Voltou as costas, saiu.
Luísa sentiu-a bater a cancela com força.
—
Que expiação, Santo Deus! — exclamou, caindo numa cadeira, banhada de novo em lágrimas.
Eram quase dez horas quando Joana voltou.
—
Não pude saber nada, minha senhora; na inculcadeira ninguém sabe dela.
—
Bem, traga a lamparina.
E Joana ao despir-se no seu quarto, rosnava consigo:
—
A mulher tem arranjo; está metida por aí com algum súcio!
Que noite para Luísa! A cada momento acordava num sobressalto, abria os olhos na penumbra do quarto, e caía-lhe logo na alma, como uma punhalada, aquele cuidado pungente: que havia de fazer? Como havia de arranjar dinheiro? Seiscentos mil réis! As suas joias valiam talvez duzentos mil réis.
Mas depois, que diria Jorge? Tinha as pratas. . Mas era o mesmo!
A noite estava quente, e na sua inquietação a roupa escorregara; apenas lhe restava o lençol sobre o corpo. As vezes a fadiga readormecia-a de um sono superficial, cortados de sonhos muito vivos. Via montões de libras reluzirem vagamente, maços de notas agitarem-se brandamente no ar. Erguia-se, saltava para as agarrar, mas as libras começavam a rolar, a rolar como infinitas rodinhas sobre um chão liso, e as notas desapareciam voando muito leves
com um frémito de asas irónicas. Ou então era alguém que entrava na sala, curvava-se respeitosamente, e começava a tirar do chapéu, a deixar-lhe cair no regaço libras, moedas de cinco mil réis, peças, muitas, profusamente; não conhecia o homem; tinha um chinó vermelho e uma pêra impudente. Seria o diabo? Que lhe importava? Estava rica, estava salva! Punha-se a chamar, a gritar por Juliana, a correr atrás dela, por um corredor que não findava, e que começava a estreitar-se, a estreitar-se, até que era como uma fenda por onde ela se arrastava de esguelha, respirando mal, e apertando sempre contra si o montão de libras que lhe punha frialdades de metal sobre a pele nua do peito.
Acordava assustada; e o contraste da sua miséria real com aquelas riquezas do sonho, era como um acréscimo de amargura. Quem lhe poderia valer? —
Sebastião! Sebastião era rico, era bom. Mas mandá-lo chamar, e dizer-lhe ela, ela Luísa, mulher de Jorge: — "Empreste-me seiscentos mil réis". — Para quê, minha senhora?" E podia lá responder: "Para resgatar umas cartas que escrevi ao meu amante". Era lá possível! Não, estava perdida. Restava-lhe ir para um convento.
A cada momento voltava o travesseirinho que lhe escaldava o rosto; atirou a touca, os seus longos cabelos soltaram-se; prendeu-os ao acaso com um gancho; e de costas, com a cabeça sobre os braços nus, pensava amargamente no romance de todo aquele verão — a chegada de Basílio, o passeio ao Campo Grande, a primeira visita ao Paraíso. .
Onde iria ele, aquele infame? Dormindo tranquilamente nas almofadas do vagão!
E ela ali, na agonia!
Atirou o lençol; abafava. E descoberta, mal se distinguindo da alvura da roupa, adormeceu, quando a madrugada rompia.
Acordou tarde, sucumbida. Mas logo na sala de jantar a beleza da manhã gloriosa reanimou-a. O sol entrava abundante e radioso pela janela aberta; os canários faziam um concerto; da forja ao pé saía um martelar jovial; e o largo azul vigoroso levantava as almas. — Aquela alegria das coisas deu-lhe como uma coragem inesperada. Não se havia de abandonar a uma desesperança inerte.. Que diabo! Devia lutar!
Vieram-lhe esperanças, então. Sebastião era bom; Leopoldina tinha expedientes; havia outras possibilidades, o acaso mesmo; e tudo isto podia, em definitivo, formar seiscentos mil réis, salvá-la! Juliana desapareceria, Jorge voltaria! — E, alvoroçada, via perspetivas de felicidades possíveis reluzirem, no futuro, deliciosamente.
Ao meio-dia veio o criadito de Sebastião; o senhor tinha chegado de Almada; desejava saber como a senhora estava.
Correu ela mesma à porta; que pedia ao Sr. Sebastião, que viesse logo que pudesse!
Acabou-se! Sentia-se resoluta, ia falar a Sebastião.. No fim era o que lhe restava: contar ela tudo a Sebastião, ou que a outra contasse tudo ao seu marido. Impossível hesitar! E depois podia atenuar, dizer que fora só uma correspondência platónica... A partida de Basílio, além disso, fazia daquele erro um facto passado, quase antigo.. E Sebastião era tão amigo dela!
Veio; era uma hora. Luísa que estava no quarto sentiu-o entrar, e só o som dos seus passos grossos no tapete da sala deu-lhe uma timidez, quase um terror. Parecia-lhe agora muito difícil, terrível de dizer.. Preparara frases, explicações, uma história de galanteio, de cartas trocadas; e estava com a mão no fecho da porta, a tremer. Tinha medo dele! Ouvia-o passear pela sala; e receando que a impaciência lhe desse mau humor, entrou.
Afigurou-se-lhe mais alto, mais digno; nunca o seu olhar lhe parecera tão reto, e a sua bata tão séria!
—
Então que é? Precisa alguma coisa? — perguntou-lhe ele depois das primeiras palavras sobre Almada, sobre o tempo.
Luísa teve uma cobardia indominável, respondeu logo:
—
É por causa de Jorge!
—
Aposto que não lhe tem escrito?
—
Não.
—
Esteve muito tempo sem me escrever também. — E rindo:— Mas hoje recebi duas cartas por atacado.