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E com a Voz mais baixa, quase solene:

Desta vez é sério, Luísa! — Deu os detalhes. Era um rapaz alto, louro, lindo! E que talento! E poeta! — Dizia a palavra com devoção, prolongando o som das sílabas. — E poeta!

Desapertou devagar dois botões do corpete, tirou do seio um papel dobrado.

Eram versos.

E muito chegada para Luísa, com as narinas dilatadas pela delícia da sensação, leu baixo, com orgulho, com pompa:

A ti

Farol da Guia, 5 de Junho

Quando cismo à hora do poente

Sobre os rochedos onde brame o mar...

Era uma elegia. O rapaz contava, em quadras, as longas contemplações em que a via a ela, Leopoldina, "visão radiosa que deslizas leve", nas águas dormentes, nas vermelhidões do ocaso, na brancura das espumas. Era uma composição delambida, de um sentimentalismo reles, com um ar tísico, muito lisboeta, cheia de versos errados. E, terminando, dizia-lhe que não era "nos

esplendores das salas" ou nos "bailes febricitantes" que gostava de a ver; era ali, naqueles rochedos,

Onde todos os dias ao sol posto Eu vejo adormecer o mar gigante.

Que bonito, hem!

Ficaram caladas, com uma comoçãozinha.

Leopoldina, com os olhos perturbados, repetia a data, amorosamente:

Farol da Guia, 5 de Junho!

Mas o relógio do quarto deu quatro horas. Leopoldina ergueu-se logo, atarantada, meteu o poema no seio.

Tinha de se ir já! Fazia-se tarde, senão o outro, punha-se a mesa. Tinha um ruivo assado para o jantar. E peixe frio era a coisa mais estúpida!

Adeus. Até breve, não? — E agora que Jorge ia para fora, havia de vir muito.— Adeus. Então a francesa, Rua do Ouro, por cima do estanque?

Luísa foi com ela até ao patamar. Leopoldina já no fundo da escada ainda parou gritou:

Sempre te parece que guarneça o vestido de azul, hem?

Luísa debruçou-se sobre o corrimão:

Eu assim fiz, é o melhor. .

Adeus! Rua do Ouro, por cima do estanque?

Sim. Rua do Ouro. Adeus. — E com um gritinho: — Porta à direita.

M.me François.

Jorge voltou às cinco horas, e logo da porta do quarto, pondo a bengala a um canto:

Já sei que tiveste cá uma visita.

Luísa voltou-se, um pouco corada. Estava diante do toucador já penteada, com um vestido de linho branco, guarnecido de rendas Era verdade, tinha vindo a Leopoldina. Juliana mandara-a entrar... Ficara mais contrariada! Era por causa da adresse da francesa dos chapéus. Tinha-se demorado dez minutos. — Quem te disse?

Foi a Juliana; que a senhora D. Leopoldina tinha estado toda a tarde.

Toda a tarde! Que tolice! Esteve dez minutos, se tanto!

Jorge tirava as luvas, calado. Chegou-se à janela, pôs-se a sacudir as duras folhas de uma begónia malhada de um vermelho doente, com uma baba prateada. Assobiava baixo; e parecia todo ocupado em conchegar um botão de amarilis aninhado entre a sua folhagem luzidia, como um pequenino coração assustado.

Luísa ia passando o seu medalhão de ouro numa longa fita de veludo preto, tinha uma tremura nas mãos, estava vermelha.

O calor tem-lhes feito mal. . — disse.

Jorge não respondeu. Assobiou mais alto, foi à outra janela, bateu com os dedos nas folhas elásticas de uma macoma de tons verdes e sanguíneos, e, alargando impacientemente o colarinho como um homem sufocado:

Ouve lá, é necessário que deixes por uma vez de receber essa criatura.

É necessário acabar por uma vez!

Luísa fez-se escarlate.

Are sens