"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » Portuguese Books » ,,O Primo Basílio'' - de Eça de Queirós

Add to favorite ,,O Primo Basílio'' - de Eça de Queirós

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

Falava-se nessa noite do Alentejo, de Évora e das suas riquezas, da capela dos ossos, quando o Conselheiro entrou com o paletó no braço. Foi-o dobrar solicitamente numa cadeira a um canto, e no seu passo aprumado e oficial veio apertar as mãos ambas de Luísa, dizendo-lhe com uma voz sonora, de papo:

Minha boa senhora D. Luísa, de perfeita saúde, não? O nosso Jorge tinha-mo dito. Ainda bem! Ainda bem!

Era alto, magro, vestido todo de preto, com o pescoço entalado num colarinho direito. O rosto aguçado no queixo ia-se alargando até à calva, vasta e polida, um pouco amolgada no alto; tingia os cabelos que de uma orelha à outra lhe faziam colar por trás da nuca — e aquele preto lustroso dava, pelo contraste, mais brilho à calva; mas não tingia o bigode: tinha-o grisalho, farto, caído aos da boca. Era muito pálido; nunca tirava as lunetas escuras. Tinha uma covinha no queixo, e as orelhas grandes muito despegadas do crânio.

Fora, outrora, diretor-geral do Ministério do Reino, e sempre que dizia "El-rei!" erguia-se um pouco na cadeira. Os seus gestos eram medidos, mesmo a tomar rapé. Nunca usava palavras triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empregava restituir. Dizia sempre "o nosso Garrett, o nosso Herculano". Citava muito. Era autor. E sem família, num terceiro andar da Rua do Ferregial, amancebado com a criada, ocupava-se de economia política: tinha composto os Elementos genéricos da ciência da riqueza e a sua distribuição, segundo os melhores autores, e como subtítulo: Leituras do serão! Havia apenas meses publicara a Relação de todos os ministros de Estado desde o grande Marquês de Pombal até nossos dias, com datas cuidadosamente averiguadas do seus nascimentos e óbitos.

Já esteve no Alentejo, Conselheiro? — perguntou-lhe Luísa.

Nunca, minha senhora — e curvou-se. — Nunca! E tenho pena!

Sempre desejei lá ir, porque me dizem que as suas curiosidades são de primeira ordem.

Tomou uma pitada de uma caixa dourada, entre os dedos, delicadamente, e acrescentou com pompa:

De resto, país de grande riqueza suma!

Ó Jorge, averigua quanto é o partido da Câmara em Évora — disse Julião do canto do sofá.

O Conselheiro acudiu, cheio de informações, com a pitada suspensa:

Devem ser seiscentos mil réis, Sr. Zuzarte, e pulso livre. Tenho-o nos meus apontamentos. porque, Sr. Zuzarte, quer deixar Lisboa?

Talvez!. .

Todos desaprovaram.

Ah! Lisboa sempre é Lisboa! — suspirou D. Felicidade.

"Cidade de mármore e de granito", na frase sublime do nosso grande historiador! — disse solenemente o Conselheiro.

E sorveu a pitada com os dedos abertos em leque, magros, bem tratados.

D. Felicidade disse então:

Quem não era capaz de deixar Lisboa nem à mão de Deus Padre, era o Conselheiro!

O Conselheiro, voltando-se vagarosamente para ela, um pouco curvado, replicou:

Nasci em Lisboa, D. Felicidade, sou lisboeta de alma!

O Conselheiro — lembrou Jorge — nasceu na Rua de São José.

Número setenta e cinco, meu Jorge. Na casa pegado àquela em que viveu, até casar, o meu prezado Geraldo, o meu pobre Geraldo!

Geraldo, o seu pobre Geraldo era o pai de Jorge. Acácio fora o seu íntimo.

Eram vizinhos. Acácio tocava então rabeca, e, como Geraldo tocava flauta, faziam duos, pertenciam mesmo à Filarmónica da Rua de São José. Depois Acácio, quando entrou nas repartições do Estado, por escrúpulo e por dignidade, abandonou a rabeca, os sentimentos ternos, os serões joviais da Filarmónica. Entregou-se todo à Estatística. Mas conservou-se muito leal a Geraldo; continuou mesmo a Jorge aquela amizade vigilante; fora padrinho do seu casamento, vinha vê-lo todos os domingos, e, no dia dos seus anos, mandava-lhe pontualmente, com uma carta de felicitações, uma lampreia de ovos.

Aqui nasci — repetiu, desdobrando o seu belo lenço de seda da Índia

Are sens

Copyright 2023-2059 MsgBrains.Com