Que preparava ela? As vezes vinha-lhe uma onda de raiva; se fosse forte ou corajosa, decerto atirar-se-lhe-ia ao pescoço, para a esganar, arrancar-lhe a carta! Mas pobre dela; era "uma mosquinha"!
Justamente, numa dessas manhãs, Juliana entrou no quarto — com o vestido preto de seda no braço. Estendeu-o na poltrona, e mostrou a Luísa, na saia, ao pé do último folho, um rasgão largo que parecia feito com um prego; vinha saber se a senhora queria que o mandasse à costureira.
Luísa lembrava-se bem; rasgara-o uma manhã no Paraíso a brincar com Basílio!
—
Isto é fácil de arranjar — dizia Juliana, passando de leve a mão espalmada sobre a seda, com lentidão de uma carícia.
Luísa examinava-o, hesitante:
—
Ele também já não está novo. . Olhe, guarde-o pra você!
Juliana estremeceu, fez-se vermelha:
—
Oh, minha senhora! — exclamou. — Muito agradecida! É um rico presente. Muito agradecida, minha senhora! Realmente. . — E a voz perturbava-se-lhe.
Tomou-o nos braços, com cuidado, correu logo à cozinha. E Luísa, que a seguira pé ante pé, ouviu-a dizer toda excitada:
—
É um rico presente, é o que há de melhor. E novo! Uma rica seda! —
Fazia arrastar a cauda pelo chão, com um frufru. Sempre o invejara; e tinha-o agora, era o seu vestido de seda! — É de muito boa senhora, Sra. Joana, é de um anjo!
Luísa voltou ao quarto, toda alvoroçada; era como uma pessoa perdida de noite, num descampado — que de repente, ao longe, vê reluzir um clarão de vidraça! Estava salva! Era presenteá-la, era fartá-la! Começou logo a pensar no que lhe podia dar mais, pouco a pouco: o vestido roxo, roupas brancas, o roupão velho, uma pulseira!
Daí a dois dias — era um domingo — recebeu um telegrama de Jorge:
"Parto amanhã do Carregado. Chego pelo comboio do Porto às seis." Que sobressalto! Voltava, enfim!
Era nova, era amorosa — e no primeiro momento todos os sustos, as inquietações desapareceram sob uma sensação de amor e de desejo, que a inundou. Viria de madrugada, encontrá-la-ia deitada — e já pensava na delícia do seu primeiro beijo!. .
Foi-se ver ao espelho: estava um pouco magra, talvez com a fisionomia um pouco fatigada. . E a imagem de Jorge aparecia-lhe então muito nitidamente, mais queimada do sol, com os seus olhos ternos, o cabelo tão anelado! Que estranha coisa! Nunca lhe apetecera tanto vê-lo. Foi logo ocupar-se dele; o escritório estaria bem arranjado? Quereria um banho morno; seria necessário aquecer a água na tina grande!. . E ia e vinha, cantarolando, com um brilho exaltado nos olhos.
Mas a voz de Juliana, de repente no corredor, fê-la estremecer. Que faria ela, a mulher? Ao menos que a deixasse naqueles primeiros dias gozar a volta de Jorge, tranquilamente!. . Veio-lhe uma audácia, chamou-a.
Juliana entrou, com o vestido de seda novo, movendo-se cuidadosamente:
—
Quer alguma coisa, minha senhora?
—
O Sr. Jorge volta amanhã.. — disse Luísa.
E suspendeu-se; o coração batia-lhe fortemente.
—
Ah! — fez Juliana. — Bem, minha senhora.
E ia sair
—
Juliana! — fez Luísa, com a voz alterada.
A outra voltou-se, surpreendida.
E Luísa batendo com as mãos, num movimento suplicante:
—
Mas você ao menos nestes primeiros dias.. Eu hei de arranjar, esteja cena!. .
Juliana acudiu logo:
—
Oh, minha senhora! Eu não quero dar desgostos a ninguém. O que eu quero é um bocadinho de pão para a velhice. da minha boca não há de vir mal
a ninguém. O que peço à senhora é que se for da sua vontade e me quiser ir ajudando...
—
Lá isso, sim. . O que você quiser.
—
Pois pode, estar certa que esta boca. . — E fechou os lábios com os dedos.
Que alegria para Luísa! Tinha uns dias, umas semanas, enfim, sem tormentos, com o seu Jorge! Abandonou-se então toda à deliciosa impaciência de o ver.
Era singular — mas parecia-lhe que o amava mais!... — E depois pensaria, veria, daria outros presentes a Juliana, poderia pouco a pouco preparar Sebastião. . Quase se sentia feliz.
De tarde Juliana veio dizer-lhe, muito risonha:
—
A Sra. Joana saiu, que era hoje o seu dia, mas eu tinha tanta precisão de sair, também! Se a senhora lhe não custasse ficar só. .
—