—
Mas que pode dizer a vizinhança?
A sua voz tinha uma vibração aguda. E batendo com as mãos, apertando-as, exaltada:
—
Isto é curioso! Tenho um parente único, com quem fui criada, que não vejo há uns poucos de anos, vem-me fazer três ou quatro visitas, está um momento, e já querem deitar maldade!
Falava convencida, esquecendo as palavras de Basílio, os beijos, o cupê. .
Sebastião, acabrunhado, enrolava o chapéu nas mãos trémulas. E com uma voz abafada:
—
Eu, tinha-me parecido prudente avisar; o Julião também. .
—
O Julião? — exclamou ela. — Mas que tem o Julião com isso? Com que direito se metem no que se passa na minha casa? O Julião!
A intervenção, as decisões de Julião pareciam-lhe um acréscimo de afronta.
Caiu numa cadeira, com as mãos contra o peito, os olhos no teto.
—
Oh! Se o Jorge aqui estivesse! Oh! Se ele aqui estivesse, Santo Deus!
Sebastião balbuciou aniquilado:
—
Era para seu bem..
—
Mas que mal me pode suceder?
E erguendo-se, indo de um móvel a outro, numa excitação:
—
É o meu único parente. Fomos criados ambos; brincávamos juntos. Em casa de mamã, na Rua da Madalena, estava lá sempre. Ia lá jantar todos os dias. fôssemos irmãos. Em pequena trazia-me ao colo...
E amontoava detalhes daquela fraternidade, exagerando uns, inventando acaso, na improvisação da cólera.
—
Vem aqui — acrescentava — está um bocado; fazemos música; ele toca ente, fuma um charuto, vai-se. .
Instintivamente justificava-se.
Sebastião estava sem ideia, sem resolução. Parecia-lhe aquela uma outra Luísa, diferente, que o assustava; e quase curvava os ombros sob a estridência da sua voz, que nunca conhecera tão forte, vibrando numa loquacidade trapalhona.
Erguendo-se enfim, disse com uma dignidade melancólica:
—
Eu entendi que era o meu dever, minha senhora.
Fez-se um silêncio grave. Aquele tom sóbrio, quase severo, obrigou-a a corar um pouco dos seus espalhafatos; baixou os olhos; disse embaraçada:
—
Perdoe, Sebastião! Mas realmente!. . Não, acredite, juro-lhe, estou-lhe muito obrigada em me avisar. Fez muito bem Sebastião!
Exclamou logo, vivamente:
—
Para evitar qualquer calúnia dessas línguas danadas! Pois não é verdade?
Justificou então a sua intervenção, com muita amizade: às vezes por uma palavra arma-se uma intriga, e quando uma pessoa está prevenida. .
—
Decerto, Sebastião! — repetiu ela. — Fez perfeitamente bem em me avisar. Decerto!