—
Deixe falar, Sr. Ledesma. Está a brincar. E ele então que é um coração de anjo!
—
Está enganada, D. Felicidade — disse Jorge, de pé diante dela. — Falo sério e sou uma fera! Se enganou o marido, sou pela morte. No abismo, na sala, na rua, mas que a mate. Posso lá consentir que, num caso desses, um
primo meu, uma pessoa da minha família, do meu sangue, se ponha a perdoar como um lamecha! Não! Mata-a! É um princípio de família. Mata-a quanto antes!
—
Aqui tem um lápis, Sr. Ledesma — gritou Julião, estendendo-lhe uma lapiseira.
O Conselheiro, então, interveio grave:
—
Não — disse —, não creio que o nosso Jorge fale sério. É muito instruído para ter ideias tão. .
Hesitou, procurou o adjetivo. Juliana pôs-se-lhe diante com uma bandeja, onde um macaco de prata se agachava comicamente sob um vasto guarda-sol eriçado de palitos. Tomou um, curvou-se, e concluiu:
—
. .tão anticivilizadoras.
—
Pois está enganado, Conselheiro, tenho-as — afirmou Jorge. — São as minhas ideias. E aqui tem, se em lugar de se tratar de um final de acto, fosse um caso da vida real, se o Ernesto viesse dizer-me: "Sabes, encontrei minha mulher. ."
—
Oh, Jorge! — disseram, repreensivamente.
Bem, suponhamos, se ele mo viesse dizer, eu respondia-lhe o mesmo. Dou a minha palavra de honra, que lhe respondia o mesmo: "Mata-a!"
Protestaram. Chamaram-lhe "tigre", "Otelo", "Barba-Azul". Ele ria, enchendo muito sossegadamente o seu cachimbo.
Luísa bordava, calada; a luz do candeeiro, abatida pelo abajur, dava aos seus cabelos tons de um louro quente, resvalava sobre a sua testa branca como sobre um marfim muito polido.
—
Que dizes tu a isto? — disse-lhe D. Felicidade.
Ela ergueu o rosto, risonha, encolheu os ombros. .
E o Conselheiro logo:
—
A senhora D. Luísa diz com orgulho o que dizem as verdadeiras mães de família:
Impurezas do mundo não me roçam
Nem a fímbria da túnica sequer.
—
Ora, muito boas noites — disse, à porta, uma voz grossa.
Voltaram-se.
Ó Sebastião! O Sr. Sebastião! Ó Sebastiarrão!
Era ele, Sebastião, o grande Sebastião, o Sebastiarrão, Sebastião tronco de árvore — o íntimo, o camarada, o inseparável de Jorge desde o Letim, na aula de Frei Libório aos paulistas.
Era um homem baixo e grosso, todo vestido de preto, com um chapéu mole desabado na mão. Começava a perder um pouco na frente os seus cabelos castanhos e finos. Tinha a pele muito branca, a barba alourada e curta. Veio sentar-se ao pé de Luísa.
—
Então de onde vem, de onde vem?
Vinha do Price. Rira muito com os palhaços. Houvera a brincadeira da pipa.
O seu rosto, em plena luz, tinha uma expressão honesta, simples, aberta: os olhos pequenos, azuis de um azul-claro, de uma suavidade séria, adoçavam-se muito quando sorria; e os beiços escarlates, sem películas secas, os dentes luzidios revelavam uma vida saudável e hábitos castos. Falava devagar, baixo, como se tivesse medo de se manifestar ou de fatigar. Juliana trouxera-lhe a sua e remexendo o açúcar com a colher direita, os olhos ainda a rir, um sorriso bom:
—
A pipa tem muita graça! Muita graça!