A porta do quarto rangeu devagarinho.
— Que é?
A voz de Juliana, plangente, disse:
—
A senhora dá licença que eu vá logo ao médico?
—
Vá, mas não se demore. Puxe-me essa saia atrás. Mais. O que é que você tem?
—
Enjoos, minha senhora, peso no coração. Passei a noite em claro.
Estava mais amarela, o olhar muito pisado, a face envelhecida. Trazia um vestido de merino preto escoado, e a cuia da semana de cabelos velhos.
—
Pois sim, vá — disse Luísa. — Mas arranje tudo antes. E não se demore, hem?
Juliana subiu logo à cozinha. Era no segundo andar, com duas janelas de sacada para as traseiras, larga, ladrilhada de tijolo diante do fogão.
—
Diz que sim, Sra. Joana — disse à cozinheira —, que podia ir. Vou-me vestir. Ela também está quase pronta. Fica vossemecê com a casa por sua!
A cozinheira fez-se vermelha, pôs-se a cantar, foi logo sacudir, estender na varanda um velho tapete esfiado; e os seus olhos não deixavam, em frente, uma casa baixa, pintada de amarelo, com um portal largo — a loja de marceneiro do tio João Galho, onde trabalhava o Pedro, o seu amante. A pobre Joana babava-se por ele. Era um rapazola pálido e afadistado; Joana era minhota, de Avintes, de família de lavrador, e aquela figura delgada de lisboeta anémico seduzia-a com uma violência abrasada. Como não podia sair à semana, metia-o em casa, pela porta de trás, quando estava só; estendia então
na varanda, para dar sinal, o velho tapete desbotado, onde ainda se percebiam os paus de um veado.
Era uma rapariga muito forte, com peitos de ama, o cabelo como azeviche, todo lustroso do óleo de amêndoas doces. Tinha a testa curta de plebeia teimosa. E as sobrancelhas cerradas faziam-lhe parecer o olhar mais negro.
—
Ai! — suspirou Juliana. — A Sra. Joana é que a leva!
A rapariga ficou escarlate.
Mas Juliana acudiu logo:
—
Olha o mal! Fosse eu! Boa! Faz muito bem!
Juliana lisonjeava sempre a cozinheira; dependia dela; Joana dava-lhe caldinhos às horas de debilidade, ou, quando ela estava mais adoentada, fazia-lhe um bife às escondidas da senhora. Juliana tinha um grande medo de "cair em fraqueza", e a cada momento precisava tomar a "sustância". Decerto, como feia e solteirona detestava aquele "escândalo do carpinteiro"; mas protegia-o, porque ele valia muitos regalos aos seus fracos de gulosa.
—
Fosse eu! — repetiu —, dava-lhe o melhor da panela! Se a gente ia a ter escrúpulos por causa dos amos, boa! Olha quem! Veem uma pessoa a morrer, e é como se fosse um cão.
E com um risinho amargo:
—
Diz que me não demorasse no médico. É como quem diz: "cura-te Ou espicha depressa!"
Foi buscar a vassoura a um canto, e com um suspiro agudo:
—
Todas o mesmo, uma récua!
Desceu, começou a varrer o corredor. — Toda a noite estivera doente: o quarto no sótão, debaixo das telhas, muito abafado, com um cheiro de tijolo cozido, dava-lhe enjoos, faltas de ar, desde o começo do verão; na véspera até vomitara! E já levantada às seis horas, não descansara, limpando, engomando, despejando, com a pontada no lado e todo o estômago embrulhado! — Tinha escancarado a cancela, e com grandes ais, atirava vassouradas furiosas contra as grades do corrimão.
—
A senhora D. Luísa está em casa?
Voltou-se. Nos últimos degraus da escada estava um sujeito, que lhe pareceu estrangeirado. Era trigueiro, alto, tinha um bigode pequeno levantado, um ramo na sobrecasaca azul, e o verniz dos seus sapatos resplandecia.
—
A senhora vai sair — disse ela olhando-o muito. — Faz favor de dizer quem é?
O indivíduo sorriu.