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Ficaram caladas, vagamente entorpecidas por aquele sentimento de uma forte imoralidade geral, onde as resistências, os orgulhos se amolecem, se elanguescem — como os músculos numa estufa fortemente saturada de exalações mornas.

Este mundo é uma história — disse Leopoldina erguendo-se e espreguiçando-se.

E teu marido onde está? — perguntou Luísa no corredor.

Fora para o Porto. Estavam à vontade, podiam cometer crimes!

E Leopoldina, no quarto, estirando-se no canapé, com o cigarrinho La Ferme na boca, começou também a queixar-se.

Andava aborrecida há tempos; enfastiava-se, achava tudo secante; queria alguma coisa de novo, de desusado! Sentia-se bocejar por todos os poros do seu corpo...

E o Fernando, então? — disse distraidamente Luísa, que a cada momento se aproximava da janela.

Um idiota! — respondeu Leopoldina com um movimento de ombros, cheio de saciedade e de desprezo.

Não, realmente tinha vontade de outra coisa, não sabia bem de quê! As vezes lembrava-se fazer-se freira! (E estirava os braços com um tédio mole.) Eram tão sensaborões todos os homens que conhecia! Tão corriqueiros todos os prazeres que encontrara! Queria uma outra vida, forte, aventurosa, perigosa, que a fizesse palpitar — ser mulher de um salteador, andar no mar; num navio pirata. . Enquanto ao Fernando, o amado Fernando dava-lhe náuseas! E outro que viesse seria o mesmo. Sentia-se farta dos homens! Estava capaz de tentar Deus!

E, depois de escancarar a boca, num bocejo de fera engaiolada:

Aborreço-me! Aborreço-me!. . Oh, céus! Ficaram um momento caladas.

Mas, que se lhe há de dizer, a esse homem? — perguntou de repente Luísa.

Leopoldina, soprando o fumo do cigarro, com a voz muito preguiçosa:

Diz-se-lhe que se precisa um conto de réis, ou seiscentos mil réis... Que se lhe há de então dizer? Que se lhe paga.

Como?

Leopoldina disse, deitada, com os olhos no teto:

Em afeto.

Oh! És horrível! — exclamou Luísa, exasperada. — Vês-me aqui desgraçada, meia doida, dizes que és minha amiga, e estás a rir, a escarnecer..

— A sua voz tremia, quase chorava.

Mas também que pergunta tão tola! Como se lhe há de pagar?. . Tu não sabes?

Olharam-se um momento.

Não, eu vou-me embora, Leopoldina! — exclamou Luísa.

Não sejas criança!

Um trem parou na rua. A Justina apareceu. Não encontrara o Sr. Castro em casa, estava no escritório. Fora lá, disse que vinha imediatamente.

Mas Luísa, muito pálida, tinha o chapéu na mão.

Não — disse Leopoldina quase escandalizada —, tu agora não me deixas aqui com o homem! Que lhe hei de eu dizer?

É horrível! — murmurou Luísa com uma lágrima nas pálpebras, deixando cair os braços, solicitada pelo interesse, enleada pela vergonha, muito infeliz!

É como quem toma óleo de rícino! — disse a outra com um gesto cínico. E acrescentou, vendo o horror de Luísa: — Que diabo! Onde é que está a desonra, em pedir dinheiro emprestado? Todo o mundo pede..

Naquele momento outra carruagem, a largo trote, parou.

Entra tu primeiro! Fala-lhe tu primeiro! — suplicou Luísa, erguendo as mãos para ela.

A campainha retiniu. Luísa, muito trémula, muito branca, olhava para todos os lados com um olhar muito aberto, de susto, de ânsia, como procurando uma ideia, uma resolução ou um recanto para se esconder. Botas de homem rangeram na esteira da sala ao lado. Leopoldina então disse-lhe baixo, devagar, como para lhe cravar as palavras na alma, uma a uma.

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