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Dá-lhe o cobertor. .

Que a leve o diabo!

E Luísa, sentindo um arrepio de frio nos seus ombros nus, abandonava-se com uma vaga resignação, entre os joelhos de Basílio — vendo constantemente voltada para si a face alvar do piloto.

Assim um iate que aparelhou nobremente para uma viagem romanesca vai encalhar, ao partir, nos lodaçais do rio baixo; e o mestre aventureiro, que sonhava com os incensos e os almíscares das florestas aromáticas, imóvel sobre o seu tombadilho, tapa o nariz aos cheiros dos esgotos.

Apenas Luísa começou a sair todos os dias, Juliana pensou logo: 'Bem, vai o gajo!"

E a sua atitude tornou-se ainda mais servil. Era com um sorriso de baixeza a abrir a porta, alvoroçada, quando Luísa voltava às cinco horas. E que zelo!

Que exatidões! Um botão que faltasse, uma fita que se extraviava, e eram mil perdões, minha senhora", "desculpe por esta vez", muitas lamentações humildes. Interessava-se com devoção pela saúde dela, pela sua roupa, pelo que tinha para jantar. .

Todavia, desde as idas ao Paraíso, o seu trabalho aumentara: todos os dias agora tinha de engomar; muitas vezes era preciso ensaboar à noite colares, rendinhas, punhos, numa bacia de latão, até às onze horas. As seis da manhã, mais cedo, já estava com o ferro às voltas. E não se queixava; até dizia a Joana:

Ai! É um regalo ver assim uma senhora asseada!. . Que as há! Credo!

Não, não é por dizer, mas até me dá gosto. Depois, graças a Deus, agora tenho saúde; o trabalho não me assusta!

Não tornara a resmungar da patroa. Afirmava mesmo à Joana repetidamente:

A senhora, ai, é uma santa! Muito boa de aturar.. Não a há melhor!

O seu rosto perdera alguma coisa do tom bilioso, da contração amarga. As vezes, ao jantar ou à noite, costurando calada ao pé de Joana, à luz do petróleo, vinham-lhe sorrisos súbitos, o olhar clareava-se-lhe numa dilatação jovial.

A Sra. Juliana tem o ar de quem está a pensar em coisas boas..

A malucar cá por dentro, Sra. Joana! — respondia com satisfação.

Parecia perder a inveja; ouviu mesmo falar com tranquilidade do vestido de seda que estreou num dia de festa, em Setembro, a Gertrudes do doutor.

Disse apenas:

Também um dia hei de estrear vestidos, e dos bons! Dos da modista!

Já outras vezes revelara por palavras vagas a ideia de uma abundância próxima. Joana até lhe dissera:

A Sra. Juliana espera alguma herança?

Talvez! — respondeu secamente.

E cada dia detestava mais Luísa. Quando pela manhã a via arrebicar-se, perfumar-se com água-de-colónia, mirar-se ao toucador cantarolando, saía do quarto porque lhe vinham venetas de ódio, tinha medo de estourar! Odiava-a pelas toaletes, pelo ar alegre, pela roupa branca, pelo homem que ia ver, por todos os seus regalos de senhora. "A cabra!" Quando ela saía ia espreitar, vê-la subir a rua, e fechando a vidraça com um risinho rancoroso:

Diverte-te, piorrinha, diverte-te, que o meu dia há de chegar! Oh, se há de!

Luísa com efeito divertia-se. Saía todos os dias às duas horas. Na rua já se dizia que a do Engenheiro tinha o seu São Miguel.

Apenas ela dobrava a esquina o conciliábulo juntava-se logo a cochichar.

Tinham a certeza que se ia encontrar com o peralta. Onde seria? — era a grande curiosidade da carvoeira.

No hotel — murmurava o Paula. — Que nos hotéis é escândalo bravio.

Ou talvez — acrescentava com tédio — nalguma dessas pocilgas da Baixa!

A estanqueira lamentava-a: uma senhora que era tão apropositada!

Vaca solta lambe-se toda, Sra. Helena! — rosnava o Paula. — São todas o mesmo!

Menos isso! — protestava a estanqueira. — Que eu sempre fui uma mulher honesta!

E ela? — reclamava a carvoeira — ninguém tinha que lhe dizer!

Falo da alta sociedade, das fidalgas, das que arrastam sedas! É uma cambada. Eu é que o sei! — E acrescentava gravemente: — No povo há mais moralidade. O povo é outra raça! — E com as mãos enterradas nos bolsos, as pernas muito abertas, ficava absorto, com a cabeça baixa, o olhar cravado no chão. — Se é! — murmurava. — Se é! — Como se estivesse positivamente achando as pedrinhas da calçada menos numerosas que as virtudes do povo!

Sebastião que tinha estado na quinta de Almada quase duas semanas, ficou aterrado quando, ao voltar, a Joana lhe deu as grandes "novidades": que a Luisinha agora saía todos os dias às duas horas, que o primo não voltara; a Gertrudes é que lho dissera; não se falava na rua noutra coisa. .

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