Os vizinhos hão de dizer que estamos doidos, Jorge.. — acudiu ela.
—
É justamente o que nós estamos! — E entrou no escritório, atirando com a porta.
Sebastião bateu alguns compassos, e voltando-se para ela, baixo:
—
Então que ideias são essas? Que melancolia é essa?
Luísa ergueu os olhos para ele; viu a sua face boa e amiga, cheia de simpatia; ia talvez dizer-lhe tudo numa explosão de dor, mas Jorge saía do escritório.
Sorriu, encolheu os ombros, retomou devagar o seu croché.
No domingo seguinte, à noite, conversava-se na sala. Julião contara o seu concurso. Em resumo, estava contente: tinha falado duas horas bem, com precisão, com lucidez.
O Dr. Figueiredo dissera-lhe que devia ter amenizado um bocado mais. .
—
Literatos! — fazia Julião encolhendo os ombros com desprezo. — Não podem falar cinco minutos sobre o osso do tornozelo, sem trazerem as "flores da primavera" e "o facho da civilização"!
—
O português tem a mania da retórica. . — disse Jorge.
Neste momento Juliana entrou na sala, com uma carta.
—
Oh! É do Conselheiro!
Ficaram inquietos. Mas Acácio apenas se desculpava de não poder vir, como prometera na véspera, partilhar do excelente chá de D. Luísa. Um trabalho urgente retinha-o à banca do dever. Pedia lembranças aos nossos Sebastião e Julião, e afetuosos respeitos à interessante D. Felicidade.
Uma onda de sangue abrasou o rosto da excelente senhora. Ficou a arfar, toda alterada; mudou duas vezes de cadeira, foi tocar no teclado com um dedo a Pérola de Ofir; e enfim, não se dominando, pediu baixo a Luísa que fossem para o quarto, tinha um segredo. . Apenas entraram, fechando a porta da sala:
—
Que me dizes à carta dele?
—
Os meus parabéns — disse Luísa rindo.
—
É o milagre! exclamou D. Felicidade — já é o milagre a fazer-se! — E
mais baixo: — Mandei o homem! O que eu te disse, o galego!
Luísa não compreendia.
—
O homem a Tui, à mulher de virtude! Levou o meu retrato e o dele.
Partiu há uma semana; a mulher naturalmente já começou a enterrar-lhe as agulhas no coração..
—
Que agulhas? — perguntou Luísa atónita.
Estavam de pé, junto ao toucador. E D. Felicidade com uma voz misteriosa:
—
A mulher faz um coração de cera, cola-o ao retrato do Conselheiro, e durante uma semana à meia-noite crava-lhe uma agulha benta com o preparo que ela tem, e faz as orações. .
—
E deste o dinheiro ao homem?
—
Oito moedas.
—
Oh, D. Felicidade!
—
Ai! Não me digas! Que já vês! Que mudanças!. Daqui a uns dias, baba-se! Ai! Nossa Senhora da Alegria o permita! Nossa Senhora o permita! Que aquele
homem traz-me doida. De noite, é cada sonho! Até ando em pecado mortal! E
são suores! Mudo de camisa três e quatro vezes!
E ia-se olhando ao espelho; queria convencer-se que as belezas da sua pessoa ajudariam as agulhas da bruxa; alisou o cabelo.
—
Não me achas mais magra?
—
Não.