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Felicidade. Ordinariamente mandava um recado; — e a curiosidade de Juliana acendeu-se logo diante daquele sobrescrito fechado e lacrado com o sinete de Luísa, um L gótico dentro de uma coroa de rosas.

Tem resposta?

Tem.

Quando voltou às dez horas, com um bilhete de D. Felicidade, Luísa quis saber se havia muito calor, se fazia poeira. Sobre a mesa estava um chapéu de palha escuro, que ela estivera a enfeitar com duas rosas de musgo.

Fazia um bocadinho de vento, mas para a tarde abrandava, decerto. E pensou logo: — "Temos passeata, vai ter com o gajo!"

Mas durante todo o dia, Luísa em roupão não saiu do seu quarto ou da sala, ora estendida na poltrona lendo aos bocados, ora batendo distraidamente no piano pedaços de valsas. Jantou às quatro horas. A cozinheira saiu, e Juliana pôs-se a passar a sua tarde à janela da sala de jantar. Tinha o vestido novo, as saias muito rijas de goma, a cuia dos dias santos — e pousava solenemente os cotovelos num lenço, estendido sobre o peitoril da varanda. em frente os pássaros chilreavam na figueira brava. Dos dois lados do tabique que cercava o terreno vago, agachavam-se os tetos escuros das duas ruazitas paralelas; eram casas pobres onde viviam mulheres, que pela tarde, em chambre ou de garibaldi, os cabelos muito oleosos, faziam meia à janela, falando aos homens, cantarolando com um tédio triste. Do outro lado do terreno, verduras de quintais, muros brancos davam àquele sítio um ar adormecido de vila pacata.

Quase ninguém passava. Havia um silêncio fatigado; e só às vezes o som distante de um realejo, que tocava a Norma ou a Lúcia, punha uma melancolia

na tarde. — E Juliana ali estava imóvel até que os tons quentes da tarde empalideciam, e os morcegos começavam a voar.

Pelas oito horas entrou no quarto de Luísa — ficou pasmada de a ver vestida toda de preto, de chapéu! Tinha acendido as serpentinas na parede, os castiçais no toucador; e sentada à beira da poltrona calçava as luvas devagar, com a face muito séria, um pouco esbatida de pó-de-arroz, o olhar cheio de brilho.

O vento abrandou? — disse.

Está a noite muito bonita, minha senhora.

Um pouco antes das nove horas uma carruagem parou à porta. Era D.

Felicidade, muito encalmada. Abafara todo o dia! E à noite nem uma aragem!

Até tinha mandado buscar uma carruagem descoberta, que num cupê, credo, morria-se.

Juliana pelo quarto arrumava, dobrava, toda curiosa. Onde iriam? Onde iriam?

D. Felicidade, amplamente sentada, de chapéu, tagarelava; uma indigestão que tivera na véspera com umas vagens; a cozinheira que a tinha querido comer em quatro vinténs; uma visita que lhe fizera a Condessa de Arruela...

Enfim, Luísa, disse, baixando o seu véu branco:

Vamos, filha. Faz-se tarde.

Juliana foi-lhes iluminar, furiosa. Olha que propósito, irem duas mulheres sós por aí fora, numa tipoia! E se uma criada então se demorava na rua mais meia hora, credo, que alarido! Que duas bêbedas!

Foi à cozinha desabafar com a Joana. Mas a rapariga, estirada numa cadeira, dormitava.

Fora com o seu Pedro ao Alto de São João. E toda a tarde tinham passeado no cemitério, muito juntos, admirando os jazigos, soletrando os epitáfios, beijocando-se nos recantos que os chorões escureciam, e regalando-se do ar dos e das relvas dos mortos. Voltaram por casa da Serena, entraram a um quartilho no Espregueira. . Tarde cheia! E estava derreada da soalheira, do pó, da admiração de tanto túmulo rico, do homem, e da pinguita d'vinho.

O que ia, era refestelar-se para a cama!

Credo, Sra. Joana, vossemecê está-se a fazer uma dorminhoca! Olha que mulher! Com pouco arreia! Cruzes!

Desceu ao quarto de Luísa, apagou as luzes, abriu as janelas, arrastou a poltrona para a varanda — e, repimpada, os braços cruzados, pôs-se a passar a noite.

O estanque ainda não se fechara, e a sua luzita lúgubre como a estanqueira, estendia-se tristemente sobre a pedra miúda da rua; as janelas ao pé estavam abertas, por algumas, mal iluminadas, viam-se dentro serões melancólicos;

noutras, vultos imóveis, luzia às vezes a ponta de um cigarro; aqui, além tossia-se do padeiro; e o moço do padeiro, no silêncio quente da noite, harpejava baixinho a guitarra.

Juliana pusera um vestido de chita claro; dois sujeitos que estavam à porta riam, erguiam de vez em quando os olhos para a janela, para aquele de mulher: Juliana, então, gozou! Tomavam-na decerto pela senhora, pela do Engenheiro; faziam-lhe olho, diziam brejeirices... Um tinha calça branca e chapéu alto, eram janotas. . E com os pés muito estendidos, os braços cruzados, de lado, saboreava, longamente, aquela consideração.

Passos fortes que subiam a rua, pararam à porta; a campainha retiniu de leve

Quem é? — perguntou muito impaciente.

Está? — disse a voz grossa de Sebastião.

Saiu com a D. Felicidade; foram de carruagem.

Ah! — fez ele.

E acrescentou:

Muito bonita noite!

De apetite, Sr. Sebastião! De apetite! — exclamou alto.

E quando o viu descer a rua, gritou, afetadamente:

Recados a Joana! Não se esqueça! — mostrando-se íntima, madama, com olho terno para os homens.

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