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Como era um pouco curta de vista, para se afirmar piscava ligeiramente os olhos, descerrando os beiços gordinhos, de um vermelho cálido.

A felicidade dá tudo, até boas cores! — disse, sorrindo.

O que a trazia era perguntar-lhe a morada da francesa que lhe fazia os chapéus. E há tanto tempo que a não via, já tinha saudades também!

Mas não imaginas! Que calor! Venho morta.

E deixou-se cair sobre a almofada do sofá, encalmada, com um sorriso aberto, mostrando os dentes brancos e grandes.

Luísa disse-lhe a morada da francesa, gabou-lha: era barateira e tinha bom gosto. Como a sala estava escura foi entreabrir um pouco as portadas da janela. Os estofos das cadeiras e as bambinelas eram de repes verde-escuro; o papel e o tapete com desenhos de ramagens tinham o mesmo tom, e naquela decoração sombria destacavam muito — as molduras douradas e pesadas de duas gravuras (a Medeia de Delacroix e a Mártir de Delaroche), as encadernações escarlates de dois vastos volumes do Dante de G. Doré e entre as janelas o oval de um espelho onde se refletia um napolitano de biscuit que, na consola, dançava a tarantela.

Por cima do sofá pendia o retrato da mãe de Jorge, a óleo. Estava sentada, vestida ricamente de preto, direita no seu corpete espartilhado e seco: uma das mãos, de um lívido morto, pousava nos joelhos sobrecarregada de anéis; a outra perdia-se entre as rendas muito trabalhadas de um mantelete de cetim; e aquela figura longa, macilenta, com grandes olhos carregados de negro, destacava sobre uma cortina escarlate, corrida em pregas copiosamente quebradas, deixando ver para além céus azulados e redondezas de árvoredos.

E teu marido? — perguntou Luísa, vindo sentar-se muito junto de Leopoldina.

Como sempre. Pouco divertido — respondeu, rindo. E, com um ar sério, a testa um pouco franzida: — Sabes que acabei com o Mendonça?

Luísa fez-se ligeiramente vermelha.

Sim?

Leopoldina deu logo detalhes.

Era muito indiscreta, falava muito de si, das suas sensações, da sua alcova, das suas contas. Nunca tivera segredos para Luísa; e na sua necessidade de fazer confidências, de gozar a admiração dela, descrevia-lhe os seus amantes, as opiniões deles, as maneiras de amar, os tiques, a roupa, com grandes exagerações! Aquilo era sempre muito picante, cochichado ao canto de um sofá, entre risinhos; Luísa costumava escutar, toda interessada, as maçãs do rosto um pouco envergonhadas, pasmada, saboreando, com um arzinho beato. Achava tão curioso!

Desta vez é que bem posso dizer que me enganei, minha rica filha! —

exclamou Leopoldina erguendo os olhos desoladamente.

Luísa riu.

Tu enganas-te quase sempre!

Era verdade! Era infeliz!

Que queres tu? De cada vez imagino que é uma paixão, e de cada vez me sai uma maçada!

E picando o tapete com a ponta da sombrinha:

Mas se um dia acerto!

Vê se acertas — disse Luísa. — Já é tempo!

Às vezes na sua consciência achava Leopoldina "indecente"; mas tinha um fraco por ela: sempre admirara muito a beleza do seu corpo, que quase lhe inspirava uma atração física. Depois desculpava-a: era tão infeliz com o marido! Ia atrás da paixão, coitada! E aquela grande palavra, faiscante e misteriosa, de onde a felicidade escorre como a água de uma taça muito cheia, satisfazia Luísa como uma justificação suficiente: quase lhe parecia uma heroína; e olhava-a com espanto como se consideram os que chegam de alguma viagem maravilhosa e difícil, de episódios excitantes. Só não gostava de certo cheiro de tabaco misturado de feno, que trazia sempre nos vestidos.

Leopoldina fumava.

E que fez ele, o Mendonça?

Leopoldina encolheu os ombros, com um grande tédio:

Escreveu-me uma carta muito tola, que afinal bem considerado era melhor que acabasse tudo, porque não estava para se meter em camisa de onze varas! Que imbecil! Até devo ter aqui a carta.

Procurou na algibeira do vestido: tirou o lenço, uma carteirinha, chaves, uma caixinha de pó-de-arroz; mas encontrou apenas um programa do Price.

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