—
Pois, senhores, isto vai rico! — disse Juliana.
Esteve um momento a limpar os dentes com a língua, o olhar fixo, refletindo.
Sacudiu o avental, e desceu ao quarto de Luísa; o seu olhar esquadrinhador avistou logo sobre o toucador as chaves esquecidas da despensa; podia subir, beber um trago de bom vinho, engolir dois ladrilhos de marmelada. . Mas possuía-a uma curiosidade urgente, e, em bicos de pés, foi agachar-se à porta que dava para a sala, espreitou. O reposteiro estava corrido por dentro; podia apenas sentir a voz grossa e jovial do sujeito. Foi de volta, pelo corredor, à outra porta, ao pé da escada; pôs o olho à fechadura, colou o ouvido à frincha.
O reposteiro dentro estava também cerrado.
—
"Os diabos calafetaram-se!" — pensou.
Pareceu-lhe que se arrastava uma cadeira, depois que se fechava uma vidraça.
Os olhos faiscavam-lhe. Uma risada de Luísa sobressaiu; em seguida um silêncio; e as vozes recomeçaram num tom sereno e contínuo. De repente o sujeito ergueu a fala, e entre as palavras que dizia, de pé decerto, passeando, Juliana ouviu claramente: "Tu, foste tu!"
—
Oh, que bêbeda!
Um tilintlim tímido da campainha, ao lado, assustou-a. Foi abrir. Era Sebastião muito vermelho do sol, com as botas cheias de pó.
—
Está? — perguntou, limpando a testa suada.
—
Está com uma visita, Sr. Sebastião!
E cerrando a porta sobre si, mas baixo:
—
Um rapaz novo que já cá esteve ontem, um janota! Quer que vá dizer?
—
Não, não, obrigado, adeus.
Desceu discretamente. Juliana voltou logo a encostar-se à porta, a orelha contra a madeira, as mãos atrás das costas; mas a conversa, sem saliência de vozes; tinha um rumor tranquilo e indistinto. Subiu à cozinha.
—
Tratam-se por tu! — exclamou. — Tratam-se por tu, Sra. Joana! E
muito excitada:
—
Isto vai à vela! Cáspite! Assim é que eu gosto delas!
O sujeito saiu às cinco horas. Juliana, apenas sentiu abrir-se a porta, veio a correr; viu Luísa no patamar, debruçada no corrimão, dizendo para baixo, com muita intimidade:
—
Bem, não falto. Adeus.
Ficou então tomada de uma curiosidade que a alterava como uma febre. Toda a tarde, na sala de jantar, no quarto, esquadrinhou Luísa com olhares de lado.
Mas Luísa, com um roupão de linho mais velho, parecia serena, muito indiferente.
—
"Que sonsa!"
Aquela naturalidade despertava a sua bisbilhotice.
—
"Eu hei de te apanhar, desavergonhada!" — calculava.
Afigurou-se-lhe que Luísa tinha os olhos um pouco pisados. Estudava-lhe as posições, os tons de voz. Viu-a repetir o assado — pensou logo:
—
"Abriu-lhe o apetite"!
E quando Luísa ao fim do jantar se estendeu na poltrona com um ar quebrado.
—
"Ficou derreada".
Luísa que nunca tomava café, quis nessa tarde "meia chávena, mas forte, muito forte".
—
Quer café! — veio ela dizer à cozinheira, toda excitada. — Tudo à grande. E do forte. Quer do forte! Ora o diabo!
Estava furiosa.
—
Todas o mesmo! Uma récua de cabras!
Ao outro dia era domingo. Logo pela manhã cedo, quando Juliana ia para a missa, Luísa chamou-a da porta do quarto, deu-lhe uma carta para levar a D.