Hei de ir lá. Pobre tia Jojó!
Houve um silêncio.
—
Mas tu ias sair! — disse Basílio de repente, querendo erguer-se.
—
Não! — exclamou. — Não! Estava aborrecida, não tinha nada que fazer. Ia tomar ar. Não saio, já.
Ele ainda disse:
—
Não te prendas. .
—
Que tolice! Ia à casa de uma amiga passar um momento.
Tirou logo o chapéu; naquele movimento, os braços erguidos repuxaram o colete justo, as formas do seio acusaram-se suavemente.
Basílio torcia a ponta do bigode devagar; e vendo-a descalçar as luvas:
—
Era eu antigamente quem te calçava e descalçava as luvas... Lembraste?... Ainda tenho esse privilégio exclusivo, creio eu. .
Ela riu-se.
—
Decerto que não. .
Basílio disse então, lentamente, fitando o chão:
—
Ah! Outros tempos!
E pôs-se a falar de Colares: a sua primeira ideia, mal chegara, tinha sido tomar uma tipoia e ir lá; queria ir ver a quinta; ainda existiria o balouço debaixo do castanheiro? Ainda haveria o caramanchão de rosinhas brancas, ao pé do Cupido de gesso que tinha uma asa quebrada?. .
Luísa ouvira dizer que a quinta pertencia agora a um brasileiro; sobre a estrada havia um mirante com um teto chinês, ornado de bolas de vidro; e a velha casa morgada fora reconstruída e mobilada pelo Gardé.
—
A nossa pobre sala de bilhar, cor de oca, com grinaldas de rosas! —
disse Basílio; e fitando-a: — Lembraste das nossas partidas de bilhar?
Luísa, um pouco vermelha, torcia os dedos das luvas; ergueu os olhos para ele; disse sorrindo:
—
Éramos duas crianças!
Basílio encolheu tristemente os ombros, fitou as ramagens do tapete; parecia abandonar-se a uma saudade remota, e com uma voz sentida:
—
Foi o bom tempo! Foi o meu bom tempo!
Ela via a sua cabeça bem feita, descaída naquela melancolia das felicidades passadas, com uma risca muito fina, e os cabelos brancos — que lhe dera a separação. Sentia também uma vaga saudade encher-lhe o peito: ergueu-se, foi abrir a outra janela, como para dissipar na luz viva e forte aquela perturbação.
Perguntou-lhe então pelas viagens, por Paris, por Constantinopla.
Fora sempre o seu desejo viajar — dizia —,ir ao Oriente. Quereria andar em caravanas, balouçada no dorso dos camelos; e não teria medo, nem do deserto, nem das feras. .
—
Estás muito valente! — disse Basílio. — Tu eras uma maricas, tinhas medo de tudo. . Até da adega, na casa do papá, em Almada!
Ela corou. Lembrava-se bem da adega, com a sua frialdade subterrânea que dava arrepios! A candeia de azeite pendurada na parede iluminava com uma luz avermelhada e fumosa as grossas traves cheias de teias de aranha, e a fileira tenebrosa das pipas bojudas. Havia ali às vezes, pelos cantos, beijos furtados. .
Quis saber então o que tinha feito em Jerusalém; se era bonito.
Era curioso. Ia pela manhã um bocado ao Santo Sepulcro; depois do almoço montava a cavalo... Não se estava mal no hotel; inglesas bonitas. . Tinha algumas intimidades ilustres. .