O sol retirara-se da varanda, e sobre a pedra, em vasos de barro, plantas pobres encolhiam a sua folhagem chupada do calor; sobre uma tábua a um canto, numa velha panela bojuda, verdejava um pé de salsa muito tratado; o gato dormia sobre um esteirão; esfregões secavam numa corda; e para além alargava-se o azul vivo como um metal candente, as árvores dos quintais tinham tons ardentes do sol, os telhados pardos com as suas vegetações esguias coziam no
calor e pedaços de paredes caiadas despediam uma rebrilhação dura.
—
Está de apetite, Sra. Joana, está de apetite! — dizia Juliana, remexendo o caldo devagarinho, com gula. A cozinheira de pé, com os braços cruzados sobre o seu peito abundante, regozijava-se:
—
O que se quer é que esteja a gosto.
—
Está a preceito.
Sorriam, contentes da intimidade, das boas palavras. — E a campainha da porta que já tinha tocado, tornou a tilintar discretamente.
Juliana não se mexeu. Bafos de aragem quente entravam; ouvia-se ferver a panela no fogão, e fora o martelar incessante da forja; às vezes o arrulhar triste
de duas rolas que viviam na varanda, numa gaiola de vime, punha na tarde abrasada uma sensação de suavidade.
A campainha retilintou, sacudida com impaciência.
—
Com a cabeça, burro! — disse Juliana.
Riram. Joana fora sentar-se à janela, numa cadeira baixa; estendia os seus grossos pés, calçados de chinelas de ourelo; coçava-se devagarinho, no sovaco, toda repousada.
A campainha retiniu violentamente.
—
Fora, besta! — rosnou Juliana, muito tranquila. Mas a voz irritada de Luísa chamou debaixo:
—
Juliana!
—
Que nem uma pessoa pode tomar a sustância sossegada! Raio de casa!
Irra!
—
Juliana! — gritou Luísa.
A cozinheira voltou-se, já assustada:
—
A senhora zanga-se, Sra. Juliana.
—
Que a leve o diabo!
Limpou os beiços gordurosos ao avental, desceu furiosa.
—
Você não ouve, mulher? Estão a bater há uma hora!
Juliana arregalou os olhos espantada; Luísa tinha vestido um roupão novo de fular cor de castanho, com pintinhas amarelas!
—
"Temos novidade! Temo-la grossa!" — pensou Juliana pelo corredor.
A campainha repicava. E no patamar, vestido de claro, com uma rosa ao peito, um embrulho debaixo do braço, estava o "sujeito do negócio das minas!"
—
Aquele sujeito de ontem! — veio dizer, toda pasmada.
—
Mande entrar. .
—
"Viva!" — pensou.
Galgou a escada da cozinha, disse logo da porta, com a voz aguda de júbilo:
—
Está cá o peralta de ontem! Está cá outra vez! Traz um embrulho! Que lhe parece, Sra. Joana? Que lhe parece?
—
Visitas... — disse a cozinheira.
Juliana teve um risinho seco. Sentou-se, acabou o seu caldo, à pressa.
Joana indiferente cantarolava pela cozinha, o arrulhar das rolas continuava langoroso e débil.