“Mas então qual seria a causa dessas propriedades? Sempre é necessária uma causa primária.”
Atribuir a formação primária das coisas às propriedades íntimas da matéria seria tomar o efeito pela causa, pois essas mesmas propriedades são um efeito que há de ter uma causa.
8. Que pensar da opinião que atribui a formação primária a uma combinação fortuita da matéria, ou, dita de outra forma, ao acaso?
“Outro absurdo! Que homem de bom senso pode considerar o acaso
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como um ser inteligente? E ademais, o que é o acaso? Nada.”
A harmonia que rege os mecanismos do Universo detecta combinações e desígnios determinados e, por isso mesmo, revela um poder inteligente. Atribuir a formação primária ao acaso seria um contrassenso, pois o acaso é cego e não pode produzir os efeitos da inteligência. Um acaso inteligente já não seria acaso.
9. Onde é que se vê na causa primária uma inteligência suprema e superior a todas as inteligências?
“Vocês têm um provérbio que diz isso: Pela obra se reconhece o autor.
Pois bem! Vejam a obra e procurem o autor. É o orgulho que gera a incredulidade. O homem orgulhoso não quer nada acima de si, por isso é que ele se denomina espírito forte. Pobre ser, que um sopro de Deus pode abater!”
Julga-se a força de uma inteligência pelas suas obras; como nenhum ser humano pode criar o que a natureza produz, a causa primária é, conseguintemente, uma inteligência superior à Humanidade.
Quaisquer que sejam os prodígios realizados pela inteligência humana, essa mesma inteligência tem uma causa e, quanto maior for o que realize, tanto maior a causa primária há de ser. É esta inteligência que é a causa primária de todas as coisas, qualquer que seja o nome sob o qual o homem lhe denomine.
Atributos da Divindade
10. O homem pode compreender a natureza íntima de Deus?
“Não; esse é um sentido que lhe falta.”
11. Algum dia será permitido ao homem compreender o mistério da Divindade?
“Quando seu espírito não estiver mais obscurecido pela matéria e, por sua perfeição, estiver se aproximado de Deus, então ele o verá e o compreenderá.”
A inferioridade das capacidades do homem não lhe permite compreender a natureza íntima de Deus. Na infância da humanidade muitas vezes o homem o
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confunde com a criatura, da qual lhe atribui as imperfeições; mas, à medida que o senso moral se desenvolve nele, seu pensamento penetra melhor no fundo das coisas e faz da Divindade uma ideia mais justa e mais conforme com a boa razão —
ainda que sempre incompleta.
12. Já que não podemos compreender a natureza íntima de Deus, podemos ter uma ideia de algumas de suas perfeições?
“Sim, de algumas. O homem as compreende melhor na proporção em que se eleva acima da matéria; ele as vê pelo pensamento.”
13. Quando dizemos que Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom, fazemos uma ideia completa de seus atributos?
“Do vosso ponto de vista, sim, porque vocês creem abranger tudo.
Todavia, saibam que há coisas acima da inteligência do homem mais inteligente, e para as quais a vossa linguagem — limitada às vossas ideias e sensações — não tem expressões. Com efeito, a razão lhes diz que Deus deve ter essas perfeições no grau supremo, pois se ele tiver uma só de menos, ou que não fosse em um grau infinito, ele já não seria superior a tudo e, por conseguinte, não seria mais Deus. Para estar acima de todas as coisas Deus não deve estar sujeito a qualquer vicissitude nem ter nenhuma das imperfeições que a imaginação possa conceber.”
Deus é eterno; se tivesse tido um princípio, ele teria saído do nada ou então teria sido criado por um ser anterior. É assim que passo a passo nos dirigimos ao infinito e à eternidade.
É imutável; se fosse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo não teriam nenhuma estabilidade.
É imaterial; quer dizer que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria, do contrário ele não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria.
É único; se houvesse muitos Deuses, não haveria unidade de pensamento nem unidade de poder na ordenação do Universo.
É onipotente; porque é único. Se não tivesse a força soberana, haveria algo mais poderoso ou tão poderoso quanto ele; não teria feito todas as coisas e aquilo
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que ele não tivesse feito seria a obra de outro Deus.
É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela tanto nas coisas mais pequeninas como nas maiores, e essa sabedoria não permite duvidar nem da sua justiça nem da sua bondade.
Panteísmo
14. Deus é um ser distinto, ou, segundo a opinião de alguns, seria o resultado de todas as forças e de todas as inteligências do Universo reunidas?
“Se fosse assim, Deus não existiria, porque seria o efeito e não a causa; ele não pode ser ao mesmo tempo uma e outra coisa.
“Deus existe, disso vocês não podem duvidar, isso é o essencial.
Acreditem em mim e não queiram ir além; não se percam num labirinto de onde não poderiam sair. Isso não lhes tornaria melhores, mas talvez um pouco mais orgulhosos, pois vocês acreditariam saber, quando na realidade nada saberiam. Então, deixem de lado todos esses sistemas; vocês têm bastantes coisas que lhes interessam mais diretamente, a começar por vocês mesmos; estudem as suas próprias imperfeições a fim de se libertarem delas, o que lhes será mais útil do que pretender penetrar no que é impenetrável.”
15. Que pensar da opinião segundo a qual todos os corpos da natureza, todos os seres, todos os globos do Universo seriam partes da Divindade e em seu conjunto constituem a própria Divindade; noutras palavras, o que pensar da doutrina panteísta?