Na sala de leitura, o seu amigo o Viscondo Reinaldo, que havia anos vivia em Londres, e muito em Paris também, lia o Times languidamente, enterrado numa poltrona. Tinham vindo ambos de Paris, com a promessa de voltarem juntos por Madrid. Mas o calor desolava Reinaldo; achava a temperatura de Lisboa reles; trazia lunetas defumadas; e andava saturado de perfumes, por causa "do cheiro ignóbil de Portugal". Apenas viu Basílio deixou escorregar o Times nu tapete, e com os braços moles, a voz desfalecida:
—
E então essa questão da prima, vai ou não vai? Isto está horrível, menino! Eu morro! Preciso o Norte! Preciso a Escócia! Vamos embora!
Acaba com essa prima. Viola-a. Se ela te resiste, mata-a!
Basílio, que se estendera numa poltrona, disse, estirando muito os braços:
—
Oh! Está caidinha!
—
Pois avia-te, menino, avia-te!
Apanhou moribundamente o Times, bocejou, pediu soda — soda inglesa!
Não havia, veio dizer o criado. Reinaldo fitou Basílio com espanto, com terror, e murmurou soturnamente:
—
Que abjeção de país!
Quando Luísa entrou, Juliana, ainda vestida, disse-lhe logo à porta:
—
O Sr. Sebastião está na sala. Tem estado um ror de tempo à espera. . Já cá estava quando eu cheguei.
Tinha vindo com efeito havia meia hora. Quando a Joana lhe veio abrir, muito encarnada, com ar estremunhado, e resmungou que a senhora estava para fora, Sebastião ia logo descer, com o alívio delicioso de uma dificuldade adiada. Mas reagiu, retesou a vontade, entrou, pôs-se a esperar. . Na véspera tinha decidido falar-lhe, avisá-la que aquelas visitas do primo, tão repetidas, com espalhafato, numa rua maligna, podiam comprometê-la. . Era o diabo, dizer-lho!.. Mas era um dever! Por ela, pelo marido, pelo respeito da casa! Era forçoso acautelá-la. . E não se sentia acanhado. Perante as reclamações do dever, vinham-lhe as energias da decisão. O coração batia-lhe um pouco, sim, e estava pálido. . Mas, que diabo havia de lho dizer!. .
E passeando pela sala com as mãos nos bolsos, ia arranjando as suas frases, procurando-as muito delicadas, bem amigas. .
Mas a campainha retiniu, um frufru de vestido roçou o corredor — e a sua coragem engelhou-se como um balão furado. Foi-se logo sentar ao piano, pôs-se a bater vivamente no teclado. Quando Luísa entrou, sem chapéu, descalçando as luvas, ergueu-se, disse embaraçado:
—
Tenho estado aqui a trautear um bocado. . Estava à espera... Então de onde vem?
Ela sentou-se, cansada. Vinha da modista — disse. Fazia um calor! porque não tinha entrado as outras vezes? Não estava com visitas de cerimónia! Era família, era seu primo que viera de fora.
—
Está bom, seu primo?
—
Bom. Tem estado aqui, bastante. Aborrece-se muito em Lisboa, coitado! Ora, quem vive lá fora!
Sebastião repetiu, esfregando devagar os joelhos: Está claro, quem vive lá fora!
—
E Jorge, tem-lhe escrito? — perguntou Luísa.
—
Recebi carta ontem.
Também ela. Falaram de Jorge, dos tédios da jornada, do que contava do fantástico parente de Sebastião, da demora provável. .
—
Faz-nos uma falta, aquele maroto! — disse Sebastião.
Luísa tossiu. Estava um pouco pálida, agora. Passava às vezes a mão pela testa, cerrando os olhos.
Sebastião, de repente, teve uma decisão:
—
Pois eu vinha, minha rica amiga. . — começou.
Mas viu-a ao canto do sofá com a cabeça baixa, a mão sobre os olhos.
—