“Todo o seu passado se desdobra diante dele como os trechos percorridos pelo viageiro. Mas, como já dissemos, ele não se recorda de todos os seus atos de uma maneira absoluta; lembra-se destes em razão da influência que tiveram para a sua situação atual. Quanto às primeiras existências — aquelas que podemos considerar como a infância do Espírito —
essas se perdem no vazio e desaparecem na noite do esquecimento.”
309. Como o Espírito considera o corpo que acabara de largar?
“Como uma roupa desagradável que o embaraçava, e fica feliz por estar livrar dela.”
309-a. — Que sentimento lhe causa a imagem do seu corpo em decomposição?
“Quase sempre o da indiferença, como por uma coisa com a qual ele não se importa mais.”
310. Ao fim de algum tempo, o Espírito reconhecerá os ossos ou outros objetos que lhe tenham pertencido?
“Algumas vezes, dependendo do ponto de vista mais ou menos elevado sob o qual ele considera as coisas terrenas.”
311. O respeito que se tem pelas coisas materiais que restam do Espírito atrai a sua atenção para esses objetos e ele vê esse respeito com prazer?
“O Espírito sempre fica grato pela lembrança que se tem dele; as coisas que se conserva dele o trazem à memória, mas é o pensamento que o atrai até vocês, não aqueles objetos.”
312. Os Espíritos guardam a lembrança dos sofrimentos que enfrentaram durante sua derradeira existência corporal?
“Frequentemente eles guardam essa lembrança e ela lhes faz sentir melhor o valor da felicidade de que eles podem se deleitar como Espíritos.”
313. O homem que foi feliz neste mundo sente falta dos prazeres ao deixar a
189 – O Livro dos Espíritos
Terra?
“Somente os Espíritos inferiores podem sentir saudades dos gozos que se simpatizavam com a impureza de sua natureza e que eles expiam através dos sofrimentos. Para os Espíritos elevados, a felicidade eterna é mil vezes preferível aos prazeres efêmeros da Terra.”
Tal como o homem adulto que despreza o que era as delícias de sua infância.
314. Aquele que iniciou grandes projetos com um objetivo útil e que, no outro mundo, vê esses projetos interrompidos pela sua morte, lamenta por eles terem ficado inacabados?
“Não, porque ele vê que outros estão destinados a concluí-los. Ao contrário, ele trata de influenciar outros Espíritos humanos a lhes dar continuidade. Seu objetivo na Terra era o bem da humanidade: o objetivo é o mesmo no mundo dos Espíritos.”
315. Aquele que deixou trabalhos de arte ou de literatura conserva, pelas suas obras, o amor que tinha de quando ele estava vivo?
“Segundo sua elevação, ele as aprecia de outro ponto de vista, e não raro ele condena o que mais ele admirava.”
316. O Espírito ainda se interessa pelos trabalhos que se fazem na Terra para o progresso das artes e das ciências?
“Isso depende de sua elevação ou da missão que possa vir a cumprir.
Muitas vezes, o que lhes parece magnífico vale bem pouco para certos Espíritos; eles admiram esses trabalhos, como o sábio admira a obra de um estudante. Ele examina o que pode prover a elevação dos Espíritos encarnados e seus progressos.”
317. Após a morte, os Espíritos conservam o amor à pátria?
“O princípio é sempre o mesmo: para os Espíritos elevados a pátria é o Universo; na Terra, a pátria é onde eles têm mais pessoas simpáticas.”
A situação dos Espíritos e sua maneira de ver as coisas variam ao infinito, na
190 – Allan Kardec
proporção do grau de seu desenvolvimento moral e intelectual. Geralmente, os Espíritos de uma ordem elevada não fazem da Terra senão estadias de curta duração; tudo o que se faz aqui é tão mesquinho em comparação com as grandezas do infinito; as coisas às quais os homens dão mais importância são tão insignificantes aos olhos dos Espíritos que eles aqui encontram poucos atrativos, a menos que tenham sido chamados em vista de contribuírem para o progresso da humanidade. Os Espíritos de uma ordem intermediária passam aqui mais frequentemente, se bem que eles consideram as coisas de um ponto de vista mais alto do que quando encarnados. Os Espíritos vulgares estão aqui de algum modo sedentários e constituem a massa da população ambiente do mundo invisível; eles conservaram mais ou menos as mesmas ideias, os mesmos gostos e as mesmas inclinações que tinham quando sob seu invólucro corpóreo; intrometem-se em nossas reuniões, nossos negócios e divertimentos nos quais tomam parte mais ou menos ativa, segundo seu caráter. Não podendo satisfazer suas próprias paixões, eles gozam daqueles se entregam a essas paixões e os excitam a elas. Nesse contingente, existem os mais sérios que veem e observam para se instruírem e se aperfeiçoarem.
318. As ideias dos Espíritos se modificam no estado espiritual?
“Bastante, sofrem grandes modificações na medida em que o Espírito se desmaterializa; algumas vezes ele pode permanecer longo tempo com as ideias, mas pouco a pouco a influência da matéria diminui e ele vê as coisas mais nitidamente. É então que ele procura os meios de se melhorar.”
319. Já que o Espírito viveu a vida espírita antes de sua encarnação, de onde vem o seu espanto ao reingressar no mundo dos Espíritos?
“Isso não é mais do que o efeito do primeiro momento e da perturbação que se segue ao despertamento; mais tarde ele reconhece perfeitamente sua situação, na proporção que lhe vem a lembrança do passado e que se apaga a impressão da vida terrestre.” (Ver a questão 163 e seguintes.) Comemoração dos mortos – Funerais
320. Os Espíritos se sensibilizam com a lembrança daqueles a quem amavam
191 – O Livro dos Espíritos
na Terra?
“Muito mais do que vocês podem acreditar. Essa lembrança aumenta a felicidade deles, se estiverem felizes; se estiverem desgraçados, ela será um reconforto para eles.”
321. O dia da comemoração dos mortos tem algo de mais solene para os Espíritos? Eles se preparam para vir ao encontro daqueles que virão rezar sobre seus túmulos?
“Os Espíritos atendem ao apelo do pensamento naquele dia assim como nos outros.”
321-a. — Esse dia, para eles, é um dia de reunião junto à sua sepultura?