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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas vazio? Determinei: deixar lá memo só uns poucos, como vigias.
Tanto o resto todo, para um ponto viemos, circunstância de umas duzentas braças, aonde um lugar mais alto desenhado, que seria para porta dos caminhos e apropriado para ali se resistir.
Formamos bons preparos. Minha mãe vivesse e viesse, ela mesma por nenhum descuido mero não havia de poder me reprovar.
Assim apreciei a gente – às mansas e às bravas – a minha jagunçada. Agora eles estavam arrumando o mundo de outra maneira. Tudo se media munição, e era fuzil e rifle se experimentando. A guerra era,de todos. A juízo, eu não devia de mestrear demais, tudo prescrevendo: porque eles também tinham melindre para se desgostar ou ofender, como jagunço sabe honra de profissão. Dos modos deles, próprios, era que eu podia me saber, certificado, ver a preço se eu estava para ser e sendo exato chefe. Com modos, eu falasse: – “Olh’, vigia, fulano: aí está bom; mas lá acolá não é melhor?” – e receava que ele respondesse, me explicando por que não era, não. Eu questionava, comigo, que eles deviam de lavorar maior raiva.
Raiva tampa o espaço do medo, assim como do medo a raiva vem. Reparei isto: como nenhum não citava o nome do Hermógenes. Aí estava direito – que no imigo, em véspera, não
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas se proseia. Mal que um disse: – “Ele não é laço: – é argola...” – Ou outro, que: – “Ele adoida...” Mas os mais não glosavam. Com o que prazi. Gastura que eu tinha era só de que, a ventos vai, um fosse acrescentar: –... Ele é pactário...
Ah. E que fosse? Menção não era de se afirmar, regalia nenhuma. Pois o demo não é de todos?! Alt’arte abri o meu maior sentir: que eu havia de ter a vitória... Dali, o Hermógenes não saía com vida, maneira nenhuma, testamental. Tive ódio dele? Muitos ódios. Só não sabia por quê. Acho que tirava um ódio por causa de outro, cosidamente, assim seguido de diante para trás o revento todo. A modo que o resumo da minha vida, em desde menino, era para dar cabo definitivo do Hermógenes
– naquele dia, naquele lugar. Pelejei para recordar as feições dele, e o que figurei como visão foi a de um homem sem cara.
Preto, possuindo a cara nenhuma, feito se eu mesmo antes tivesse esbagaçado aquele oco, a poder de balas... E tudo me deu um enjôo. Tinha medo não. Tinha era cansaço de esperança.
Também eu queria que tudo tivesse logo um razoável fim, em tanto para eu então largar a jagunçagem. Minha Otacília, horas dessas, graças a Deus havia de parar longe dali,
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas resguardada protegida. O tudo conseguisse fim, eu batia para lá, topava com ela, conduzia. Aí eu aí desprezava o ofício de jagunço, impostura de chefe. Sei quem é chefe? Só o gatilho de arma-de-fogo e os ponteiros do relógio. Sensato somente eu saísse do meio do sertão, ia morar residido, em fazenda perto da cidade. O que eu pensei: ... rio Urucuia é o meu rio – sempre querendo fugir, às voltas, do sertão, quando e quando; mas ele vira e recai claro no São Francisco... Agora, Alaripe e o Quipes, regulando, deviam de já ter achado a minha Otacília, demais, pelo Paracatu-acima, tão longe; e até semelhasse invenção, isto que, na madrugada, eu mesmo também tinha estado em caminho de lá, em tão precipitados surtos. Artezinha. Sei o grande sertão? Sertão: quem sabe dele é urubu, gavião, gaivota, esses pássaros: eles estão sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a alegria e as misérias todas...
Nessas e noutras muito extremadas coisas eu tornava a pensar, o espírito em meia-mão, por diante permeio os outros meus entretimentos deverdade. Agora tudo estava pronto, das obrigações – afora a de esperar, que é a que regasta e se recoze.
A noite foi se esquentando assaz. Ali também, por avisante, não se acendia fogueira. Mas o campo esparramava muito vaga-
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas lume. Os homens formando grupos, acocorados assim, eles conversavam. O quase que o legal, agora, era de se caçoarem uns dos outros, desafiando quem fosse ser medroso ou duvidado na coragem. Razão disso meava uma confiança, a mais, eu escutando satisfeito aquelas bobices com que eles porfiavam: – “Caranguejinho, sem cachaça tu vai?” – “Eh, não: tu!
Vai saudar o gado!” Pelos risos e debiques que divertissem, de todos eu percebia a forte certeza. Cada cada-um, dali a pouco, ia ser perigoso, de nele se encostar, feito um sapo que espirra. –
“Que te falo: amarra o burro, que a carga é sua...” – “Minha, a cargaestá salva... Mal a bem, oxen te, quero é ver o que vou ver...”Assim se zé-zombavam. Aos ditos ditados, feito estivessem jogando um truque, sem baralhos nenhuns. Por que é que aquilo me comprazia? E Diadorim parava calado, próximo de mim, e eu concebia o verter da presença dele, quando os nossos dois pensamentos se encontravam. Que nem um amor no ao-escuro, um carinho que se ameaçava. – “... Tiroteio fervo, se será! Aí é que vou ver um mais menino que o J’bibe...” – “Se tu não sabe, você vai saber: que eu já fiz minha fama... ““Jiribibe? Pois, aquele, eh: ele pede esmola ao rei...” E reproduziam muitas essas gaitagens.
Agora estavam acostumados com a hora do lugar, e para qualquer repente refrescados. Igual a um gado – que vem num
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas pasto novo, e anda e fareja, reconhecendo tudo, mas depois tudo aceita e então começa a resfeição. Agora, agora, sim, meus homens estavam em ponto de fogo. Melhor mesmo não irem dormir, antes de forte sono, por se evitar espertina de criatura sozinha, em espera de possível má morte. Tive pena deles?
