—
Belo final! — murmurou o Conselheiro.
—
Enfim — acrescentou Ernesto, resumindo —, aqui há um enredo complicado: o Conde de Monte Redondo e a mulher amam-se, o marido descobre, arremessa todo o seu ouro aos pés do conde, e mata a esposa.
—
Como? — perguntaram.
—
Atira-a ao abismo. E no quinto acto. O conde vê, corre, atira-se também. O marido cruza os braços e dá uma gargalhada infernal. Foi assim que eu imaginei a coisa!
Calou-se, ofegante; e, abanando-se com o lenço, rolava em redor os seus olhos langorosos, prateados como os de um peixe morto.
—
É uma obra de cunho, embatem-se grandes paixões! — disse o Conselheiro, passando as mãos sobre a calva. — Os meus parabéns, Sr.
Ledesma!
—
Mas que quer o empresário? — perguntou Julião, que escutara de pé, atónito — que quer ele? Quer o abismo num primeiro andar, mobilado pelo Gardé?
Ernestinho voltou-se, muito afetuosamente:
—
Não, Sr. Zuzarte — a sua voz era quase meiga —, quer o desfecho numa sala. De modo que eu — e fazia um gesto resignado — a gente tem de condescender, tive de escrever outro final. Passei a noite em claro. Tomei três chávenas de café!. .
O Conselheiro acudiu, com a mão espalmada:
—
Cuidado, Sr. Ledesma, cuidado! Prudência com esses excitantes! Por quem é, prudência!
—
A mim não me faz mal, Sr. Conselheiro — disse sorrindo. — Escrevo em três horas! Venho de lho mostrar agora. Até o tenho aqui..
—
Leia, Sr. Ernesto, leia! — exclamou logo D. Felicidade.
Que lesse! Que lesse! porque não lia?
Era uma maçada!. . Era um rascunho... Enfim, como queriam!. . E radiante desdobrou, no silêncio, uma grande folha de papel azul pautado.
—
Eu peço desculpa. Isto é um borrão. A coisa não está ainda com todos os ff e rr. — Fez então voz teatral:
Ágata é a mulher; isto aqui é a cena com o marido, o marido já sabe tudo. .
ÁGATA (caindo de joelhos aos pés de Júlio)
Mas mata-me! Mata-me, por piedade! Antes a morte, que ver, com esses desprezos, ocoração rasgado fibra a fibra!
JÚLIO
E não me rasgaste tu também o coração? Tiveste tu piedade? Não. Retalhaste-mo! MeuDeus, eu que a julgava pura, nessas horas em que arrebatados..
O reposteiro franziu-se. Sentiu-se um fino tilintar de chávenas. Era Juliana, de avental branco, com o chá.
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Que pena! — exclamou Luísa. — Depois do chá se lê. Depois do chá.
Emesto dobrou o papel, e, com um olhar de lado para Juliana, rancoroso:
—
Não vale a pena, prima Luísa!
—