D. Felicidade sabe que tem em mim um amigo sincero...
Ela levantou para ele os seus olhos pisados, de onde saíam revelações de paixão e súplicas de felicidade:
—
E eu, Conselheiro!. .
Deu um grande suspiro, pôs o leque sobre o rosto.
O Conselheiro ergueu-se secamente. E com a cabeça alta, as mãos atrás das costas; foi ao piano, perguntou a Luísa curvando-se:
—
É alguma canção do Tirol, D. Luísa?
—
Uma valsa de Strauss — murmurou-lhe Ernestinho, em bicos de pés, ao ouvido.
—
Ah! Muita fama! Grande autor!
Tirou então o relógio. Eram horas, disse, de ir coordenar alguns apontamentos. Aproximou-se de Jorge, com solenidade:
—
Jorge, meu bom Jorge, adeus! Cautela com esse Alentejo! O clima é nocivo, a estação traiçoeira!
E apertou-o nos braços com uma pressão comovida.
D. Felicidade punha a sua manta de renda negra.
—
Já, D. Felicidade? — disse Luísa.
Ela explicou-lhe, ao ouvido:
—
Já, sim, filha, que tenho estado a abarrotar, comi umas vagens e tenho estado!... E aquele homem, aquele gelo! O Sr. Ernesto vem para os meus sítios, hem?
—
Como um fuso, minha senhora!
Tinha vestido o seu paletó de alpaca clara, fumava chupando, com as faces por uma boquilha enorme, onde uma Vénus se torcia sobre o dorso de um leão domado.
—
Adeus, primo Jorge, saudinha e dinheiro, hem? Adeus! Quando for a Honra e Paixão cá mando um camarote à prima Luísa. Adeus! Saudinha!
Iam a sair. Mas o Conselheiro, à porta, voltando-se subitamente, com as abas do paletó deitadas para trás, a mão pomposamente apoiada no castão de que representava uma cabeça de mouro, disse com gravidade:
—
Esquecia-me, Jorge! Tanto em Évora, como em Beja, visite os governadores civis! E eu digo-lhe porquê: devo-lho como primeiros funcionários do distrito, e podem-lhe ser de muita utilidade nas suas peregrinações científicas!
E curvando-se profundamente:
—
Al rivedere, como se diz em Itália.
Sebastião tinha ficado. Para arejar do fumo de tabaco, Luísa foi abrir as janelas; a noite estava quente e imóvel, de luar.
Sebastião pusera-se ao piano, e com a cabeça curvada, corria devagar o teclado.
Tocava admiravelmente, com uma compreensão muito fina da música.
Outrora compusera mesmo uma meditação, duas valsas, uma balada: mas eram estudos muito trabalhados, cheios de reminiscências, sem estilo. — Da cachimónia não me sai nada — costumava ele dizer com bonomia, batendo na testa, sorrindo — mas lá com os dedos!...
Pôs-se a tocar um Noturno, de Chopin. Jorge sentara-se no sofá ao pé de Luísa.
—
Já tens pronto o teu farnelzinho!.. — disse-lhe ela.
—
Bastam umas bolachas, filha. O que quero é o cantil com conhaque.
—
E não te esqueças de mandar um telegrama logo que chegues!
—
Pudera!
—
Tu daqui a quinze dias, vens!
—
Talvez..