—
Por causa dos suicídios! — acudiu logo o Conselheiro. — E todavia, segundo a sua opinião, os suicídios em Lisboa diminuíam consideravelmente; atribuía isso à maneira severa e muito louvável como a imprensa os condenava. .
—
Porque em Portugal, creia isto, minha senhora, a imprensa é uma força!
—
Se fôssemos andando?. . — lembrou Luísa.
O Conselheiro curvou-se, mas vendo-a, a ir colher uma flor, reteve-lhe vivamente o braço:
—
Ah, minha rica senhora, por quem é! Os regulamentos são muito explícitos! Não os infrinjamos, não os infrinjamos! — E acrescentou: — O
exemplo deve vir de cima.
Foram subindo, e Luísa pensava: — "Vai para casa; larga-me ao Loreto."
Na Rua de São Roque espreitou o relógio de uma confeitaria: era meia hora depois do meio-dia! Já Basílio esperava!
Apressou o passo, ao Loreto parou. O Conselheiro olhou-a, sorrindo, esperando.
—
Ah! Pensei que ia para casa, Conselheiro!
—
Já agora quero acompanhá-la, se a vossa Excelência mo permite.
Decerto não sou indiscreto?
—
Ora essa! De modo nenhum.
Uma carruagem da Companhia passava, seguida de um correio a trote.
O Conselheiro, com um movimento ansioso, tirou profundamente o chapéu.
—
É o presidente do conselho. Não viu? Fez-me um sinal de dentro. —
Começou logo o seu elogio: era o nosso primeiro parlamentar; vastíssimo talento, uma linguagem muito castigada! — E ia decerto falar das coisas públicas, mas Luísa atravessou para os Mártires, erguendo um pouco o vestido por causa de uns restos de lama. Parou à porta da igreja, e sorrindo:
—
Vou aqui fazer uma devoçãozinha. Não o quero fazer esperar. Adeus, Conselheiro, apareça. — fechou a sombrinha, estendeu-lhe a mão.
—
Ora essa, minha rica senhora! Esperarei, se vir que não se demora muito. Esperarei, não tenho pressa. — E com respeito: — Muito louvável esse zelo!
Luísa entrou na igreja desesperada. Ficou de pé debaixo do coro, calculando:
— "Demoro-me aqui, ele cansa-se de esperar e vai-se!" Por cima reluziam vagamente os pingentes de cristal dos lustres. Havia uma luz velada, igual, um pouco fosca. E as arquiteturas caiadas, a madeira muito lavada do soalho, as balaustradas laterais de pedra davam uma tonalidade clara e alvadia, onde destacavam os dourados da capela, os frontais roxos dos púlpitos, ao fundo dois reposteiros de um roxo mais escuro, e sob o dossel cor de violeta os ouros do trono. Um silêncio fresco e alto repousava. Diante do batistério um rapaz de joelhos, com um balde de zinco ao pé, esfregava o chão com uma rodilha, discretamente; dorsos de beatas, encapotados ou cobertos de xales tingidos, curvavam-se, aqui e além, diante de um altar; e um velho, de jaqueta de saragoça, prostrado no meio da igreja, rosnava rezas numa melopeia lúgubre; via-se a sua cabeça calva, as tachas enormes dos sapatos, e a cada momento, dobrando-se, batia no peito com desespero.
Luísa subiu ao altar-mor. Basílio impacientava-se, decerto, pobre rapaz!
Perguntou então, timidamente, as horas a um sacristão que passava. O
homem ergueu a sua face cor de cidra para uma janela na cúpula, e olhando Luísa de lado:
—
Vai indo para as duas.
Para as duas! Era capaz de não esperar, Basílio! Veio-lhe um receio de perder a sua manhã amorosa, um desejo áspero de se achar no Paraíso, nos braços dele! E olhava vagamente os santos, as virgens trespassadas de espadas, os Cristos chagados — cheia de impaciências voluptuosas, revendo o quarto, a caminha de ferro, o pequeno bigode de Basílio!... Mas demorou-se, queria
"fatigar o Conselheiro, deixá-lo ir". Quando pensou que ele teria partido, saiu devagarinho. — Viu-o logo à porta, direito, com as mãos atrás das costas, lendo a pauta dos jurados.
Começou imediatamente a louvar a sua devoção. Não entrara porque não quisera perturbar o seu recolhimento. Mas aprovava-a muito! A falta de religião era a causa de toda a imoralidade que grassava. .
—