E além disso é de boa educação. Vossa Excelência há de reparar que toda a nobreza cumpre..
Calou-se; aprumava a estatura, todo satisfeito de descer o Chiado com aquela linda senhora, tão olhada. Mesmo, ao passar por um grupo, curvou-se para ela misteriosamente; disse-lhe ao ouvido, sorrindo:
—
Está um dia apreciável!
E ofereceu-lhe bolos à porta do Baltresqui. Luísa recusou.
—
Sinto. Todavia acho muito sensata a regularidade nas comidas.
A sua voz vinha agora a Luísa com a impertinência de um zumbido; apesar de não fazer calor, abafava, picava-lhe o sangue no corpo; tinha vontade de deitar a correr, de repente; e todavia caminhava devagar, infeliz, como sonâmbula, cheia de necessidade de chorar.
Sem razão, ao acaso, entrou no Valente. Era hora e meia! Depois de hesitar pediu gravatas de fular a um caixeiro louro e jovial.
—
Brancas? De cor? De riscas? Com pintinhas?
—
Sim, verei, sortidas.
Não lhe agradavam. Desdobrava-as, sacudia-as, punha-as de lado; e olhava em roda vagamente, pálida. . O caixeiro perguntou-lhe se estava incomodada: ofereceu-lhe água, qualquer coisa. .
Não era nada; o ar é que lhe fazia bem; voltaria. Saiu. O Conselheiro, muito solícito, prontificou-se a acompanhá-la a uma boa farmácia tomar água de flor de laranja. . Desciam então a Rua Nova do Carmo, e o Conselheiro ia afirmando que o caixeiro fora muito polido; não se admirava, porque no comércio havia filhos de boas famílias; citou exemplos.
Mas vendo-a calada:
—
Ainda sofre?
—
Não, estou bem.
—
Temos dado um delicioso passeio!
Foram ao comprido do Rossio, até ao fim. Voltaram, atravessaram-no em diagonal. E pelo lado do Arco do Bandeira, aproximaram-se para a Rua do Ouro.
Luísa olhava em redor, aflita; procurava uma ideia, uma ocasião, um acontecimento — e o Conselheiro, grave ao seu lado, dissertava. A vista do Teatro de D. Maria levara-o para as questões da arte dramática; tinha achado que a peça do Ernestinho era talvez demasiado forte. De resto só gostava de comédias. Não que se não entusiasmasse com as belezas de um Frei Luís de Sousa!, mas a sua saúde não lhe permitia as agitações fortes. Assim por exemplo...
Mas Luísa tivera uma ideia, e imediatamente:
Ah! Esquecia-me! Tenho de ir ao Vitry. Vou fazer chumbar um dente.
O Conselheiro, interrompido, fitou-a. E Luísa, estendendo-lhe a mão, com a voz rápida:
—
Adeus, apareça, hem? — E precipitou-se para o portal do Vitry.
Subiu até ao primeiro andar, correndo, com os vestidos apanhados; parou, arquejando; esperou: desceu devagar, espreitou à porta. . A figura do Conselheiro afastava-se direita, digna, para os lados das secretarias.
Chamou um trem.
—
A quanto puder! — exclamou.
A carruagem entrou quase a galope na ruazinha do Paraíso. Figuras pasmadas apareceram à janela. Subiu, palpitante. A porta estava fechada — e logo a cancela do lado abriu-se, e a voz doce da patroa segredou:
—
Já saiu. Há de haver meia hora.
Desceu. Deu a sua morada ao cocheiro, e atirando-se para o fundo do cupê, rompeu num choro histórico. Correu os estores para se esconder; arrancou o véu, rasgou uma luva, sentindo em si violências inesperadas. Então veio-lhe um desejo frenético de ver Basílio! Bateu nos vidros desesperadamente, gritou:
—
Ao Hotel Central!
Porque estava num daqueles momentos em que os temperamentos sensíveis têm impulsos indomáveis; há uma delícia colérica em espedaçar os deveres e as conveniências; e a alma procura sofregamente o mal com estremecimentos de sensualidade!