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Estive em Sintra, minha querida senhora. — E parando: — Não sabia?
O Diário de Noticias especificou-o!
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Mas depois de vir de Sintra?
Ele acudiu:
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Ah! Tenho estado ocupadíssimo! Ocupadíssimo! Inteiramente absorvido na compilação de certos documentos que me eram indispensáveis
para o meu livro. . — E depois de uma pausa: — Cujo nome não ignora, creio.
Luísa não se recordava inteiramente. O Conselheiro então expôs o titulo, os fins, alguns nomes de capítulos, a utilidade da obra: era a descrição pitoresca dos principais cidades de Portugal e os seus mais famosos estabelecimentos.
—
É um guia, mas um guia científico. Ilustrarei com um exemplo: Vossa Excelência quer ir a Bragança: sem o meu livro é muito natural (direi, é certo) que volta sem ter gozado das curiosidades locais; com o meu livro percorre os edifícios mais notáveis, recolhe um fundo muito sólido de instrução, e tem ao mesmo tempo o prazer.
Luísa mal o escutava, sorrindo vagamente sob o seu véu branco.
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Está hoje muito agradável! — disse ela.
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Agradabilíssimo! Um dia criador!
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Que bom fresco aqui!
Tinham entrado em São Pedro de Alcântara; um ar doce circulava entre as árvores mais verdes; o chão compacto, sem pó, tinha ainda uma ligeira humidade; e, apesar do sol vivo, o céu azul parecia leve e muito remoto.
O Conselheiro então falou do estio; tinha sido tórrido! Na sua sala de jantar tinha havido quarenta e oito graus à sombra! Quarenta e oito graus! — E com bonomia, querendo logo desculpar a sala daquela exageração canicular: —
Mas é que está exposta ao sul! Façamos essa justiça! Está muito exposta ao sul! Hoje, porém, está verdadeiramente restaurador.
Convidou-a mesmo a dar uma volta embaixo no jardim. Luísa hesitava. E o Conselheiro puxando o relógio, fitando-o de longe, declarou logo que ainda não era meio-dia. Estava certo pelo Arsenal; era um relógio inglês. — Muito preferíveis aos suíços! — acrescentou com ar profundo.
Cobardemente, por inércia, enervada pela voz pomposa do Conselheiro, Luísa foi descendo, contrariada, as escadinhas para o jardim. De resto — pensava
— tinha tempo, tomaria um trem..
Foram encostar-se às grades. Através dos varões viam, descendo num declive, telhados escuros, intervalos de pátios, cantos de muro com uma ou outra magra verdura de quintal ressequido; depois, no fundo do vale, o Passeio estendia a sua massa de folhagem prolongada e oblonga, onde a espaços branquejavam pedaços da rua areada. Do lado de lá erguiam-se logo as fachadas inexpressivas da Rua Oriental, recebendo uma luz forte que fazia faiscar as vidraças; por trás iam-se elevando no mesmo plano terrenos de um verde crestado fechados por fortes muros sombrios; a cantaria da Encarnação de um amarelo triste; outras construções separadas, até ao alto da Graça coberta de edifícios eclesiásticos, com renques de janelinhas conventuais e torres de igrejas, muito brancas sobre o azul; e a Penha de França, mais para além, punha em relevo o vivo do muro caiado, de onde sobressaia uma tira
verde-negra de árvoredo. À direita, sobre o monte pelado, o castelo assentava, atarracado, ignobilmente sujo; e a linha muito quebrada de telhados, de esquinas de casas da Mouraria e da Alfama descia com ângulos bruscos até as duas pesadas torres da Sé, de um aspeto abacial e secular. Depois viam um pedaço do rio, batido da luz; duas velas brancas passavam devagar; e na outra banda, à base de uma colina baixa que o ar distante azulava, estendia-se a correnteza de casarias de uma povoaçãozinha de um branco de crê luzidio. Da cidade um rumor grosso e lento subia, onde se misturavam o rolar dos trens, o pesado rodar dos carros de bois, a vibração metálica das carretas que levam ferraria, e algum grito agudo de pregão.
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Grande panorama! — disse o Conselheiro com ênfase. — E encetou logo o elogio da cidade. Era uma das mais belas da Europa, decerto, e como entrada, só Constantinopla! Os estrangeiros invejavam-na imenso. Fora outrora um grande empório, e era uma pena que a canalização fosse tão má, e a edilidade tão negligente!
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Isto devia estar na mão dos ingleses, minha rica senhora! — exclamou.
Mas arrependeu-se logo daquela frase impatriótica. Jurou que era uma maneira de dizer. Queria a independência do seu país; morreria por ela, se fosse necessário; nem ingleses nem castelhanos!. . Só nós, minha senhora! — E
acrescentou com uma voz respeitosa: — E Deus!
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Que bonito está o rio! — disse Luísa.
Acácio afirmou-se, e murmurou em tom cavo:
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O Tejo!
Quis então dar uma volta pelo jardim. Sobre os canteiros borboletas brancas, amarelas, esvoaçavam; um gotejar de água fazia no tanque um ritmozinho de jardim burguês; um aroma de baunilha predominava; sobre a cabeça dos bustos de mármore, que se elevam dentre os maciços e as moitas de dálias, pássaros pousavam.
Luísa gostava daquele jardinzinho, mas embirrava com as grades tão altas. .