Também me regalo de mandar as cartas ao marido, tia Vitória!
A velha encolheu os ombros:
—
Não lucras nada com isso. Ou que eles se desquitem, ou que ele lhe parta os ossos, ou que a mande para um convento — tu não ganhas nada. E
se se acomodarem, mais ficas a chuchar no dedo, porque nem tens a consolação de fazeres a cizânia. E isto é, se as coisas correrem pelo melhor, porque podes muito bem ficar mas é em lençóis de vinagre com alguma carga de pau que eles te mandem dar. — E vendo um gesto espantado de Juliana:
— Já não era o primeiro caso, minha rica, já não era o primeiro. Olha que em Lisboa, passa-se muita coisa, e nem tudo vem nos jornais!
Positivamente o que ela tinha a fazer era voltar para a casa. porque enfim o que restava de tudo aquilo? O medo de D. Luísa; esse é que lá estava sempre a dar-lhe por dentro a cólica; desse é que era necessário tirar partido..
—
Tu voltas para lá — dizia — à espera que ela cumpra o que prometeu.
Se te dá o dinheiro, bem.. Se não, tem-na em todo o caso na mão, estás de dentro da praça, sabes o que se passa, podes-lhe apanhar muita coisa...
Mas Juliana hesitava. — Era difícil viverem debaixo das mesmas telhas sem haver uma questão por dá cá aquela palha.
—
Não te diz uma palavra, tu verás. .
—
Mas tenho medo..
—
De quê? — exclamava a tia Vitória. Ela não era mulher para a envenenar, não é verdade? Então? Quem a nada se arriscava nada ganhava. —
Isto é se queres — acrescentou — senão trata de te arranjar noutra parte, e deita as cartas para o fundo da arca. Que diabo! Tu vais ver, se não te convém, safas-te. .
Juliana decidiu ir, a "ver".
E reconheceu logo, que aquela finória da tia Vitória tinha carradas de razão.
Luísa, com efeito, parecia resignada. Sebastião tinha ido para Almada, outra vez. Mas como estava decidida, apenas ele voltasse, a ir a casa dele uma manhã, atirar-se-lhe aos pés, contar-lhe tudo, tudo, suportava Juliana, refletindo: —"E apenas por dias!" — Por isso não lhe disse uma palavra. Para quê? O que tinha a fazer era pagar-lhe e pô-la fora, não é verdade? Enquanto o não pudesse fazer, era aguentar e calar. Até que Sebastião voltasse. .
Entretanto evitava vê-la. Nunca a chamava. Não saía da alcova de manhã, sem a ter sentido fora no quarto encher o banho, sacudir os vestidos. Ia para a sala de jantar com um livro, e nos intervalos não levantava os olhos das páginas. E
durante todo o dia conservava-se no quarto com a porta fechada, lendo, costurando, pensando em Jorge — às vezes também em Basílio com ódio, desejando a volta de Sebastião, e preparando a sua história.
Juliana, uma manhã, encontrou Luísa no corredor trazendo para o quarto o regador cheio de água.
—
Oh, minha senhora! porque não chamou? — exclamou, quase escandalizada.
—
Não tem dúvida — disse Luísa.
Mas Juliana seguiu-a ao quarto, e cerrando a porta:
—
Ó minha senhora! — disse muito ofendida. — Isto assim não pode continuar. A senhora parece que tem medo de me ver, credo! Eu voltei para fazer o meu serviço como dantes. . Verdade, verdade, naturalmente, sempre espero que a senhora faça o que prometeu. . E lá largar as cartas não largo, sem ter seguro o pão da velhice. Mas o que se passou foi um repente de génio, e já pedi perdão à senhora. Quero fazer o meu serviço... Agora se a senhora não quer, então saio, e —, acrescentou com uma voz seca — talvez seja pior para todos!...
Luísa, muito perturbada, balbuciou:
—
Mas...
—
Não, minha senhora — cortou Juliana severamente — aqui a criada sou eu.
E saiu, empertigada.
Tanta audácia aterrou Luísa. Aquela ladra era capaz de tudo!
Então, para a não irritar começou, daí por diante, a chamá-la, a dizer: —"traga isto, traga aquilo" — sem a olhar.
Mas Juliana fazia-se tão serviçal, era tão calada, que Luísa pouco a pouco, dia a dia, com o seu caráter móbil, inconsciente, cheio de deixar-se ir, começou a perder o sentimento pungente daquela dificuldade. E no fim de três semanas as coisas tinham entrado nos seus eixos — dizia Juliana.