, dizemos que nosso mal é eterno.

Logo, o que há de estranho que esses Espíritos que sofrem há anos, séculos e até mesmo há milhares de anos, também digam dessa mesma forma? Não esqueçamos sobretudo que, como sua inferioridade não lhes permite ver a extremidade do trajeto, eles acreditam sofrer para sempre, e isso para eles é uma punição.

Quanto ao mais, a doutrina do fogo, das fornalhas e torturas, emprestadas do

Tártaro63 do paganismo, hoje está completamente abandonada pela alta teologia, e só nas escolas é que esses pavorosos quadros alegóricos ainda são apresentados 63 Tártaro: segundo a mitologia grega, o lugar mais profundo do submundo de Hades (espécie de inferno), onde são aprisionados os deuses inferiores dentre os maiores pecadores. – N. T.

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como verdades concretas por alguns homens mais zelosos do que esclarecidos, e isso é um grave erro, porque as jovens imaginações — libertando-se de seus terrores — poderão aumentar o número de incrédulos. A teologia reconhece hoje que a palavra fogo é usada no sentido figurado e deve ser entendida como um fogo moral. (Veja a questão 974.) Aqueles que, como nós, acompanharam através das comunicações espíritas as peripécias da vida e os sofrimentos do além-túmulo puderam então se convencer de que, por não ter nada de material, elas não são menos pungentes. Com relação até a sua duração, certos teólogos começam a admiti-las no sentido restrito indicado acima e pensam que, de fato, a palavra

eterno pode se referir aos castigos em si mesmos, como consequência de uma lei imutável, e não à sua aplicação para cada indivíduo. No dia em que a religião admitir essa interpretação, assim como outras tantas que são igualmente a consequência do progresso das luzes, ela reunirá bem mais ovelhas desgarradas.

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