—
Já se deitou, Sra. Joana, já. Está hoje com os azeites. Falta-lhe o homem!
Joana, às voltas, fazia ranger as madeiras velhas da cama. Não podia dormir!
Abafava-se!
Uf!
—
Ai! E aqui! — exclamou Juliana.
Abriu o postigo que dava para os telhados, para deixar arejar; calçou as chinelas de tapete, e foi ao quarto de Joana. Mas não entrou, ficou à porta; era criada de dentro, evitava familiaridades. Tinha tirado a cuja, e com um lenço preto e amarelo amarrado na cabeça, o seu rosto parecia mais chupado, e as orelhas mais despegadas do crânio; a camisa decotada descobria as clavículas descarnadas; a saia curta mostrava as canelas muito brancas, muito secas. E
com o casabeque pelos ombros, coçando devagarinho os cotovelos agudos:
—
Diga-me cá, Sra. Joana — disse com a voz discreta —, aquele sujeito demorou-se muito? Reparou?
—
Tinha saído naquele instantinho, quando vossemecê entrou. Uf!
Encalmada, quase descoberta, com as pernas muito abertas, Joana coçava-se furiosamente por baixo da grossa camisa com folhos à minhota que lhe descobria os peitos. Não podia parar com os percevejos! O raio do quarto tinha ninhos! Até sentia o estômago embrulhado.
—
Ai! É um inferno! — disse com lástima Juliana. — Eu só adormeço com dia. Mas ainda eu agora reparo. . Vossemecê tem São Pedro à cabeceira.
É devoção?
—
E o santo do meu rapaz — disse a outra. Sentou-se na cama. Uf! E
então tinha estado toda a noite com uma sede!. .
Saltou para o chão, com passadas rijas que faziam tremer o soalho, foi ao jarro, pô-lo à boca, bebeu uma tarraçada. A camisa justa, feita de pouca fazenda, mostrava as formas rijas e valentes.
—
Pois eu fui ao médico — disse Juliana. E com um grande suspiro: —
Ai! Isto só Deus, Sra. Joana! Isto só Deus!
Mas porque se não resolvia a Sra. Juliana a ir à mulher de virtude? Era a saúde certa. Morava ao Poço dos Negros; tinha orações e unguentos para tudo.
Levava meia moeda pelo "preparo".
—
Que isso são humores, Sra. Juliana. O que vossemecê tem, são humores.
Juliana tinha dado dois passos para dentro do quarto. Quando se tratava de doenças, de remédios, tornava-se mais familiar.
Eu já me tenho lembrado... eu já me tenho lembrado de ir à mulher. Mas, meia moeda!
E ficou a olhar, tristemente, refletindo.
—
É o que eu tenho junto para umas botinas de gáspea!
Eram o seu vício, as botinas! Arruinava-se com elas; tinha-as de duraque com ponteiras de verniz; de cordovão com laço; de pelica com pespontos de cor, embrulhadas em papéis de seda, na arca, fechadas — guardadas para os domingos.
Joana censurou-a.
—
Ai! Eu, em se tratando do corpo, do interior, que o diabo leve os chiques!
Queixou-se também da sua miséria. Tinha pedido à senhora um mês adiantamento! Estava sem camisas! As duas que tinha eram uns trapos! Pelo gosto da que trazia, a desfazerem-se!
—
Mas, então! — suspirou. — O meu rapaz precisou um dinheiro. .