Sorveu um gole de chá e depois de um momento:
—
E tu, maroto, sempre partes amanhã? Não há umas tentaçõezinhas de ir por aí fora com ele, minha cara amiga?
Luísa sorriu. Tomara ela! Quem dera! Mas era uma jornada tão incómoda!
Depois a casa não podia ficar só, não havia que fiar em criados. .
—
Está claro, está claro... — disse ele.
Jorge então, que abrira a porta do escritório, chamou-o:
—
Ó Sebastião! Fazes favor?
Ele foi logo com o seu andar pesado, o largo dorso curvado; as abas do seu casaco malfeito tinham comprimento eclesiástico.
Entraram para o escritório.
Era uma saleta pequena, com uma estante alta e envidraçada, tendo em cima a estatueta de gesso, empoeirada e velha, de uma bacante em delírio. A mesa, com um antigo tinteiro de prata que fora do seu avô, estava ao pé da janela; uma coleção empilhada de Diários do Governo branquejava a um canto; por cima da cadeira de marroquim-escuro pendia, num caixilho preto, uma larga fotografia de Jorge; e sobre o quadro duas espadas encruzadas reluziam. Uma porta, no fundo, coberta com um reposteiro de baeta escarlate, abria para o patamar.
—
Sabes quem esteve aí de tarde? — disse logo Jorge acendendo o cachimbo. — Aquela desavergonhada da Leopoldina! Que te parece, hem?
—
E entrou? — perguntou Sebastião, baixo, correndo por dentro o pesado reposteiro de fazenda listrada.
—
Entrou, sentou-se, esteve, demorou-se! Fez o que quis! A Leopoldina, a Pão e Queijo!
E arremessando o fósforo violentamente:
—
Quando penso que aquela desavergonhada vem a minha casa! Uma criatura que tem mais amantes que camisas, que anda pelo Dafundo em troças, que passeava nos bailes, este ano, de dominó, com um tenor! A mulher do Zagalão, um devasso que falsificou uma letra!
E quase ao ouvido de Sebastião:
—
Uma mulher que dormiu com o Mendonça dos calos! Aquele sebento do Mendonça dos calos!
Teve um gesto furioso; exclamou:
—
E vem aqui, senta-se nas minhas cadeiras, abraça minha mulher, respira o meu ar!. . Palavra de honra, Sebastião, se a pilho — procurou mentalmente, com o olhar aceso, um castigo suficiente — dou-lhe açoites!
Sebastião disse devagar:
—
E o pior é a vizinhança. .
—
Está claro que é! — exclamou Jorge. — Toda essa gente aí pela rua abaixo sabe quem ela é! Sabem-lhe os amantes, sabem-lhe os sítios. É a Pão e Queijo! Todo o mundo conhece a Pão e Queijo!
—
Má vizinhança... — disse Sebastião.
—
De tremer!
Mas então! Estava acostumado à casa, era sua, tinha-a arranjado, era uma economia...
—
Se não! Não parava aqui um dia!