Disser isto, o senhor podia se rir de mim, declarável. Ninguém nunca foi jagunço obrigado. Sertanejos, mire veja: o sertão é uma espera enorme.
Vai, vai, uma hora eu perguntei a Diadorim: – “A Mulher dissesse alguma coisa?” Isto eu não sabia por que era que estava indagando. Aí eu não queria ciência de se a Mulher tivesse falado alguma coisa trivial. Eu quisesse achar de saber – era se ela alguma doidice de profecias havia de ter pronunciado?
Diadorim disse: – “Não.” Mas ele devia de estar curtindo outro instar de outro assunto. Sustido eu sabia: o que era dele sempre pensar – o imaginável de Otacília... Depois de remedir o tamanho de um silêncio, ele mesmo veio: – E o Alaripe, mais o Quipes; aonde foi que ficaram? Esse ciúme de Diadorim, não sei porque, daquela vez não me deu prazer de vantagem. E eu desdenhei, na meia-resposta: – Por aí... – que eu disse. Aí era o cão da noite, que meu beiço indicava. Vaga-lumes, mais de milhar. Mas o céu estava encoberto, ensombrado. Sofismei.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Meio arrependido do dito, puxei outra conversa com Diadorim; e ele me contrariou com derresposta, com o pique de muita solércia. Me lembro de tudo. O que me deu raiva. Mas, aos poucos, essa raiva minou num gosto concedido. Deixei em mim. Digo ao senhor: se deixei, sem pejo nenhum, era por causa da hora – a menos sobra de tempo, sem possibilidades, a espera de guerra. Ao que, alforriado me achei. Deixei meu corpo querer Diadorim; minha alma? Eu tinha recordação do cheiro dele.
Mesmo no escuro, assim, eu tinha aquele fino das feições, que eu não podia divulgar, mas lembrava, referido, na fantasia da idéia.
Diadorim – mesmo o bravo guerreiro – ele era para tanto carinho: minha repentina vontade era beijar aquele perfume no pescoço: a lá, aonde se acabava e remansava a dureza do queixo, do rosto... Beleza – o que é? E o senhor me jure! Beleza, o formato do rosto de um: e que para outro pode ser decreto, é, para destino destinar... E eu tinha de gostar tramadamente assim, de Diadorim, e calar qualquer palavra. Ela fosse uma mulher, e à-alta e desprezadora que sendo, eu me encorajava: no dizer paixão e no fazer – pegava, diminuía: ela no meio de meus braços! Mas, dois guerreiros, como é, como iam poder se gostar, mesmo em singela conversação – por detrás de tantos brios e armas? Mais em antes se matar, em luta, um o outro. E tudo impossível. Três-
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas tantos impossível, que eu descuidei, e falei. –... Meu bem, estivesse dia claro, e eu pudesse espiar a cor de seus olhos... –; o disse, vagável num esquecimento, assim como estivesse pensando somente, modo se diz um verso. Diadorim se pôs pra trás, só assustado. –
O senhor não fala sério! – ele rompeu e disse, se desprazendo. “O
senhor” – que ele disse. Riu mamente. Arrepio como recaí em mim, furioso com meu patetear. – Não te ofendo, Mano. Sei que tu é corajoso... – eu disfarcei, afetando que tinha sido brinca de zombarias, recompondo o significado. Aí, e levantei, convidei para se andar. Eu queria airar um tanto. Diadorim me acompanhou.
Era uma noite de toda fundura. Estava dando um vento, esquisito para aquele tempo, por ser um vento em-hora do lado suão, em-hora do norte, conforme se riscando um fósforo, ou jogando punhado de areia fina clara para cima, se conhecia.
Andamos. Mas, agora, eu já tinha demudado o meu sentir, que era por Diadorim uma amizade somente, rei-real, exata de forte, mesmo mais do que amizade. Essa simpatia que em mim, me aumentava. De tanto, que eu podia honestamente dizer a ele o meu bemquerer, constância da minha estimação.
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Não disse. Por que que não disse, foi porque o perigo da ocasião me invocou: achei que podia ser agouro, em véspera de guerra, a conversa afeiçoada assim. Diadorim – em que era que ele devia de estar pensando?; é o que eu não soube, não sei, à minha morte esta pergunta faço... Como certo é que só do sem-mais de coisas falamos, sem nenhuma expedição. Até que o vento revirou: mudando inteiro, que vinha era só do norte, conforme neste lado da minha cara ele só se fez quente, refrescando. O sertão ventou rouco. Com formas que logo se ajuizou de poder supravir chuva forte, e carecido foi que determinamos de retornar com tudo, para se ir dormir mesmo nas casas do arraial, só uns poucos homens de vigia se deixando naquele alto, a padrasto. E isso era o exato, mas me aborreceu demais e me cansou, mais do que as outras peripécias. Consabido que na noite antes eu tinha viajado em todo regime das estrelas, e mais ainda no dia, afora as duas ou três horinhas de sono, de madrugada. Foi eu ver um catre, e me trespassei. Ainda disse uma recomendação: que, tirante caso resoluto, em hora qualquer não me chamassem. Dormi mortalmente. Essa, foi noite que eu dormi: sendo o chefe Urutu-Branco, mesmo dizer – o jagunço Riobaldo...
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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Acordei último. Alteado se podia nadar no sol. Aí, quase que não se passavam mais os bandos de pássaros. Mesmo perfiz: que o dia ia dever ser bonito, firme. O calor fortalecia, e logo ia se secando o chão, umas poças de lama e as árvores com gotejos