Calou-se bruscamente; sentiu que se enterrava.
Sebastião lembrava-se ouvir-lhe dizer que tinham sido criados ambos de pequenos; mas, enfim, aquela maneira de falar do primo, parecia-lhe a prova maior de que não houvera nada. Quase se queria mal pelas dúvidas, que tivera, tão injustas!. .
—
E volta? — perguntou.
—
Não me disse, mas não creio. Em se pilhando em Paris!
E com a ideia da carta, de repente:
—
Então Sebastião é o confidente de Jorge?
Ele riu:
—
Oh, minha senhora! Pois acredita. .
—
E a mim quando me escreve, que se aborrece, que está só, que não suporta o Alentejo... — Mas vendo Sebastião olhar o relógio: — O quê, já? É
cedo.
Tinha de estar na Baixa antes das três, disse ele.
Luísa quis retê-lo. Não sabia para quê — porque a cada momento sentia a sua resolução diminuir, desaparecer como a água de um rio que se absorve no seu leito. Pôs-se a falar-lhe das obras de Almada.
Sebastião começara-as pensando que duzentos ou trezentos mil réis fariam as restaurações necessárias; mas depois umas coisas tinham trazido outras — e, dizia, está-se-me tornando um sorvedouro!
Luísa riu, forçadamente.
—
Ora, quando se é proprietário e rico!. .
—
Isso sim! Parece que não é nada: mas uma pintura numa porta, uma janela nova, uma sala forrada de papel, um soalho, e isto e aquilo, e lá se vão oitocentos mil réis... Enfim!. .
Levantou-se, e despedindo-se:
—
Eu espero que aquele vadio se não demore muito. .
—
Se a estanqueira der licença. . Ficou a passear na sala, nervosa, com aquela ideia. Deixar-se namorar pela estanqueira, e a mulher do delegado, e as outras!. . Decerto, tinha confiança nele, mas os homens!... De repente representou-lhe a estanqueira prendendo-o nos braços detrás do balcão, ou Jorge beijando, nalguma entrevista, de noite, o colo bonito da mulher do delegado!. . E tumultuosamente apareceram-lhe todas as razões que provavam irrecusavelmente a traição de Jorge: estava há dois meses fora! Sentia-se cansado da sua viuvez! Encontrava uma mulher bonita! Tomava aquilo como um prazer passageiro, sem importância!. . Que infame! Resolveu escrever-lhe uma carta digna e ofendida, que viesse imediatamente — ou que partia ela —
Entrou no quarto, muito excitada. A fotografia de Jorge, que ela tirara na véspera do saco de marroquim, ficara no toucador. Pôs-se a olhá-la: não admirava que o namorassem; era bonito, era amável.. Veio-lhe uma onda de ciúme, que lhe obscureceu o olhar; se ele a enganasse, se tivesse a certeza da
"mais pequena coisa" — separava-se, recolhia-se a um convento, morria decerto, matava-o!...
—
Minha senhora — veio dizer Joana —, é um galego com esta carta. Está à espera da resposta.
Que espanto! Era de Juliana!
Escrita em papel pautado, numa letra medonha, eriçada de erros de ortografia, dizia:
Minha senhora.
Bem sei que fui imprudente, o que a senhora deve atribuir tanto à minha desgraça como àfalta de saúde, o que às vezes faz que se tenham génios repentinos. Mas se a senhora querque eu volte e faça o serviço como dantes — ao qual creio que a senhora não pode opor-se,terei muito gosto em ser agradável na certeza que nunca mais se falará em tal até que asenhora queira, e cumpra o que prometeu. Prometo fazer o meu serviço, e desejo que asenhora esteja por isto pois que é para bem de todos. Pois que foi génio e naturalmente todostêm os seus repentes, e com isto não canso mais e souServa muito obediente
a criada
Juliana coiceiro Tavira.
Ficou com a carta na mão, sem resolução. A sua primeira vontade foi dizer —
"não!" Tornar a recebê-la, vê-la, com a sua face horrível, a cuia enorme! Saber que ela tinha no bolso a sua carta, a sua desonra, e chamá-la, pedir-lhe água, a lamparina, ser servida por ela! Não! Mas veio-lhe um terror; se recusasse irritava a criatura; Deus sabe o que faria! Estava nas mãos dela; devia passar por tudo. Era o seu castigo.. Hesitou ainda um momento: