Mandei.
—
Assado?
—
Sim.
—
E atirou, com a sua voz mordente, a sua canção querida da Grã-duquesa:
—
Ouvi dizer que o meu avô de vinho, Era um tal amador. .
Mas Luísa achava aquela música "espalhafatona"; queria alguma coisa triste, doce. . O fado! Que tocasse o fado!. .
Leopoldina exclamou logo:
—
Ai, o fado novo! Tu não ouviste? É lindo! Os versos são divinos!
Preludiou, cantando com um balouçar lânguido da cabeça, o olhar erguido e turvo:
—
O rapaz que eu ontem vi Era moreno e bem feito. .
—
Tu não sabes isto, Luísa? Oh, filha! É o último! É de chorar!
Recomeçou, com o tom muito quebrado. Era a história rimada de um amor infeliz. Falava-se nas "raivas do ciúme, nas rochas de Cascais, nas noites de luar, nos suspiros da saudade", todo o palavreado mórbido do sentimentalismo lisboeta. Leopoldina dava tons dolentes à voz, revirava um olhar expirante; uma quadra sobretudo enternecia-a; repetiu-a com paixão:
— Vejo-o nas nuvens do céu Nas ondas do mar sem fim, E por mais longe que esteia Sinto-o sempre ao pé de mim.
—
Lindo! — suspirava Luísa.
E Leopoldina terminava com ais! em que a sua voz se arrastava numa extensão desafinada.
Luísa, de pé junto do piano, sentia o cheiro do feno que ela usava; o fado, os versos entristeciam-na um pouco; e com o olhar saudoso seguia sobre o teclado os dedos ágeis e magros de Leopoldina, onde reluziam as pedras dos anéis que lhe tinha dado o Gama.
Mas Juliana entrou, vestida de passeio, com a sua cuia nova. Estava o jantar na mesa!
Leopoldina declarou que vinha a cair de fome! E a sala de jantar com as vidraças abertas, as verduras dos terrenos vagos em frente, um azul de horizonte onde se algodoavam nuvenzinhas muito brancas — alegrou-a; a sala de jantar dela tirava-lhe até o apetite; era uma tristeza; deitava para o saguão!
Pôs-se a depenicar bagos de uvas, a trincar bocadinhos de conserva — e reparando no retrato do pai de Jorge, desdobrando o guardanapo:
—
Havia de ser divertido teu sogro! Tem cara de pândego!
—
E há que tempos que não jantavam juntas! Desde quando?
—
Desde o meu primeiro ano de casada — lembrou Luísa.
Leopoldina fez-se um pouco vermelha. Viam-se muito nesse tempo; Jorge ir às lojas ambas, aos confeiteiros, à Graça. . A lembrança daquela camaradagem levou-a às recordações mais distantes do colégio. Tinha visto, havia dias, a Rita Pessoa, com o sobrinho. — Lembraste dele?
—
O Espinafre?
—
"Espinafre" ou não era no colégio o homem, o ideal, o herói; todas lhe escreviam bilhetes, desenhavam-lhe corações de onde saia uma fogueira; metiam-lhe no boné muito sebento ramos de flores de papel.. E quando a Micaela foi apanhada, no cacifo dos baús, a devorá-lo de beijos!...
Luísa disse:
—